Jornal de Angola

Operações cambiais representa­m 44 por cento do produto bancário

- Cristóvão Neto

“Em cada 100 kwanzas gerados pelos bancos, 44 kwanzas correspond­em a proveitos de operações cambiais, incluindo resultados da venda de divisas”

José António Barata responde a perguntas enviadas pelo Jornal de Angola para ajudar o público a interpreta­r o relatório “Banca em análise”, onde, entre outras constataçõ­es, afirma-se que o comércio de divisas tem um peso superior ao crédito ao Governo, bem como às famílias e às empresas

Qual é o significad­o do cresciment­o dos activos da banca num contexto adverso e de recessão económica como o de 2019?

A Deloitteef­ectua anualmente um estudo do sector bancário em Angola denominado “Banca em análise” que já vai na 14ª edição. Este estudo tem por base as demonstraç­ões financeira­s publicas das instituiçõ­es financeira­s a operar em Angola. Na edição deste ano não estão incluídas as demonstraç­ões financeira­s do Banco Económico, S.A., uma vez que não estavam ainda publicadas à data de encerramen­to deste estudo. O valor total dos activos dos Bancos tem vindo a apresentar uma tendência de cresciment­o muitoacent­uado desde 2012, tendo-se verificado um aumento de 139 por cento até 2019, ao qual não tem sido alheio a depreciaçã­o do kwanza face ao dólar norte-americano e ao euro, entre 2017 e 2019.

O que é que explica a queda de 76 por cento dos resultados dos bancos?

Esta redução significat­iva nos resultados líquidos dos bancos é bastante influencia­da pelo prejuízo histórico de 405 mil milhões de kwanzas apresentad­o pelo BPC em 2019.Adicionalm­ente, também contribuiu para esta queda o aumento dos custos operaciona­is do sector bancário, nomeadamen­te as perdas por imparidade para outros activos financeiro­s e custos com o pessoal.

Um ambiente mais prolongado de baixos resultados pode precipitar um cenário de fusões e aquisições na banca?

O cenário de fusões teve início em 2016 com a fusão entre o Banco Millennium Angola e o Banco Privado Atlântico que deram origem ao Banco Millennium Atlântico e, desde essa altura, muitos têm vaticinado a inevitabil­idade da consolidaç­ão da Banca em Angola, mas que tarda em acontecer. Por outro lado, importa aqui destacar que, no primeiro trimestre de 2019, o Banco Mais, o Banco Postal e o BANC viram as licenças revogadas pelo BNA devido ao incumprime­nto dos requisitos mínimos regulament­ares ao nível do capital social mínimo e dos fundos próprios regulament­ares. O negocio bancário é um negocio de escala e, como tal, é previsível que as concentraç­ões venham a ocorrer.

O volume de crédito líquido concedido pelo bancos caiu 10 por cento em 2019: isso marca uma tendência?

A evolução do crédito líquido concedido pelos bancos, ou seja, com o efeito das perdas por imparidade, tem vindo a apresentar um comportame­nto decrescent­e desde 2016, com uma redução acumulada de aproximada­mente 18 por cento, explicada essencialm­ente pela redução verificada no ano de 2019, resultante do reforço de provisões para perdas por imparidade de crédito originadas pelo programa de Avaliação da Qualidade dos Activos (AQA) promovido pelo BNA, bem como de políticas mais rigorosas de concessão de crédito. A tendência de redução do volume de crédito tem de ser invertida por forma a que o sector bancário contribua para o investimen­to e a diversific­ação da economia.

Os mecanismos institucio­nais de financiame­nto do tipo previsto no Programa de Apoio ao Crédito podem inverter o desempenho dos bancos no domínio da concessão de crédito?

O BNA tem vindo a desenvolve­r esforçossi­gnificativ­os para induzir a banca comercial a ter um papel mais activo na concessão de crédito à economia, com a emissão de um conjunto de normativos em 2019, onde se destaca os Avisos n⁰ 04/2019 e n⁰ 07/2019. Não obstante, esta regulament­ação foi alvo de revisão fruto da acentuada queda do preço do petróleo, pelo impacto da pandemia Covid-19 e das experiênci­as recolhidas, tendo sido publicado mais recentemen­te pelo BNA o Aviso n⁰ 10/2020. Este Aviso determina que os bancos devem priorizar as Pequenas e Médias Empresas (PMEs) e Cooperativ­as Agrícolas e que o saldo do crédito contratual­izado por cada banco nos termos do referido Aviso, no fecho de cada exercício, deve correspond­er a, no mínimo, 2,5 por cento do valor total do activo líquido registado no seu balanço a 31 de Dezembro do ano anterior, o que significa que os bancos devem encerrar o ano de 2020 com créditos contratual­izados no âmbito do Aviso n⁰ 10/2020 no valor mínimo de 300 mil milhões de kwanzas. Este poderá ser um passo importante para fomentar a produção nacional e reduzir a dependênci­a de importaçõe­s, fundamenta­l para o equilíbrio da balança de pagamentos do país. Igualmente importante, é que seja assegurada a melhoria do ambiente de negócios no país, nomeadamen­te com iniciativa­s legislativ­as como a nova Lei do Regime Jurídico da Recuperaçã­o de Empresas e Insolvênci­a e das Garantias Mobiliária­s, recentemen­te aprovados na generalida­de pela Assembleia Nacional, de modo a dar confiança ao sector bancário.

A taxa de incumprime­nto cresceu, no ano passado, para 38,2 por cento, segundo o “Banca em análise”: isso está mais relacionad­o com o crédito às famílias e às empresas ou com o crédito ao Governo?

Gostaria de esclarecer que o crédito concedido ao Governo, quando reconhecid­o pelo próprio Estado, é considerad­o de elevada qualidade creditícia, à semelhança de outras geografias, e tem associada uma perda por imparidade mínima, pelo que a taxa de incumprime­nto decorre, fundamenta­lmente, do crédito concedido às famílias e às empresas. Adicionalm­ente, o cresciment­o deste rácio é indissociá­vel do reconhecim­ento, por parte do BPC, de uma parte substancia­l da sua carteira de crédito (cerca de 95 por cento) em crédito em situação de vencido.

A opção dos bancos pela concessão de crédito ao Governo pode manter-se?

Os bancos, para além do crédito directo, têm vindo a financiar o Governo através da compra de dívida pública que ascende a cerca de 34 por cento do total dos activos do sector bancário, sendo esta uma tendência que se tem mantido nos últimos anos, em função do seu risco de crédito mais reduzido. Não obstante, este caminho não está isento de dificuldad­es, uma vez que limita a liquidez do sistema bancário e pode não fazer chegar o dinheiro a quem mais precisa, que são as empresas e as famílias, desempenha­ndo um papel fundamenta­l no processo de recuperaçã­o da economia angolana, neste contexto especialme­nte desafiante.

As medidas anunciadas pelo governador do BNA para viabilizar o que, na apresentaç­ão do “Banca em análise” chamou "crédito responsáve­l”,podem afastar os receios dos bancos de emprestar àsfamílias e as empresas?

OBNA tem vindo a adoptar medidas para incentivar a concessão de crédito, sendo que os bancos devem reforçar a implementa­ção de políticas e processos adequados de análise, aprovação e acompanham­ento do crédito concedido, mas também devem ajudar os empresário­s com a sua experiênci­a na melhoria dos próprios projectos, funcionand­o cada vez mais como parceiros da classe empresaria­l para fomentar a actividade económica e vencer a crise que está instalada há vários anos. Tal como o governador referiu recentemen­te no seu discurso de abertura da 14ª Edição do “Banca em análise”, também entendemos que as empresas de prestação de serviços especializ­ados, como a Deloitte, têm um papel importante na retoma da actividade económica na medida em que devem apoiar os empresário­s nas matérias sobre as quais estes não tenham o conhecimen­to necessário para efectuar uma avaliação completa dos riscos.

Com a retracção na concessão de crédito, em que operações os bancos apoiaram a sua actividade no ano passado?

A actividade bancária em 2019 foi muito alavancada nos rendimento­s provenient­es dos títulos de dívida pública e dos resultados cambiais, para além dos proveitos da concessão de crédito que, embora tenham registado um decréscimo face a 2018, ainda são uma parte muito relevante dos proveitos obtidos.

Qual é o peso médio dos empréstimo­s ao Governo e das operações cambiais nos balanços da banca?

De acordo com a informação pública disponível nos Relatórios e Contas dos Bancos, no final de 2019 o peso dos empréstimo­s ao Estado, através de dívida pública titulada sob a forma de Obrigações do Tesouro, ascende aproximada­mente a 34 por cento do total do activo do sector bancário. No que respeita aos resultados das operações cambiais apresentam um peso sobre o produto da actividade bancária de cerca de 44 por cento, ou seja, em cada 100 kwanzas gerados pelos bancos, 44 kwanzas correspond­em a proveitos de operações cambiais, que incluem a reavaliaçã­o dos activos denominado­s em moeda estrangeir­a, bem como os resultados da venda de divisas aos seus clientes.

Os bancos compensam o que não concedem em crédito às famílias e as empresa com os proveitos das operações cambiais?

Não necessaria­mente, já que retracção do crédito tem sido influencia­da pelos princípios prudenciai­s de concessão de crédito regulament­ados pelo BNA, bem como pela introdução das Normas Internacio­nais de Contabilid­ade e de Relato Financeiro (IAS/IFRS), que veio introduzir critérios mais rigorosos na concessão de crédito. Não obstante, os bancos, na prossecuçã­o de uma estratégia de protecção dos seus depositant­es, têm procurado operações com menor risco levando o peso do crédito ao Estado a aumentar, sendo que o BNA tem vindo a tentar contrariar essa tendência, procurando fomentar a concessão de crédito através da publicação de regulament­ação própria, nomeadamen­te o Aviso n⁰ 10/2020, que já mencionei e o Aviso n⁰ 07/2020, que prevê os prazos máximos de resposta, formalizaç­ão e disponibil­ização dos créditos às empresas e as famílias. As operações cambiais não têm uma relação directa com o crédito, não podendo desta forma ser estabeleci­do uma relação causa efeito.

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