O desporto é a espinha dorsal de qualquer comunidade
Os princípios desportivos perpassam todos os géneros, idades, profissões e classes sociais, fazendo com que o desporto seja o denominador comum de toda a comunidade, capaz de incutir emoções transversais a todos os seus membros. Por essa razão, o desporto afirma-se como um veículo privilegiado para transportar mensagens de incentivo, de desenvolvimento social e de superação pessoal.
Entre nós, o desporto tem sido relegado para o último plano da cadeia cultural nacional. Em primeiro lugar, muitos desportistas, heróis de ontem, encontram-se hoje na penúria financeira, sem trabalho e perspectivas; e, por isso, deixam de ser modelos para a geração actual. Em segundo lugar, não há a preocupação de enaltecer os feitos realizados pelos bravos atletas angolanos, que empregaram a sua juventude e a energia para elevar o nome da Pátria, deixando-os votados ao ostracismo social.
Em terceiro lugar, o desporto que sempre presenciamos (o desporto federado ou associativo) não tem sofrido, nos últimos 40 anos, nenhuma evolução digna de nota: a industrialização desportiva ficou estagnada em detrimento dum capitalismo nacional peculiar, cujas bases marxistas desvirtuadas permitiram que o desporto fosse instrumentalizado como meio de propaganda pessoal e de alpinismo social.
Entendo que o desporto é uma porta para a evolução sócio-económica dos nossos jovens, porque essa foi também a minha experiência pessoal: tornei-me no homem que sou graças ao basquetebol. Mas, para que possa continuar a desempenhar o seu papel de impulsionador do fomento educacional e do desenvolvimento social e económico dos jovens, é essencial que o desporto nacional sofra algumas alterações, capazes de assegurar a sua sustentabilidade a longo prazo.
A mutação sustentável do desporto só se consegue com a industrialização desportiva. É necessário promover a desburocratização, permitindo a correcção das anomalias que estão na base do nosso menos bom desempenho, incluindo uma fiscalização dual: critérios e objectivos definidos para os treinadores das selecções e, ao mesmo tempo, justificação da selecção e avaliação do desempenho dos atletas. Devemos colocar os atletas no centro das actividades que permitem expandir a indústria do desporto, dando início ao processo de crescimento sustentável do desporto nacional.
E isto pode ser feito através de 6 medidas concretas, a saber:
1. Investir no capital humano: elevar o conhecimento táctico e académico dos atletas e treinadores, com a implementação de treinos audiovisuais nos escalões mais jovens (Sub19, 17, 15 e mini-basquetebol), associando os rostos de atletas a cada uma das grandes provas provinciais ou nacionais, como pontos de referência; bem como a promoção de treinadores qualificados, capazes de identificarem os novos talentos;
2. Criar pacotes com incentivos financeiros dentro dos programas nacionais ou internacionais existentes (o PIIM, a Solidariedade Olímpica, os Programas para a Juventude dos Ministérios da Juventude e Desportos ou as Acções Sociais levadas a cabo pela Presidência da República), bem como benefícios fiscais;
3. Fomentar a criação de projectos privados empresariais ligados ao desporto e promovidos por atletas: desburocratizar a criação de empresas vocacionadas para a prática desportiva e apostar na fiscalização do exercício da sua actividade; divulgar informação aos atletas (e aos seus encarregados de educação) sobre os direitos e deveres em relação às instituições desportivas;
4. Promover projectos comunitários que apresentem reais valências e grande escalabilidade dentro das comunidades, que, no longo prazo, poderão também contribuir para a retenção dos nossos talentos desportivos (em virtude do aumento da qualidade dos executantes e das competições internas);
5. Divulgar a nível internacional o que é feito localmente: o crescimento do coeficiente de inteligência (QI) dos atletas pode ser conseguido através da visualização de jogos, em que são corrigidos todos os erros de execução dos atletas, proporcionados pelos seus executantes, assim como, a troca de jogos gravados entre equipas, em que cada uma desenvolverá métodos para contrapor a eficiência dos atletas de cada escalão, dando assim lugar ao fomento da criatividade (esta prática é frequente nos Estados Unidos, onde equipas adversárias trocam os registos audiovisuais dos jogos).
6. Potencializar os escalões de formação juniores, cadetes, iniciados, e mini-basquetebol, de modo a produzir novos rostos sociais, novos atletas que venham a corporizar o herói nacional.
E nem se argumente que o impacto da Covid-19 anuncia o fim do desporto. Pelo contrário, o que se tem visto em diversos países é que a grande máquina do desporto se adaptou e está a avançar, no sentido de assegurar a evolução da prática desportiva de uma forma segura e direccionada para o bem comum. A nossa percepção em relação a esta ferramenta multifacetada que é o desporto está a alterar-se em função do novo contexto mundial, permitindo que o desporto opere uma sustentável mutação que vá realçar a qualidade e a capacidade coordenativa e motora de indivíduos que já marcam ou que futuramente vão marcar o desporto mundial.
Entre nós, o desporto tem sido relegado para o último plano... Muitos desportistas, heróis de ontem, encontram-se hoje na penúria financeira, sem trabalho e perspectivas; e, por isso, deixaram de ser modelos para a geração actual
Ao aproveitarmos um contexto mundial adverso para a continuação da prática desportiva como a conhecemos, corrigindo as anomalias que limitam o desenvolvimento do desporto nacional, e revertendo as dificuldades em prol da industrialização desportiva em Angola, conseguiremos uma mutação desportiva sustentável, assente numa ampla utilização das tecnologias e na valorização do capital humano.
Regozijo-me sempre com os documentários sobre os feitos desportivos de Michael Jordan (tanto o Hardwood, como o The Last Dance, recentemente apresentado na Netflix), que considero altamente inspiradores. As proezas das estrelas do desporto são transmitidas para estimular os jovens, e acredito que as façanhas dos atletas nacionais podem impulsionar os jovens angolanos, mostrando que cada homem ou mulher é a soma de todas as suas acções (sejam elas vitórias ou derrotas) e que o que somos hoje nunca poderia existir sem o nosso percurso passado. E este estímulo tem uma repercussão sócio-económica inestimável, que as políticas públicas devem considerar.