Casas de diamba
A diamba, liamba ou riamba, como é pronunciada em Angola, consoante a origem do falante, considerada, entre nós, apenas estupefaciente e, por isso, proibida, é utilizada lá fora na fabricação de alimentos, medicamentos, cosméticos e na construção civil.
Folhas, sementes e caule da diamba são, cada vez mais, aproveitadas na indústria de chocolates, cremes de beleza e medicamentos. Aliás, em Angola, o chá dela é usado, desde tempos imemoráveis, para minorar, por exemplo, os efeitos da asma. Jamais esquecerei o que presenciei, na década de 1960, numa das sessões semanais de julgamentos sumários, maioritariamente preenchidos com casos de pilha-galinhas, que decorriam na Polícia Judiciária, onde agora funciona a Procuradoria Militar.
No banco dos réus sentava-se um homem, talvez de 40 anos, franzino, de camisa branca e calças de caqui, ambas a darem sinais de terem servido de pijama e colchão no chão de um cela quente e húmida de qualquer cadeia de Luanda a abarrotar de autores de pequenos delitos, alguns deles nem isso. Rosto e olhos dele eram testemunhos de noite em claro, o constante arfar comprovava a doença que o fazia estar ali de mãos esqueléticas a torcerem-se.
E o réu, a custo, entre inspiração dolorosa e profunda seguida expiração de alívio momentâneo, tudo ao som de um gemido cavernoso que lhe saía do peito, explicou: os “senhores guardas” foram na minha casa e logo no encalço da caneca que estava a ferver, com as folhas do meu chá de diamba. Não acreditaram que era para tratar minha doença, me surraram só atoamente, me falaram palavras muito de porcaria. Agora, senhor doutor juiz, o senhor que é doutor juiz e mais velho, me fala então, como vou ficar, sem meu remédio, ainda por cima preso sem ser gatuno, nem que fiz mal em ninguém?
Juiz Coutinho arrastou os óculos da testa franzida para o lugar deles e falou, na sua voz firme: absolvo o réu. Pode ira para casa e as melhoras, tenha cuidado. As bocas abertas na sala eram quase todas. Eu, jovem repórter do quotidiano luandense, fui para o jornal de peito a bater a minha alegria contida. Limitei-me a narrar o sucedido no meio do texto cheio de casos de pilha-galinhas e outros nem isso. Sem grandes pormenores, mas com a sentença de absolvição, por falta de provas, de “um suspeito de tráfico e consumo de droga”. E a notícia saiu. É que na década de 60 do século passado, em pleno regime colonial fascista, a censura existia mesmo e as ousadias pagavam-se caro.
Esta lembrança de tempos antigos, com censuras de amputar verdades, medos muitos e alegrias sussurradas ou faladas nos olhos, veio a propósito do aproveitamento que a diamba, plantação que não requer grandes investimentos, basta-lhe água, podia ter em Angola. Na feitura de medicamentos, produtos de beleza, alguns deles anunciados em várias televisões estrangeiras, até de guloseimas, mas, também, na edificação de casas. Neste último caso, como me mostrou um programa recente de uma estação portuguesa, com pouco investimento: caule da planta, cimento e água. Ainda por cima, os materiais usados tornam as habitações permanentemente frescas e resistentes a incêndios.
Angola, por motivos por demais conhecidos, atravessa mais uma fase de dificuldades económicas que a Covid-19 agravou, destapando o oceano de fragilidades que registamos em todos os sectores. O aumento da produção nacional para contrabalançar as importações de tudo e mais alguma coisa é dos caminhos que já começamos a trilhar, a confiscação de bens construído com dinheiros públicos em posse de privados é outro, mas há mais trilhos que podem ser desbravados. Num país onde a falta de habitação é gritante, o regresso ao adobe e à madeira, que ganham, igualmente, adesão lá fora, são outras opções a termos em conta e juntar à do caule de diamba.
O aumento da produção nacional para contrabalançar as importações de tudo e mais alguma coisa é dos caminhos que já começamos a trilhar, a confiscação de bens construído com dinheiros públicos em posse de privados é outro, mas há mais trilhos que podem ser desbravados. Num país onde a falta de habitação é gritante, o regresso ao adobe e à madeira, que ganham, igualmente, adesão lá fora, são outras opções a termos em conta e juntar à do caule de diamba