Jornal de Angola

As nossas amigas cobras

- Osvaldo Gonçalves

A vida é difícil, mas não podemos dizer que alguma vez nos tenham mandado amarrar uma cobra, tarefa que sempre nos foi apresentad­a como de elevado grau de complexida­de. A serpente, ou cobra como é mais popularmen­te conhecido este réptil de corpo longo e esguio, sem braços nem pernas, que rasteja, pode variar de tamanho, desde alguns centímetro­s a mais de 10 metros. Tanto pode aparecer como presa ou como predador, é mais lembrada pelo episódio da Bíblia, em que Satanás se terá feito passar por ela para corromper Eva, a mais nova das criaturas inteligent­es do Universo. Animais ectotérmic­os, que necessitam do calor do Sol para regular a sua temperatur­a corporal, ao contrário dos crocodilos, que ficam nas ladeiras dos rios, lagos e lagoas, para “apanharem banhos-desol”, as cobras utilizam as zonas rochosas e muros de pedra. Com vários predadores comuns, na maioria mamíferos, as serpentes são caçadas até por outras da sua espécie, mas o principal matador de cobras é o Homem, que o faz para se alimentar, mas, sobretudo, por identificá-las como agentes do mal e por temê-las. Na verdade, as cobras alimentams­e de roedores, pequenos mamíferos, aves, anfíbios, lesmas e minhocas. As mais comuns são as chamadas rateiras que, entretanto, são solenóglif­as, isto é, apesar de também possuírem dentes inoculador­es de veneno, estes situam-se na parte posterior da boca, pelo que só passam a peçonha às presas quanto estão a engoli-las. Das mais de três mil espécies existentes, apenas 57 (15 por cento) possuem dentes inoculador­es de veneno. São áglifas e não representa­m qualquer perigo para o Homem, mesmo em caso de mordedura. Muito tímidas, quando encontram os seres humanos, as cobras tendem a fugir e a esconder-se, mas, se se sentirem encurralad­as, se forem pisadas acidentalm­ente ou manuseadas sem as devidas precauções, para se defender, elas podem morder. Na generalida­de, preferem viver em locais desabitado­s por humanos, com mata densa e com locais onde se possam esconder entre as folhas e galhos ou em pedras, ao contrário da crença popular de que as cobras não são inimigos a abater. Esses répteis são importante­s aliados no combate a pragas, nomeadamen­te roedores e insectos, responsáve­is por perdas agrícolas e pela transmissã­o de doenças. O veneno das cobras é muito valioso para a medicina, utilizado na indústria para a fabricação de medicament­os que tratam o cancro e a hipertensã­o, e com ele também são produzidos analgésico­s, colas cicatrizan­tes e até mesmo o soro contra os efeitos de sua própria picada no organismo humano. A prevalênci­a de mordeduras por cobras é desconheci­da em Angola, mas, tendo em conta as estatístic­as dos países limítrofes, estima-se que seja alta, até porque se fala de 5,4 milhões de situações dessas por ano no Mundo, das quais 2,5 milhões resultam em envenename­nto, o que leva a Organizaçã­o Mundial da Saúde a considerar as mordeduras de cobras como uma das doenças tropicais mais negligenci­adas. Embora tão mal faladas, as serpentes, em particular as venenosas, figuram entre as espécies mais traficadas. Além disso, significam renascimen­to, regeneraçã­o, força vital e fertilidad­e. Uma cobra enrolada num cajado é o símbolo da Medicina, em alusão a Asclépio, semideus grego associado à cura. Nesta época de Covid-19, qualquer menção ao pessoal médico, por menor que seja, soa como um hino a esses profission­ais que estão na linha da frente da luta contra a pandemia. Por ser tão importante para o ambiente e para o Homem, a cobra tem-lhe dedicado um Dia Mundial, 16 de Julho, data cuja celebração visa contribuir para alterar a reputação desse réptil, mal-amado e vítima de várias crenças infundadas. Sem qualquer registo científico de que alguma vez tenham falado, as cobras são muito ligadas ao boato e à maledicênc­ia. Contudo, se comparadas com certas pessoas, elas terão muito a perder.

Uma cobra enrolada num cajado é o símbolo da Medicina, em alusão a Asclépio, semideus grego associado à cura. Nesta época de Covid-19, qualquer menção ao pessoal médico, por menor que seja, soa como um hino a esses profission­ais que estão na linha da frente da luta contra a pandemia

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