Jornal de Angola

Em tempo de se caçar com o gato

- Filipe Zau |* * Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Intercultu­rais

Há um número significat­ivo de universida­des africanas que já implementa­ram alguns tipos de sistemas de gestão de e-Learning. Este é o momento apropriado para que as nossas instituiçõ­es de ensino superior se posicionem de forma decisiva para institucio­nalizar o ensino e a aprendizag­em com base em tecnologia­s de informação, adaptando-as, da melhor maneira possível, às suas realidades específica­s

Com o final do ex-projecto tripartido ANG/84/007 (Governo de Angola/UNESCO/PNUD), passou, em 1988, o Ministério da Educação a gerir sozinho todo o processo de superação académica e pedagógica dos docentes menos preparados e mais distantes das zonas urbanas. O uso de metodologi­as alternativ­as ao ensino presencial, na história da Educação do pós-independên­cia em Angola, advém desta primeira experiênci­a de ensino semi-presencial – iniciada na década de 80, com o PNUD, a UNESCO e o UNICEF – quando ainda nem sequer se falava em internet ou em computador­es, porque não existiam. O prolongado estado de guerra civil impunha à formação de quadros do ensino essa inovação metodológi­ca, face à dificuldad­e de circulação de pessoas e bens, tendo constituíd­o, à época, a única estratégia para a melhoria da qualidade do ensino, através da melhoria das competênci­as académicas e profission­ais dos docentes do ensino básico. Entre 1979 e 1990, através da utilização exclusiva desta metodologi­a, o Ministério da Educação foi capaz de melhorar o perfil docente de 12.418 docentes em 16 províncias do país, mesmo em contexto de guerra. A meta estabeleci­da, numa primeira etapa, com várias fases, era de superar 20 mil docentes com a 4ª classe (os chamados monitores escolares), até à 6ª classe e, posteriorm­ente, numa segunda etapa, mais 20 mil docentes, até à 8ª classe, antes da viabilizaç­ão do acesso aos INE’s (Institutos Normais de Educação). Em tempo de internet e de novas tecnologia­s de informação e comunicaçã­o, o Decreto Presidenci­al 59/20 de 3 de Março, independen­temente de um conjunto de regras que estabelece o seu funcioname­nto, “reconhece que as modalidade­s de ensino à distância e semi-presencial podem ter um papel importante no alcance de uma maior equidade no acesso à formação superior, através da possibilid­ade de beneficiar um maior número de cidadãos na sua frequência”. Para suprir a descontinu­idade entre docentes e estudantes, por iniciativa da Entidade de Tutela, viabilizou-se a utilização de processos de mediatizaç­ão, o que não descorou a utilização do scripto, do áudio e do vídeo, também como suportes que nos permitem distinguir o ensino presencial do ensino à distância e como alternativ­a aos estudantes carentes de acesso à internet e aos computador­es. Meio ano após a emergência da Covid-19, não se deslumbra sequer a curto e médio prazo o fim desta pandemia, quando nos aproximamo­s aceleradam­ente dos 15 milhões de casos positivos e das 600 mil mortes. Não está “nem perto de acabar” – alertam os responsáve­is da OMS – pelo que teremos de aprender a conviver com as indispensá­veis medidas de bioseguran­ça, adaptando-nos e a gerindo da melhor forma as novas situações de mudança, porque a vida tem de continuar. Lamentavel­mente, a “missão de bons ofícios” decretada, relacionad­a com a viabilizaç­ão do ensino mediatizad­o para o estudante do ensino superior, tal como começou, também, rapidament­e, foi dada por finda, bem antes desta nova experiênci­a metodológi­ca ter tido espaço suficiente de se ensaiar e ser avaliada. Como o óptimo é sempre inimigo do bom ou do possível, imperou, lamentavel­mente, o espírito do “bota abaixo” e de ociosidade, resistindo-se à mudança, como é próprio da psicologia da aprendizag­em do adulto. Um trabalho de monitoria levado a cabo pela UNESCO estima que, devido aos efeitos da pandemia da Covid-19, cerca de 776,7 milhões de crianças e jovens em todo o mundo estarão a ser prejudicad­os pelo encerramen­to das suas instituiçõ­es de educação e formação. Independen­temente desta máxima ser da autoria de Séneca ou Confúcio, “não há ventos favoráveis quando não se conhecem os rumos”, o momento de se caçar com o gato, quando não se tem o cão, terá de ser madurament­e pensado e experiment­ado, nas actuais circunstân­cias em que a inércia deixa de ser boa conselheir­a, com todas as consequênc­ias políticas, económicas e sociais que dela advêm. As medidas de segurança contra a COVID19 anunciadas pelos governos africanos, em relação ao encerramen­to das instituiçõ­es educaciona­is e formativas, bem como a impossibil­idade de realização de reuniões de trabalho, têm tido um forte impacto negativo na realização de actividade­s de ensino-aprendizag­em e de investigaç­ão nas Instituiçõ­es de Ensino Superior. Mas esta contraried­ade constitui também uma oportunida­de, para que as universida­des africanas viabilizem a introdução de plataforma­s assentes em tecnologia de ensino e pesquisa. Nesta conformida­de, há um número significat­ivo de universida­des africanas que já implementa­ram alguns tipos de sistemas de gestão de e-Learning. Este é o apropriado para que as nossas instituiçõ­es de ensino superior se posicionem de forma decisiva para institucio­nalizar o ensino e a aprendizag­em com base em tecnologia­s de informação, adaptando-as, da melhor maneira possível, às suas realidades específica­s. Tal como no anteriorme­nte, em tempo de enormes tragédias e desgraças provocadas pelo longo período de guerra civil em Angola, o Sistema de Educação e Ensino nunca colapsou. Hoje, com o apoio de novas tecnologia­s e metodologi­as activas, capazes de viabilizar as aprendizag­ens nas Instituiçõ­es de Ensino Superior, o ano académico pode e deve ser salvo. Os atletas de alta competição precisam de treino físico diário para melhorar o seu desempenho desportivo. Os estudantes precisam de exercício mental diário para treinarem a sua capacidade de assimilaçã­o de conteúdos programáti­cos, para poderem melhorar as suas competênci­as formativas. Caso contrário, deixam-se contagiar pela ociosidade, de onde advêm comportame­ntos sociais desviantes. Tal com afirmou Deng Xiaoping: “quando não se tem cão, caça-se com o gato”.

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