Juíza sugere negociação nos crimes económicos
Em entrevista à TPA, a jurista e docente universitária falou sobre a formação de magistrados, combate à corrupção, processos-crime mediáticos, como o da transferência de 500 milhões de dólares do BNA, e a reforma da Justiça
A juíza conselheira jubilada do Tribunal Constitucional Luzia Sebastião defende que, às vezes, nos crimes de natureza económica, a negociação é melhor saída, ao invés de se partir para a sanção criminal.
Em entrevista concedida, terça-feira, à Televisão Pública de Angola (TPA), a também docente de Direito Penal da Universidade Agostinho Neto lembrou que o Estado sabe quem são as pessoas que estão com o dinheiro supostamente adquirido de forma ilegal, e o melhor seria partir para uma negociação com as mesmas, logo na fase da instrução processual.
Um exemplo de negociação apresentado por Luzia Sebastião é a garantia das pessoas supostamente envolvidas em crimes de natureza económica financiarem projectos de desenvolvimento que garantam mais empregos e irem devolvendo ao Estado o dinheiro que supostamente se apropriaram ilegalmente.
Instada a fazer uma avaliação sobre o processo de combate à corrupção, a magistrada concluiu que os tribunais têm estado a fazer o seu trabalho, sublinhando que os procedimentos judiciais são lentos. Luzia Sebastião afirmou, também, que não é tarefa dos tribunais combater a corrupção, pois a estes órgãos cabe apenas aplicar a lei.
Durante a entrevista, de cerca de duas horas, foi abordada a questão da formação dos magistrados, o combate à corrupção, processoscrime mediáticos, como o da transferência de 500 milhões de dólares do BNA, a reforma da Justiça e os casos “PRA-JA” e “27 de Maio”.
Caso 500 milhões
Para a docente universitária, do ponto de vista criminal, o processo relativo à transferência de 500 milhões de dólares do Banco Nacional de Angola (BNA) para um banco no exterior já teria sido resolvido porque o dinheiro em causa foi devolvido ao Estado. “Do ponto de vista de política criminal, o assunto está resolvido, mas do ponto de vista político, este é outro assunto”, disse Luzia Sebastião.
No caso, que aguarda sentença no Tribunal Supremo, são arguidos José Filomeno dos Santos (ex-presidente do Fundo Soberano de Angola), Valter Filipe (ex-governador do BNA), António Bule Manuel (ex-director do Departamento de Gestão de Reservas do BNA) e o empresário Jorge Gaudens Sebastião.
Relativamente à formação de magistrados, Luzia Sebastião defendeu mudanças nos actuais moldes de acesso ao Instituto Nacional de Estudos Judiciários (INEJ), instituição que forma magistrados (juízes e procuradores da República) no país. Além da eliminação do exame psicotécnico, a docente advogou que os candidatos aos INEJ sejam, obrigatoriamente, pessoas que já tenham exercido advocacia por, pelo menos,s cinco anos. Actualmente, uma das exigências é que os candidatos ao INEJ sejam licenciados em Direito. Para Luzia Inglês, os licenciados, sem terem exercido advocacia, não têm preparação suficiente para a formação da magistratura.
De resto, para a jurista a própria formação de magistrados é muito teórica e há uma repetição do que já se estudou na licenciatura. Para inverter o quadro, Luzia Sebastião defende que o INEJ, instituição na qual já foi directora-geral, precisa de ter formadores com o estatuto de residentes, para que tenham tempo de prepararem os materiais de apoio.
A docente defendeu, igualmente, aquilo a que chama “desluandização” do INEJ, pois considera ser muito difícil formar magistrados apenas em Luanda. Quando era directora-geral do INEJ, Luzia Sebastião tinha a ideia de criar escolas de formação de magistrados nas cinco regiões onde vão ser instalados tribunais da Relação.
No ano passado, a jurista pediu a demissão do cargo, um ano depois da sua nomeação, porque “não havia uma ideia clara sobre o que se pretendia”.