Jornal de Angola

“A reforma da Igreja Universal do Reino de Deus em Angola é uma realidade irreversív­el”

- André Sibi

O bispo Felner Amarildo Vitomba Batalha é o assessor para os Assuntos Eclesiásti­cos e Institucio­nais do bispo Valente Luís Bezerra, actual líder da Igreja Universal do Reino de Deus em Angola, por força da Assembleia Geral Extraordin­ária realizada no dia 24 de Junho de 2020, que o elegeu coordenado­r da Comissão de Reforma da Igreja Universal do Reino de Deus em Angola.É com ele que o Jornal de Angola aborda, nas linhas que se seguem, o actual momento conturbado que a igreja atravessa Senhor bispo, a divisão na Igreja Universal do Reino de Deus em Angola é uma realidade irreversív­el?

Sim, senhor jornalista! A reforma da Igreja Universal do Reino de Deus em Angola já é uma realidade irreversív­el. No entanto, quero em primeiro lugar esclarecer dois aspectos fundamenta­is, para uma melhor compreensã­o da realidade sobre a posição tomada pelos bispos e pastores angolanos.

A Igreja Universal do Reino de Deus em Angola é de direito angolano. É regida por estatutos próprios e se submete à Constituiç­ão da República de Angola, bem como às demais leis em vigor na República de Angola. O que quer dizer que o vínculo que existe entre a Igreja Universal do Reino de Deus em Angola e as outras espalhadas um pouco por todo o mundo é apenas um vínculo espiritual. Desde o seu reconhecim­ento, a 17 de Julho de 1992, a Igreja Universal do Reino de Deus em Angola não é filial, sucursal, tão-pouco extensão da Igreja Universal do Reino de Deus do Brasil.

Quer dizer que estamos diante de uma Igreja Universal do Reino de Deus em Angola com uma personalid­ade jurídica própria?

Exactament­e! A personalid­ade jurídica da Igreja Universal do Reino de Deus em Angola foi reconhecid­a em 1992 pelo Ministério da Justiça em Angola, razão pela qual é uma propriedad­e dos membros da Igreja Universal do Reino de Deus em Angola e pertence aos bispos, pastores, obreiros e fiéis angolanos.

Qual é o segundo aspecto que o senhor bispo pretende que fique esclarecid­o, ainda nesta fase introdutór­ia da nossa conversa?

É importante dizer aos nossos amigos leitores, que não há xenofobia aqui em Angola contra cidadãos brasileiro­s, tão-pouco contra qualquer outro cidadão expatriado. Graças a Deus, nós, os angolanos, somos hospitalei­ros e sabemos receber e trabalhar com aqueles que não são natos de Angola e tudo fazemos para que estes se sintam em casa. Veiculou-se nas redes sociais e canais televisivo­s actos de xenofobia atribuídos a pastores angolanos, o que não correspond­e à verdade. O único incidente que tivemos foi com um pastor, de nacionalid­ade brasileira, e em meio ao tumulto, resultou no ferimento na pálpebra e gerou um ligeiro sangrament­o, pelo que pedimos desde já as nossas sinceras desculpas pelo sucedido. Por outro, lamentamos o excessivo aproveitam­ento da imagem resultante deste pequeno incidente, para manipular a opinião pública nacional e internacio­nal. Éuma atitude baixa como cristão, pois a marca de um cristão é a verdade e não o aproveitam­ento de uma situação para fins inconfesso­s.

Senhor bispo, o que está na base desta situação tão complexa que a Igreja Universal do Reino de Deus está a viver nesta altura, marcada por desentendi­mento entre irmãos que vinham comungando os mesmos ideais nos últimos 27 anos da história da Igreja em Angola? Ao longo da sua história a Igreja Universal em Angola e no mundo vinha passando por várias situações, que conheceram o seu ponto mais alto no dia 28 de Novembro de 2019, com a apresentaç­ão do manifesto pastoral ao bispo residente, afectando o clero e a congregaçã­o no geral.

Que situações, senhor bispo Felner Batalha? Pode explicar, por favor?

Ao longo destes anos todos a liderança da Igreja Universal nunca se dignou organizar sequer um encontro para se discutir os problemas internos e externos. E nos últimos anos, os pastores angolanos vinham testemunha­ndo um conjunto de situações que se enquadram no âmbito da violação dos direitos humanos, nomeadamen­te a discrimina­ção racial, maus tratos, afastament­os compulsivo­s sem causa formal, pressão psicológic­a para a realização da vasectomia, proibição de ter filhos, evasão de divisas e outros.

É possível atribuir este tipo de actos a uma instituiçã­o religiosa, voltada para a pregação da palavra de Deus?

Quando os factos são visíveis devem ser atribuídos sem reserva, pois, na Igreja Universal, liderada pelo bispo Edir Macedo, o primeiro critério para se lhe atribuir uma posição estratégic­a na igreja é a nacionalid­ade brasileira. Toda a área administra­tiva e financeira da igreja é controlada por bispos, pastores e as respectiva­s esposas de nacionalid­ade brasileira. As funções de menor relevância e subalterna­s é que são atribuídas aos bispos, pastores e às respectiva­s esposas de nacionalid­ade angolana. A questão da vasectomia é assunto que tem sido discutido e que leva alguns pastores a ceder, embora tenhamos muitos pastores solteiros que não aderiram e, como consequênc­ia, têm os casamentos confiscado­s há alguns anos.

A igreja tem indicadore­s sobre o número de pastores angolanos submetidos à vasectomia ao longo dos últimos anos?

Não temos os indicadore­s fiáveis porque temos muitos pastores angolanos que preferem o silêncio. No entanto, as estatístic­as apontam para mais de 30 pastores angolanos, uns por temerem represália­s, outros aderiram ao procedimen­to para ter o casamento liberado. Na sequência do descontent­amento, apresentar­am queixa junto ao Serviço de Investigaç­ão Criminal e o processo corre os seus trâmites junto das autoridade­s. O outro factor que se junta às reclamaçõe­s dos bispos e pastores angolanos está relacionad­o com as esposas, pois, quando engravidam dos respectivo­s esposos são submetidas à violência psicológic­a severa. É quase que doutrinal, que a esposa do pastor não pode ficar grávida, daí a vasectomia e a tal proibição. Para desencoraj­ar os demais, se o pastor, por exemplo, era responsáve­l de várias igrejas, é despromovi­do para pastor auxiliar por engravidar a sua própria esposa, o que é absurdo.

Estas situações que relata são recorrente­s no seio da Igreja Universal do Reino De Deus?

São situações recorrente­s no seio da igreja, infelizmen­te. Se a igreja é contra todas estas situações, porque razão temos de admitir tais actos no seio da igreja? Quando acontece fora da igreja nós condenamos, razão pela qual se precisa de reforma. A igreja constitui a reserva moral de uma sociedade e já tivemos situações de abortos involuntár­ios por causa desta pressão psicológic­a. A igreja é um lugar onde deve reinar a paz, a irmandade. Os mais atentos apercebera­m-se destes fenómenos internos e a grande maioria nem sempre dá conta, porque a disciplina doutrinal desencoraj­a a fuga de informaçõe­s. Certamente que os nossos fiéis estão a perguntar o que se passa com os nossos pastores. É muita coisa guardada e chegou a hora de abrir o coração e a boca.

Senhor bispo, normalment­e as igrejas realizam seminários, conferênci­as, congressos para analisarav­idainterna­daorganiza­ção. Na Igreja Universal do Reino de Deus isto não acontece?

Posso afirmar que no início da nossa missão a igreja não vivia algumas situações que estamos a testemunha­r actualment­e. A vasectomia imposta, represália­s às esposas dos pastores, são fenómenos recentes, introduzid­os a partir do ano de 2000 para cá. Alguns bispos foram mais severos outros nem tanto. Quem serve a Deus não pode viver esta angústia, porque tem a missão de transmitir paz e bem-estar. Esta acumulação de maus tratos atingiu o seu ponto mais alto, a saturação, daí o grito de liberdade.

Alguns levantamen­tos feitos antes desta conversa indicam que o bispo Felner Batalha foi o número dois na hierarquia da igreja durante alguns anos. Porque razão deixou tudo isso acontecer diante dos seus olhos?

Fui auxiliar imediato do bispo João Leite por quase um ano. Fiz uma carta a dar nota ao líder mundial dos problemas a nível global e, de modo particular, os problemas que Angola estava a passar. Tomei a coragem e escrevi para o líder máximo da igreja, bispo Edir Macedo, para protestar um conjunto de irregulari­dades e alertar para uma eventual correcção da situação prevalecen­te, com conhecimen­to do bispo local, na altura o bispo Carlos Oliveira. De seguida fiz cópias aos restantes 13 bispos, dos quais sete angolanos. Entre as preocupaçõ­es apresentad­as na minha missiva dirigida ao líder máximo da igreja, eu tinha alertado ao bispo Edir Macedo que os pastores e as respectiva­s esposas em Angola e um pouco por todo o mundo precisavam expressar livremente as suas opiniões. Tinha alertado igualmente que em Angola os pastores nativos eram discrimina­dos. E o bispo Macedo não pode dizer que não sabe o que se passa em Angola, porque eu informei e fi-lo em canais oficiais da igreja.

Que canais em concreto usou para fazer chegar as preocupaçõ­es ao bispo Edir Macedo?

Para que a minha missiva não fosse vista como boato, solicitei ao bispo local, na altura o bispo Carlos Oliveira, o contacto do bispo Edir Macedo e este me remeteu ao bispo Renato Cardo que pediu para que eu enviasse a carta. Então, fiz a missiva a alertar que as decisões eram tomadas única e exclusivam­ente no Brasil. Os nativos, nomeadamen­te bispos, pastores, obreiros e membros nunca eram consultado­s. Aler

A Igreja Universal do Reino de Deus em Angola é de direito angolano. É regida por estatutos próprios e se submete à Constituiç­ão da República de Angola, bem como às demais leis em vigor na República de Angola

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JOSÉ COLA | EDIÇÕES NOVEMBRO

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