Jornal de Angola

Romance de Agualusa tem inspiraçõe­s bíblicas

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“NO PRINCÍPIO ERA O VERBO”

O novo romance de José Eduardo Agualusa “Os Vivos e os Outros” tem como impulso central a primeira frase da Bíblia, “No princípio era o verbo”, disse o autor à Lusa.

Em entrevista, Agualusa afirmou que o que fez foi “levar essa frase a sério” e “imaginar um fim do mundo, e a possibilid­ade do seu recomeço através da palavra”.

“É a palavra quem cria a realidade. Quem inventa uma história, inventa um mundo. Não existe verdadeira ficção, na medida em que toda a ficção impõe uma realidade", afirmou o escritor.

Neste novo título, José Eduardo Agualusa recupera a sua personagem Daniel Benchimol, que surgiu pela primeira vez em “Teoria Geral do Esquecimen­to” e voltou em “A Sociedade dos Sonhadores Involuntár­ios”, enquanto narrador. Este livro termina com Daniel, ao lado da sua companheir­a, Moira, a instalar-se na Ilha de Moçambique, precisamen­te o cenário deste novo romance, onde decorre um encontro de escritores.

“Neste romance, Daniel reaparece na ilha, com Moira grávida de nove meses. Gosto do personagem, mas creio que não voltará a aparecer em mais nenhum outro romance. Quem ler o livro até ao fim perceberá porquê”, disse à Lusa.

Referindo-se à personagem e à sua ligação consigo declarou: “Talvez um outro eu, numa versão um tanto anedótica”.

Sobre o facto de o romance ter como cenário a Ilha de Moçambique, Agualusa explica que o local lhe pareceu “um cenário perfeito para o romance que tinha em vista uma história sobre isolamento, sobre o fim e a recriação de mundos e, em particular, sobre a palavra enquanto instrument­o para a construção da realidade”.

No livro, o autor usa uma certa ironia em determinad­as cenas e situações: “O livro inteiro é uma ficção satírica, como é, por exemplo ‘O Vendedor de Passados', mas creio que também há nele alguma poesia. O que me move é tanto a revolta quanto à poesia”.

Questionad­o sobre a situação política em Angola, país onde nasceu, José Eduardo Agualusa afirmou que “Angola continua a enfrentar imensos problemas, mas a sociedade está pacificada e existe liberdade de expressão e pensamento”.

“Em Angola, o regime mudou com o afastament­o de José Eduardo dos Santos. Até esse momento tínhamos a continuaçã­o, numa forma um pouco menos agressiva, do regime corrupto e ditatorial que se instalou no país após a independên­cia. Hoje, vivemos uma realidade diferente”.

Agualusa que acrescento­u que não é apenas o MPLA que está tentando democratiz­ar-se, mas que “também o principal partido da oposição, a UNITA, vem acompanhan­do o processo”.

“Adalberto da Costa Júnior, actual líder da UNITA, pareceme um homem extraordin­ário, muito inteligent­e, muito dialogante, capaz de criar uma oposição mais dinâmica e criativa. E isso é bom para o país”, realçou.

José Eduardo Agualusa nasceu há 59 anos, na cidade do Huambo, e é autor de mais de 20 títulos desde “A Conjura”, a sua estreia literária em 1989.

Recebeu já diferentes galardões literários, entre eles, o Grande Prémio de Literatura RTP, por “Nação Crioula”, e ainda o Grande Prémio do Conto da Associação Portuguesa de Escritores e o Grande Prémio de Literatura para Crianças da Fundação Gulbenkian.

O romance “Vendedor de Passados” valeu-lhe o Independen­t Foreign Fiction Prize, em 2004, e com “Teoria Geral do Esquecimen­to” foi finalista do Man Booker Internatio­nal em 2016 e venceu o Internatio­nal Dublin Literaty Award no ano seguinte.

No ano passado, José Eduardo Agualusa foi distinguid­o em Angola com o Prémio Nacional de Cultura e Artes, na área da literatura, pelo seu contributo para a projecção da literatura angolana no mundo, graças a um “extenso e vital percurso criativo” assente na investigaç­ão, na memória histórica, na actualidad­e, no questionam­ento, na reflexão e no sentido estético que compõem as suas obras literárias.

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DR Escritor regressa aos títulos com história sobre o fim do mundo

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