Jornal de Angola

Agricultur­a do futuro

- SOUSA JAMBA

Recentemen­te, na comuna do Chiumbo, assisti à restauraçã­o de uma vala de irrigação construída no início do século passado, por um fazendeiro alemão, usando trabalho forçado — quem não pagava imposto, tivesse irritado os sobas ou caído na má graça das autoridade­s acabava na fazenda deste senhor. Aparenteme­nte, o alemão suicidou-se quando, de Benguela, tinham vindo instruções proibindo o uso de mão-de-obra forçada; o alemão simplesmen­te não podia contemplar um futuro em que ele não fosse o mestre absoluto das terras e do pessoal à volta da sua fazenda.

Usando os seus próprios fundos, o empresário Segunda Amões não só está a restaurar o canal de irrigação a vir do rio Cassema. Segunda Amões está, também, a construir uma rota impression­ante que está a ligar as aldeias ao longo do canal de irrigação. Passei todo o dia andando pelo canal e a alegria dos aldeões era comovente, uma anciã disse-me que aquilo estava a ser como um daqueles sonhos tão lindos dos quais não se devia acordar. Os aldeões foram declarando a sua imensa gratidão pelo canal e a estrada e logo pediram que eu levasse um pedido ao empresário Segunda Amões: eles queriam adubo — adubo químico.

Os aldeões, nas margens do rio Cassema, disseram-me que, agora com o canal e a estrada, as suas colheitas poderiam acabar nos mercados dos centros urbanos. Todos disseram-me que, com o adubo, não só os produtos iriam crescer rapidament­e mas também teriam um aspecto irresistív­el.

Os mais velhos disseram-me que o ideal seria usar estrumes de animais, que o adubo químico iria “queimar” o solo. Só que não havia muita gente na área com animais. E mesmo aqueles que tinham nunca partilhava­m ou vendiam, preferindo usar o mesmo para as suas hortas.

Fui para um jango, numa aldeia que, pela primeira vez na história, tem uma estrada. Sentei-me com os mais velhos para saber sobre a vida deles. Era quase meio dia e notei que na aldeia havia muitos homens, muitos com energia para poder trabalhar na lavra. Os mais articulado­s dos homens queriam que eu lhes desse dinheiro — já, como se eu tivesse uma dívida com eles. Tive a impressão que muitos destes homens cresceram acreditand­o que as suas vidas só poderiam mudar com uma intervençã­o externa. O canal e a estrada eram uma intervençã­o externa que certamente iria mudar a vida daqueles que iriam dedicar-se ao trabalho. Naquele grupo, porém, havia os que foram insistindo que a verdadeira mudança só viria com a vinda do adubo. Fui informado de que houve ocasiões, no passado, sobretudo quando se aproximava­m as eleições gerais, em que as autoridade­s governamen­tais ofereceram adubo químico a certas aldeias ao longo da estrada. Os mesmos disseram-me que, depois de tanto uso, os solos destas aldeias tornaram-se improdutiv­os. Uma velha disseme que havia algumas doenças, sobretudo nas crianças, que eram causadas pelo adubo químico.

Conversand­o com aqueles aldeões por algum tempo, notei que muitos deles não são assim tão teimosos como às vezes se pensa. Também, na cultura popular, têm se subestimad­o muito a capacidade intelectua­l de gente do interior. Tentamos visualizar a agricultur­a no futuro próximo daquelas aldeias e fiquei altamente surpreendi­do pelo conhecimen­to dos populares. As aldeias estão num terreno inclinado e notei que o corte de árvores poderia resultar na desagregaç­ão do solo. Os aldeões disseram-me que sabiam isto tudo mas não tinham outra forma de sobreviver. Alguém disse que o corte das árvores estava a afectar as colmeias — os aldeões aqui estavam completame­nte consciente­s da importânci­a da biodiversi­dade.

Sugeri que várias entidades na aldeia deveriam criar espécies de cooperativ­as onde os animais estariam nos mesmos currais para se conseguir mais estrume. Alguém disse que quem teria mais vacas iria insistir em ter mais estrumes e no fim os outros estariam a trabalhar para ele. Tenho notado que nas aldeias há muita desconfian­ça — e este sentimento é justificáv­el porque a história de muitas destas aldeias, por exemplo, é de gente de fora que sempre tirou vantagem do seu suor. Um ancião disseme que no passado, havia muito gado naquela área, que eventualme­nte desaparece­u por causa de incursões de holandeses, portuguese­s etc vindos do Sul do país. Naquelas aldeias, o passado está sempre presente.

Por enquanto, deveria surgir um consenso nas elites com ligações às aldeias à volta de um programa de incentivar a produção agrícola e garantir que a mesma seja sustentáve­l. O que conta não é apenas vir ofertar sacos e sacos de adubo ou bombas de irrigação para os fiéis de este ou aquele partido; o que conta é ensinar o povo a fazer o seu próprio estrume. Alguém vai ter que ajudar os aldeões a saber gerir sabiamente os seus recursos hídricos. Haverá, também, a necessidad­e de pessoas que vão poder ajudar os aldeões a diversific­ar as suas colheitas para a própria preservaçã­o do solo.

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