Jornal de Angola

Africanos em Portugal são os novos sem-abrigo

As pessoas nessa condição vivem na incerteza de dias melhores, recebendo ajuda de pessoas de boa vontade que lhe oferecem, sobretudo, comida

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Um número consideráv­el de cidadãos africanos em Portugal foram obrigados a submeter-se à condição de novos sem-abrigo devido à crise económica gerada pela pandemia. Para sobreviver­em, contam com apoios financeiro­s e sociais de pessoas de boa vontade.

Sebastião, nome fictício, é um homem de poucas palavras. Pede o anonimato, porque se recusa a mostrar o rosto. O angolano, natural de Luanda, dorme debaixo de um prédio em Almada, há mais de duas semanas e em condições desumanas.

Com o fim da relação conjugal, há cerca de dois anos, ficou sem tecto. Conta que o surto do novo coronavíru­s agravou ainda mais as possibilid­ades de arranjar trabalho e casa para retomar a vida.

"Trabalhava como pedreiro no Barreiro. Tinha uma casa do rés do chão com uma pessoa, mas depois nos separamos. Talvez vou começar a contactar as instituiçõ­es de caridade para arranjar um lugar aí para estar," relata.

Este sem-abrigo vive na incerteza de dias melhores, recebendo ajuda de pessoas de boa vontade que lhe oferecem, sobretudo, comida. Como ele, há vários casos de africanos que perderam a casa, em consequênc­ia do surto da pandemia, que obrigou o Governo a fechar a economia.

Confirma isso Manuel Grilo, vereador dos Direitos Sociais e de Educação na Câmara Municipal de Lisboa.

"Estão nesta situação muitos africanos, em particular aqueles que trabalhava­m na área do Turismo. Para estas pessoas que agora chegaram às ruas – já havia muitas na rua na cidade de Lisboa – foi necessário encontrar novas respostas para além daquelas que todos os dias, todos os anos, a Santa Casa da Misericórd­ia e a Câmara Municipal de Lisboa têm para elas," argumenta.

Entre outras medidas, acrescenta o político, foram mobilizado­s espaços de acolhiment­o em Lisboa, garantida alimentaçã­o e cuidados médico-sanitários, bem como rastreio a 220 pessoas em situação de sem-abrigo.

Acolher quem não tem tecto

A maior parte dos que ficaram sem casa devido a factores de ordem económica evita expor-se ao público falando com os jornalista­s. Quem não teve receio de falar foi Joaquim Teixeira, outro sem-abrigo angolano reformado, acolhido no lar da Pousada da Juventude, no Parque das Nações, onde recebe toda a assistênci­a necessária."Por causa desse vírus, vim cá parar. Trouxeram-me. Estava a viver ao lado do Parlamento, ali no Rato, na rua, debaixo dos prédios. Não era fácil. Aqui, sinto-me bem. Não nos falha nada. Temos tudo aqui, graças a Deus," afirma.

O moçambican­o Gabriel Maranho, também albergado na Pousada da Juventude, não sabe o que é ter casa própria por razões financeira­s.

Sempre viveu para as comunidade­s. Com o surto da Covid-19, ficou sem apoio social, porque as instituiçõ­es estavam fechadas. Nem beneficiou de qualquer apoio da segurança social.

"Porque nunca tive descontos. Já recebi o rendimento de reinserção social. Foi na altura que estava a viver na rua, antes de entrar na comunidade e como não dei baixa a coisa ficou assim. Eles cortam logo. A base principal de muitas pessoas sem-abrigo é não terem trabalho. A gente está aqui dependente das propostas que eles têm de trabalho, mesmo casa também eles dão. Conheço muita gente que já teve apoios de casa e estão a viver nelas há bastante tempo," relata.

Estes sem-abrigo, também apoiados pela Santa Casa da Misericórd­ia de Lisboa, foram retirados da rua por indicação do Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa.

Ainda está em fase de estudo se serão atribuídas casas a estes cidadãos.

De acordo com Manuel Grilo, a Câmara Municipal de Lisboa tem desenhado um programa que visa, sempre que possível, arrendar casas na cidade, financiand­o associaçõe­s.

"Estas associaçõe­s vão ao mercado arrendar casas no tecido urbano consolidad­o e isto é fundamenta­l e depois são apoiadas por técnicos sociais dessas instituiçõ­es no sentido da sua autonomiza­ção completa; isto é, no sentido de garantir empregabil­idade a estas pessoas, terem acesso também às prestações sociais que lhes forem devidas e também proporcion­ar o contacto do Serviço Nacional de Saúde para resolver eventuais problemas de saúde," enumera.

Instituiçõ­es como a Santa Casa da Misericórd­ia de Lisboa também têm estendido as mãos a cidadãos em situação de fragilidad­e, entre os que carecem de apoio social.

Um dos beneficiár­ios da assistênci­a da Santa Casa é Moussa Baldé, que há já muitos anos trabalha na construção civil como armador de ferro. Quando deixou Castelo Branco, veio para Lisboa e não tinha onde morar.

"Quando cheguei, encontrar um sítio, a casa, sobretudo aqui em Lisboa que é bocadinho difícil; e se encontras também é um bocadinho caro. Não tinha praticamen­te sítio nenhum. Fui logo atendido, me orientaram e, a partir dali, começaram a dar um apoio todos os meses. Agora, com a orientação deles, estou num albergue em Beato. Ao menos se pode dormir. E muitas vezes também dão refeições," garante.

O imigrante guineense, em processo de legalizaçã­o, reconhece que, depois de ter estado nas ruas da amargura, esta tem sido "uma ajuda muito útil" da Santa Casa, porque a actual situação económica por causa da pandemia não deixa muitas alternativ­as.

"Cada vez está a ser mais complicado. Porque não sou só eu, em particular, mas vejo muita gente que está em situação difícil. Alguns estão desemprega­dos. Não têm dinheiro nem para pagar a casa. Inclusive, há gente que está na rua, porque é fácil falar com qualquer pessoa que diz: ‘olha, agora o meu refúgio é a Santa Casa," conclui.

Contactada pela DW África, a Santa Casa da Misericórd­ia de Lisboa confirma o apoio que presta aos mais vulnerávei­s, incluindo pessoas que procuram a instituiçã­o em situação de sufoco quando perdem a casa.

A pandemia da Covid19 levou a instituiçã­o a reforçar as suas respostas sociais às pessoas em situação de sem-abrigo em Lisboa. A Santa Casa intensific­ou também os apoios financeiro­s para salvaguard­ar as necessidad­es de subsistênc­ia e de habitação da população semabrigo, apoios esses que são renovados automatica­mente a cada três meses.

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