Árbitros angolanos sem apoio do Fundo Solidário
Paulo Talaia diz que já abordou vários colegas sobre o destino dado aos valores recolhidos desde os mandatos de Armando Machado
Em tempo de apertos resultantes da pandemia da Covid19, que forçou a interrupção da actividade desportiva, o antigo árbitro internacional angolano Paulo Talaia questiona o destino dado aos valores do Fundo Solidário criado pelos membros da classe, na Federação de Futebol (FAF), com o objectivo de acudir situações de necessidade.
Preocupado com os colegas mais necessitados, quadro certamente agravado pela suspensão do Girabola, desde finais de Março, o juiz da Associação Provincial de Benguela olhou para o Conselho Central de Árbitros presidido por Jorge Mário Fernandes.
“É algo que qualquer árbitro gostaria de saber. Sei que até ao momento nenhum recebeu algum valor. Falo com muitos e ninguém confirma ter recebido algum valor. Não estou a dizer que tenham gasto os valores, mas é preciso que se faça algo para os árbitros, como compra de material, ou mesmo ajuda em tempo de confinamento. Sei que não são todos os que necessitam, mas alguém vai sempre precisar de uma ajuda. É necessário que os árbitros saibam, para que não haja desconfiança. Afinal o valor é de todos”, recomendou Paulo Talaia, a partir de Portugal.
Sem precisar o montante do fundo, que segundo apurou o Jornal de Angola ronda os 50 milhões de kwanzas arrecadados por época, o homem do apito, cuja carreira terminou no último Girabola, aos 44 anos, diz ser suficiente para acudir casos pontuais. “Por exemplo, os árbitros tinham na agenda um curso online, que não sei se chegou a ser realizado. Fui eu quem pediu para que se pagasse a Internet de cada um, para se poder participar. Não fiz, por não ter como fazer pela Internet. Além de ser caro, não tinha Net fixa em casa. Mas acho que foi bom, uma vez que já nem fazia parte dos árbitros. Fiquei a saber por telefone que em Julho já não seria árbitro”.
À procura de respostas sobre a aplicação dada às verbas, assumiu que o fundo não é colocado à disposição dos árbitros, pelo menos até à sua saída.
“Nunca recebi, nos finais de época, um prémio, equipamento, ajudas de custo quando fui internacional. Lembro-me apenas uma vez que o FC Bravos do Maquis ofereceu três pares de equipamento a cada árbitro".
Arbitragem sem rumo
O actual momento da classe mereceu avaliação positiva de Paulo Talaia, no que diz respeito ao início da gestão cessante. “Depois foi descambando aos poucos, até chegar ao fundo do poço. Só por este motivo se justifica as saídas de vários membros, que não pactuam com a forma de liderança do presidente, pessoa por quem tenho grande respeito e admiração, mas que perto do final do mandato também se perdeu na forma como passou a dirigir o Conselho de Árbitros”, criticou.
Directo na resposta, falou das desigualdades registadas na classe.
“Sempre existiram filhos e enteados. Eu nem enteado cheguei a ser. Fui vizinho. Aquele que teve sempre uma arma apontada à cabeça. Ao mínimo erro era logo suspenso. Outros colegas cometiam erros muito piores e continuavam a apitar, porque eram filhos deste ou daquele. Poderia até citar nomes. Por uma questão de ética não faço. Mas eles sabem de quem falo. Não é possível estar mais de 23 anos e nunca ter ganho um prémio, mesmo com alguns colegas a dizer que naquela época tinha sido o melhor! Um árbitro com um, dois anos de carreira já tinha sido considerado o melhor. Coisas da arbitragem”, lamentou.
Empurrado para fora
A contagem do tempo de actividade tem intrigado muitos árbitros. Talaia advoga que foi forçado a deixar de apitar. “Como aconteceu com o Pedro dos Santos, por desavenças com o presidente, e o António
Caxala, que foi convidado para o curso de instrutores, quando ainda tinha um ano para apitar. Aos 45 anos foi nomeado para um jogo de apuramento para o Mundial do Qatar. A FIFA não sabia que o Caxala já não fazia parte do quadro de árbitros. Saímos todos aos 44 anos, quando deveríamos apitar com 45, o limite definido pela FIFA”.
Questionado se mantém a convicção de que agiu correctamente quando validou o golo do Sporting de Cabinda, ou a consciência o condena por ter prejudicado o Petro de Luanda, respondeu:
“Tive, tenho e vou continuar a ter, para o resto da vida, a consciência tranquila. O senhor Malamba, na altura director para o Futebol do Petro, comigo na rádio, foi peremptório ao dizer que o único que estava a ser prejudicado era eu. Não entendia como um simples caso levava dois meses para ser analisado. Fui convidado pelo presidente Jorge Mário a estar na FAF, para esclarecimento. O meu espanto foi, antes de me ouvirem, estar o presidente Artur de Almeida na rádio, em defesa do Petro. Lembro-me que na altura o senhor Jorge também não gostou, mas não saiu em minha defesa em público. Tive de me defender, com a ajuda do senhor Vicente Garcia, que era o presidente da AAFA, a quem aproveito para agradecer. O Petro não foi prejudicado, até porque não estava a ganhar e nem perdeu. Saímos todos do campo sem qualquer insulto ou reclamação da equipa do Petro”.