Cultura de denúncia
O jurista e professor universitário, Edmundo Miguel, afirma que a consequência prática e directa do cometimento de um crime, seja para o estrangeiro como para o nacional é exactamente a mesma, e se traduz na instauração do competente processo-crime, para se apurar o nível de envolvência de um ou outro crime praticado, apesar de incidir sobre o estrangeiro outras consequências ligadas a sua permanência no território nacional.
No seguimento da sua análise sobre os crimes cometidos por estrangeiros e olhando para as leis que vigoram no país, o jurista levanta duas questões que considera fundamentais. A primeira está ligada a forma como muitos estrangeiros conseguem entrar para o nosso território, sendo que muitos não o fazem de forma legal, tendo em conta as várias fragilidades de controlo fronteiriço, enquanto a segunda está liga às políticas de Estado para entrada e saída de cidadãos estrangeiros no território nacional.
“Para dizer que, se as políticas forem bem definidas e cumpridas por quem as opera, facilmente se terá o domínio de todos que estão no território na condição de estrangeiros, e se saberá exactamente porquê que vieram e o que estão aqui a fazer. Desta forma se prevenirá o crime”, explica, para acrescentar que ainda assim, não considera que as leis em Angola sejam permissivas, embora levante alguma insuficiência no quadro legal.
Na sua opinião, o maior problema reside na falta de rigor na aplicação da lei, e “mesmo que se façam alterações às leis ou se criem outras mais rígidas, o paradigma pode ser outro, mas o problema persistirá, ou seja, o problema passará a ser o aplicador da norma”.
“Em muitos casos de roubos de viaturas, os processos crimes, por várias razões, não chegam ao seu fim”, disse. Sobre o seguimento do processo por parte da vítima, Edmundo Miguel refere que o furto de viaturas é um crime contra o património das pessoas, tipificado como um crime particular, sendo que, de acordo com a lei angolana, o seu impulso processual e a continuidade do processo depende da iniciativa do ofendido. Nestes termos, detalha, o Ministério público, por mais que quisesse dar continuidade ao processo, não o poderia, por ser parte ilegítima.
Adianta que o facto de, por exemplo, o meliante ter sido encontrado com a viatura supostamente roubada, constitui meio de prova para o processo despoletado, mas ainda assim não legitima o Ministério Público a dar seguimento ao processo “de per si”, nem a sua consideração como criminoso, porque só com um processo judicial transitado em julgado é que se pode considerar o sujeito em causa como criminoso (princípio da presunção da inocência).
Sem a conclusão do processo, sublinha, os meliantes acabam sendo soltos sob termo de residência e ficam livres de voltarem a praticar as mesmas acções. “Não porque a legislação é insuficiente quanto à sua regulação, mas sim por causa da realidade social e urbanística observada nos vários focos populacionais do país, com destaque para a periferia das províncias de Luanda, Benguela e Huambo. Esta situação dificulta e muito o trabalho das autoridades policiais, assim como a nossa actividade enquanto operadores do direito”, analisou.
No caso de a vítima exigir que o processo siga, o senão recai para o medo de represálias. O jurista Edmundo Miguel generaliza não ser apenas um problema de Angola, mas sim do mundo. Para ser ultrapassado, pontua, é preciso o Estado dotar-se de mecanismos de protecção de vítimas, testemunhas e arguidos que colaborem com a justiça em processo penal.
“Mas, claramente, estas medidas precisam de ser revistas e constantemente actualizadas, no intuito de proteger melhor a integridade física das pessoas protegidas, no sentido de se adoptar as melhores práticas internacionais em direito penal e processo penal”, reforça.
Se estes indivíduos podem ou não sofrer um processo de deportação compulsiva, clarifica que neste caso importa referir que a lei penal angolana, processual penal e a dogmática do direito penal no seu todo, orientam a conhecer a natureza do crime para se despoletar o processo. Para aquelas vítimas que temem levar o processo avante, tanto por razões de medo, trauma ou simplesmente desleixo, o jurista desaconselha esta atitude.
“O sucesso dos programas de combate à criminalidade é um dever (nos crimes contra particulares e semi-públicos), porque sem a iniciativa do ofendido não é possível a actuação do Ministério Público, não só do Executivo, como também de toda a sociedade civil, e quanto mais casos forem levados ao conhecimento das autoridades competentes, melhor será a actuação com vista a garantia dos seus fins”, sustenta.
“Se as políticas forem bem definidas e cumpridas por quem as opera, facilmente se terá o domínio de todos que estão no território na condição de estrangeiros, e se saberá exactamente porquê que vieram e o que estão aqui a fazer”