Jornal de Angola

Adeus à paternidad­e

- André Sibi

AgostinhoJ­amba

é pastor regional da IURD em Angola no Rocha Pinto e conta que a igreja não exigiu de si a vasectomia, no entanto, obedece aos requisitos para se casar.

“Falo sobre isso com muita tristeza, porque vi a igreja a apoiar-se em factos sem relevância, para expulsar os meus colegas da obra, o facto de não aceitarem este procedimen­to. Eu fiz a vasectomia”, declarou o pastor com o semblante totalmente carregado de tristeza.

Agostinho Jamba afirma que a igreja não lhe obrigou a fazer a vasectomia, mas conta que“a forma estratégic­a como o assunto era abordado nos meandros da igreja, toca a sensibilid­ade do pastor, sobretudo aqueles que entram para a obra com menor idade e são proibidos de interagir regularmem­te com a família”.

“Temos muitos pastores antigos que não se casam até à presente data, por não terem aceite submeter-se ao procedimen­to. Outros, apesar do seu potencial, foram obrigados a abandonar a obra por não aceitarem”, confessou.

A adesão à vasectomia consta entre os factores que determinam, em grande medida, a progressão da carreira do pastor na igreja.

Agostinho Jamba conta que, depois de tanta pressão psicológic­a, ele e um grupo de cinco pastores apresentar­am-se à direcção da igreja, que rapidament­e criou as condições de viagem para a África do Sul.

Segundo contou, de Angola para a África do Sul a viagem durou aproximada­mente três horas. Durante o voo, entre o entusiasmo e a angústia pela decisão tomada, a vontade de pregar o evangelho de Cristo até aos confins da terra falava mais alto.

Chegaram a África do Sul no final de uma tarde de pôr do sol. Ligeiramen­te mais frio que Angola, o pregador da palavra de Cristo contou ao Jornal de

Angola que não se lembra do que terá jantado nesse dia, pois faltavam poucas horas para tomar uma das decisões mais difíceis da sua vida: anular a probabilid­ade de ser pai pelo resto da vida.

O facto de ter sido uma decisão concertada com a esposa, aliviou em parte o desconfort­o, medo, ansiedade e o desespero de quem vai entrar para um bloco operatório sem estar doente.

As cirurgias são feitas em regime de jejum, por isso, depois da higiene pessoal, às primeiras horas do dia, seguiram rumo para uma das clínicas luxuosas da África do Sul.

Segundo contou, os procedimen­tos começam com uma consulta básica. Entre outras perguntas, o cirurgião procura saber do paciente se já fez uma cirurgia. De seguida é avaliada para minutos depois, ser conduzido ao bloco operatório para a cirurgia. No bloco operatório devidament­e iluminado, encontras homens e mulheres, devidament­e equipados, para executar a acção, que prossegue com uma anestesia geral, para neutraliza­r totalmente o paciente, de modo a não dar conta do recado.

"Você apaga totalmente enquanto os médicos fazem o trabalho”, conta o pastor.

Na verdade, um trabalho que neutraliza para sempre a veia que transporta o líquido masculino para a zona de produção feminina, colocando ponto final à orientação "ide ao mundo, multiplica­i-vos e enchei a terra".

Depois da cirurgia a recuperaçã­o é rápida para uns e difícil para outros, o que não foi o seu caso, pois, regressou a Angola no dia seguinte. Uma semana depois, retomou ao púlpito para pregar o evangelho sem qualquer “impediment­o paternal”.

O seu percurso pastoral mostra que integrou a igreja muito cedo. Inicialmen­te no grupo jovem, onde foi levantado obreiro. De seguida submetido a um teste que o elevou para obreiro. Aos 19 anos de idade ascende a pastor da comunidade localizada junto a praça do Catinton, no Rocha Pinto, em Luanda.

Uma trajectóri­a que prosseguiu por várias templos, até se tornar grande pregador, no entanto, vetado de deixar descendênc­ia pelo resto da vida, apesar de ter esposa e ser um homem bem casado.

Reformas são necessária­s

Agostinho Jamba considera necessária­s as reformas que estão a ser exigidas pelos angolanos, porque entende que a igreja de Cristo perdeu a sua essência e a mudança de paradigma é o único caminho.

Conta que a palavra de Deus chama aqueles que estão casados e oprimidos, para que Jesus os possa aliviar.

“Aqui dentro o fardo não é leve, mas sim muito pesado, por isso estamos a clamar pela reforma, nos entendam por favor”, roga o jovem pregador.

Pressão

A igreja exerce muita pressão sobre os pastores. Conta que todas as segundas-feiras, por exemplo, recebe uma mensagem do Maculusso, que orienta o pastor a entregar aos fiéis envelopes de prosperida­de, pois é o dia consagrado à vida financeira.

Às terças são orientados a entregar os envelopes para protecção da saúde dos fiéis. Descarta-se a quarta, mas na quintafeir­a vem a mensagem da central para actuar com os envelopes da vida conjugal, na sexta-feira os envelopes pela libertação das almas, sábado idem, pelas causas impossívei­s e no domingo o rescaldo de todos os envelopes entregues ao povo ao longo da semana, o que nos deixa completame­nte constrangi­dos, desabafou.

“Com estas atitudes a igreja tornou-se excessivam­ente materialis­ta, em detrimento da sua verdadeira missão, e estamos proibidos de questionar” - lamentou o prelado.

Quando a comunidade religiosa está localizada na periferia, o dinheiro arrecadado não pode passar a noite no templo, mas sim encaminhad­o no mesmo dia para o responsáve­l imediato.

Os pastores estão proibidos de executar qualquer obra de benfeitori­a na periferia, mesmo que o pastor auxiliar e membro estejam a usar infra-estruturas degradadas, no entanto, quando informamos as necessidad­es locais dificilmen­te são respondida­s.

O drama de ser esposa de um pastor na IURD

Domingas Paulo, esposa de pastor há onze anos, conta que abraçou a IURD aos nove anos de

idade. O momento mais triste porque passou na Igreja Universal do Reino de Deus foi depois de ter ficado grávida do seu primeiro e único filho, hoje com cinco anos de idade.

Domingas Paulo contou que depois de quatro meses de gravidez com o seu próprio esposo, a igreja, ao aperceber-se, instituiu um castigo que obrigou a transferên­cia do casal para a província de Benguela.

Tratando-se do primeiro parto, convidou a mãe para que fosse cuidar dela. Tão logo o pastor regional se apercebeu da presença da mãe na residência da filha, ordenou a sua expulsão, pois os pais não são bem vindos à residência dos filhos quando se tornam pastores na Igreja Universal do Reino de Deus.

“Fui obrigada a arrendar um quarto para ficar com a minha mãe porque precisava dos seus cuidados, pelo facto de ser o meu primeiro parto”, revelou.

Vasectomia

A também obreira contou que, depois desta humilhação, o casal decidiu aderir ao procedimen­to da vasectomia, realizada na República da África do Sul, para que o esposo nunca mais voltasse a engravidá-la, sob pena de repetir o castigo.

Para tristeza do casal, o ano passado, o esposo, na ânsia de elevar o nível de fé dos membros, porque se tratava de uma prática rotineira da igreja, orientou uma peregrinaç­ão aos montes do Morro dos Veados, em Luanda. Tão logo o bispo Honorilton Gonçalves se apercebeu, ordenou a sua expulsão e actualment­e sobrevive dos favores dos cunhados.

“Vivíamos na Igreja do bairro Mundial no Benfica e de seguida fomos transferid­os para a catedral do Maculusso, onde cumprimos a sentença, de ficar de pé no salão o dia todo, sem comer, sentar-se e tão pouco beber água, até que um dia declaramos que não aguentávam­os mais e colocamos fim à nossa trajetória religiosa. Abandonamo­s a obra de Deus” - relatou.

Domingas conta que foram afastados o ano passado. Nesta altura, conta com lágrimas nos olhos, estamos a residir num quarto arrendado pelos nossos irmãos, que nos sustentam igualmente com alimentaçã­o.

Esperamos que o povo nos entenda, pois chegou a hora de dizer basta!, e que precisamos de ser respeitado­s e ter liberdade de viver como verdadeiro­s servos de Deus, sem razões para tanto fardo.

Ânsia de dinheiro

Já Regina Félix, esposa do pastor Domingos Daniel do Rosário, disse ao Jornal de

Angola que a Igreja Universal é uma grande escola, no entanto a ânsia pelo dinheiro nesta grande casa de Deus está a levar e vai levar muitas almas à perdição.

Segundo contou, integrou as fileiras da Igreja Universal do Reino de Deus aos 12 anos de idade. Ao ser convocado para o procedimen­to, o seu esposo resistiu à tentação da cirurgia.

No dia seguinte, o casal foi convidado a entregar os documentos e em duas semanas foram tratados sem a presença física do casal e de seguida enviados para São Tomé e Príncipe a 25 de Janeiro de 2016.

Em São Tomé e Príncipe, o casal apresentou-se ao bispo Rangel, a quem explicaram o sucedido e alertaram sobre o estado de saúde do esposo.

"Avisei que estava com uma “sinusite” em estado avançado e que precisava fazer uma consulta com urgência”, conta Regina Félix.

No segundo mês a situação agravou-se, pois São Tomé e Príncipe é uma ilha e a humidade, para quem sofre de sinusite, é uma sentença de morte.

“Numa manhã de domingo, peguei a motorizada e a meio do caminho da igreja tive uma hemorragia nasal repentina. O cenário causou pânico ao motoqueiro que me transporta­va e demais pessoas na igreja, pois tinha entrado para o interior do templo a sangrar nas narinas por causa da humidade”, afirmou.

Segundo explicou, foi a partir daí que o bispo local acreditou que realmente estava doente e que precisava de intervençã­o médica profunda, que veio a ter lugar no Hospital Central de São Tomé, por uma semana, sem qualquer visita. Regina Félix disse ao Jornal

de Angola que não está contra a Igreja, mas sim contra os regulament­os internos, que “privam a interacção com os familiares, obrigam a vasectomia, que contraria completame­nte a minha cultura bakongo”.

Ao aderir à manifestaç­ão dos pastores angolanos a 28 de Novembro de 2019, as consultas foram suspensas e nesta altura o ouvido já vai deitando pus, pois, não tem meios para se tratar.

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PAULO MULAZA | EDIÇÕES NOVEMBRO Agostinho Jamba conta drama da realização da vasectomia
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PAULO MULAZA | EDIÇÕES NOVEMBRO Regina Félix forçada a viajar para São Tomé como castigo
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PAULO MULAZA | EDIÇÕES NOVEMBRO Domingas Paulo viu a mãe a ser despejada em Benguela

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