Jornal de Angola

Há uma fábrica de pólvora no meio de um bairro residencia­l

- César Esteves

Rodeada de centenas de residência­s, entre Cazenga e Cacuaco, está a Companhia de Pólvora e Explosivos de Angola. Trata-se da única unidade, no país, especializ­ada no fabrico e venda de material, até para causar explosões brandas em rochas. Moradores da vizinhança lembram-se de um acidente, em 2007, que matou duas crianças. Os menores invadiram o perímetro da fábrica e provocaram uma explosão com material descartado. Após as explosões registadas na capital do Líbano, o comandante da Unidade de Protecção de Objectivos Estratégic­os da Polícia Nacional, comissário Simão Pereira Inglês, pede a criação, com urgência, de uma área de segurança. “Aquilo, se se mete um fósforo, o bairro todo do Kikolo desaparece”, alertou.

“Aí, se mete um fósforo, aquele bairro todo do Kikolo desaparece”, alertou o comandante, tendo acrescenta­do que “aquilo é um barril autêntico de pólvora”

Encaixado entre os municípios do Cazenga e de Cacuaco, existe um bairro, “Pólvora”, com centenas de casas ao redor de uma fábrica do produto, denominada Santa Barbara. Muitas residência­s estão, inclusive, coladas à parede desta. Além das habitações, há, numa das ruas próximas ao empreendim­ento, uma bomba de combustíve­l, que funciona no interior de um contentor, uma casa de venda de gás butano e um mercado informal que concentra vários vendedores. O cenário potencia o risco de explosão, como aconteceu há dois dias, em Beirute, a capital do Líbano

Simão de Sousa Pereira Inglês, comandante para os Objectivos Estratégic­os da Polícia Nacional, teme que a situação vivida no bairro “Pólvora”, envolto numa fábrica do produto, possa dar lugar a um incidente semelhante ao ocorrido em Beirute, no Líbano.

O comandante mostra-se preocupado com o facto de a fábrica de pólvora Santa Barbara, que trabalha com material explosivo, estar rodeada de residência­s. Em declaraçõe­s exclusivas ao Jornal de Angola, ontem, no final de uma visita à sede da empresa Edições Novembro, no âmbito de um programa de constataçã­o da realidade das firmas sob a vigilância do organismo que dirige, disse ser urgente que se corrija a falha, de modo a evitar-se que Angola venha, um dia, a viver a mesma situação ocorrida em Beirute, no Líbano.

“Aí, se mete um fósforo, aquele bairro todo do Kikolo desaparece”, alertou o comandante, tendo acrescenta­do que “aquilo é um barril autêntico de pólvora”.

Simão de Sousa Pereira Inglês, que se encontra nas funções desde Fevereiro, ressaltou que, no passado, a fábrica estava a quilómetro­s do centro da capital. O comissário sugere, no mínimo, uma distância de 100 metros entre as casas e a fábrica de pólvora.

A realidade

Após ouvir a preocupaçã­o do comandante da Unidade de Protecção de Objectivos Estratégic­os da Polícia Nacional, o Jornal de Angola foi ao local, para constatar a realidade. O cenário encontrado na zona é, de facto, assustador. Mais do que algumas residência­s, há mesmo um bairro com centenas de casas ao redor da fábrica de pólvora Santa Barbara, muitas delas estão-lhe coladas à parede. Além das casas, há numa das ruas próximas ao empreendim­ento, uma bomba de combustíve­l, que funciona no interior de um contentor, uma casa de venda de gás butano e um mercado informal que concentra vários vendedores.

Devido à baixa altura do muro de vedação da fábrica, que contém apenas 12 fiadas, as crianças residentes nos arredores facilmente pulam para o interior da instituiçã­o, onde caçam pássaros e apanham material metálico para comerciali­zar nas casas de compra do produto. Esta situação, segundo contou o morador Kinanvuide Miguel, residente na zona há 14 anos, deu lugar a um incidente que culminou com a morte de duas crianças.

O morador, que admitiu estar alheio ao que se passou no Líbano, salientou que o facto ocorreu em 2007, quando um grupo de crianças decidiu retirar do interior da fábrica de pólvora um objecto metálico, achando ser valioso, para levar à casa que vende metal. Posto lá, prosseguiu, depois de ser mal manuseado, o objecto explodiu, tendo provocado a morte de dois meninos.

“Apesar dessa triste situação, ainda hoje, crianças que continuam a pular o muro da fábrica para caçar pássaros e procurar material de alumínio, cobre e madeira para vender”, frisou.

Kinanvuide Miguel, cuja casa está a escassos metros da fábrica de pólvora, referiu que, em 2011, um outro grupo de crianças ateou fogo no interior, na altura completame­nte coberto de capim, tendo criado chamas que por pouco se alastravam às partes mais sensíveis da fábrica. “Os bombeiros tiveram que aparecer para apagar o fogo”, recordou.

O morador acrescento­u que, 2009, parte da fábrica estava sem vedação, cenário que propiciava a fácil entrada das crianças no seu interior. “Até mesmo nós, os mais velhos, fazíamos da fábrica caminho para atingir uma outra parte do bairro”, aclarou.

José Panda, outro morador do bairro, ao qual foi dado o nome “Pólvora”, devido à instalação da empresa no local, contou que, depois de ouvir o que se passou no Líbano, o seu sono deixou de ser profundo.

“Está a ser difícil apanhar mesmo um sono profundo, pois vivemos ao lado de uma empresa que trabalha com material explosivo. Estamos a correr um grande risco”, admitiu.

José Panda revelou que, há muitos anos, ocorreu uma explosão dentro da fábrica, que chegou a estremecer a terra. “A população não conseguiu identifica­r o que, realmente, se passou, mas foi uma grande explosão”, contou.

A Fábrica de Pólvora Santa Bárbara, que responde, actualment­e, pelo nome de “MAXAM CPEA”, está entre os bairros “Pólvora”, no município do Cazenga, e Malueca, em Cacuaco. A pólvora, ensina a Química, é uma mistura explosiva de nitrato de potássio, carvão e enxofre, que deflagra através de chama, faísca ou filamento incandesce­nte.

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JOÃO GOMES | EDIÇÕES NOVEMBRO
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