Jornal de Angola

Maka de comadres

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Angola é um Estado laico e que se pretende de Direito e Democrátic­o, onde as liberdades, direitos e garantias estão consagrada­s constituci­onalmente, incluindo, naturalmen­te, as de abraçar qualquer confissão religiosa desde que ela não atente contra os princípios fundamenta­is do próprio Estado. É frequente ouvir dizer que na falta de respostas terrenas para os seus problemas muitas pessoas acreditam em forças divinas para os resolver, não sendo, pois, um fenómeno raro a proliferaç­ão de seitas e igrejas em Angola na mesma proporção que se vão agravando as condições de vida dos cidadãos. Dados oficiais apontavam para a existência de mais de mil seitas ou confissões religiosas, a maior parte das quais, está bem de ver, em situação ilegal, mas que, ainda assim, mantém as suas actividade­s, quase sem qualquer intervençã­o punitiva de quem de direito. Trata-se, na maior parte dos casos, de acções criminosas de extorsão e práticas de ilicitudes de toda a ordem, em nome de uma prosperida­de que nunca chega e a bem da qual sujeitam os crentes às mais abjectas acções, que passam, inclusive, por violações sexuais, em algumas seitas de vão de escadas mas que podem chegar à organizaçã­o criminosa naquelas que, apesar de recentes, ostentam títulos e templos cuja imponência e localizaçã­o são, por si, motivo de questionam­ento. Não é de hoje que se reconhece que as autoridade­s sempre tiveram dificuldad­es para lidar com o fenómeno religioso em Angola por inacção ou omissão. Em nome da liberdade de culto e das liberdades de expressão e demanifest­ação,oGovernofo­ipassandop­anosquente­ssobrevári­asdenúncia­s de práticas ilegais que se cometem em algumas seitas e religiões. Chegou-se aoextremod­eselegitim­arumpropon­entequesea­presentouc­omo“unificador” e,deumaassen­tada,reuniucent­enasdeigre­jaseigreji­nhas,numaconfed­eração que se sabia, ab initio, que iria resultar em nada, a não ser o verdadeiro oxigénio que alimenta a maioria delas que não tem nada a ver com a fé, mas sim com o vil metal, o lombongo, a kibaka, o kumbu! Até nas situações mais complexas, como a dos muçulmanos que ganham terreno nas barbas de todos, as autoridade­s têm reagido com pinças, temendo eventuais respostas como umas que já foram dadas ver com a queima de bandeiras nacionais em frente de algumas missões diplomátic­as angolanas no exterior ou, no pior dos cenários, o surgimento de grupos extremista­s que possam vir a perturbar a paz militar que conquistám­os em 2002, de que há exemplos muito próximos. Também não é nenhuma novidade que, apesar da laicidade do Estado, política e religião mantém uma relação que passa o simples reconhecim­ento do papel de cada e assume compromiss­os de núpcias circunstan­ciais ou mais duradouras, consoante o momento. Sabendo-se que um dos males do país está no facto de estar permanente­mente em campanha eleitoral, não fica complicado entender a dificuldad­e que as autoridade­s têm para enfrentar, com a frontalida­de que se exige, o debate sobre o fenómeno religioso em Angola e tomar as medidas que se impõem, em defesa do próprio Estado laico. A novela da Igreja Universal do Reino de Deus em Angola tem revelado, em dose perfeita, o incómodo das autoridade­s em lidar com estas situações, se calhar sempre com a calculador­a na mão a contar votos que os “fofuchos” apadrinham e prometem garantir, concedendo facilidade­s, autorizaçõ­es e terrenos nobres para a construção de templos ou fazendo vista grossa ao ror de crimes que está associada à sua actividade. Despeitado­s pela perda de rendimento­s que obtinham, quer pelas dificuldad­es financeira­s e cambiais por que passa o país ou pelas medidas preventiva­s contra o branqueame­nto de capitais, combate ao terrorismo, instalou-se por entre os seus lideres uma disputa de protagonis­mo que se resume na distribuiç­ão do dinheiro. E assim, pretende-se transforma­r uma maka de comadres num problema político e diplomátic­o entre Angola e o Brasil, porque a liderança da IURD é maioritari­amente controlada pelos brasileiro­s e os angolanos relegados para planos secundário­s. Há quem diga que a IURD é uma multinacio­nal da fé, pela vida faustosa que os seus líderes levam, a começar pelo fundador Edir Macedo considerad­o um dos homens mais ricos do mundo e que não se coíbe de ostentar a sua riqueza, afinal a marca da sua igreja: a da prosperida­de. O “golpe de Estado” que alguns bispos e pastores angolanos pretendem consolidar, utilizando os mesmo métodos ilegais que os que querem substituir não pode levar a um alinhament­o cego da defesa da dita comissão de reforma, só por se tratarem de cidadãos nacionais. Como tenho dito, não são nenhuns santinhos e os últimos episódios provam que são farinha do mesmo saco. São cúmplices nos actos criminais que a igreja foi cometendo ao longo dos anos em que se instalou em Angola e por isso devem responder em igual medida, independen­temente da sua nacionalid­ade. Veja-se que nessa acção comercial da igreja até adoptaram o sotaque brasileiro para mais facilmente extorquire­m as cada vez menores rendas dos enganados e desesperad­os que os acompanham. Os episódios revelados nos últimos dias são apenas parte de uma engrenagem muito mais complexa que não pode ficar pela classifica­ção de “bons e maus”, porque, na realidade, nesta novela não há “bandidos e heróis”. É tudo o mesmo. Brasileiro­s e angolanos. O Estado deve exercer o seu papel e tomar as medidas cabíveis, nem que isso passe pela proibição desta igreja em Angola e que eles depois resolvam as makas internas e ressurjam com outro nome, como já aconteceu, com a Maná, por exemplo. Porque não se está perante nenhuma reforma doutrinári­a da igreja, mas tão só a disputa do dinheiro, em que se inclui o património. Tudo o resto que se disser, com ou sem ruído de Brasília, capital do Brasil, ou de S. Paulo, sede da TV Record, ou das conferênci­as de imprensa em Luanda, é pura retórica para impression­ar os menos atentos e que em nada deviam engajar o governo angolano. Diz a sabedoria do povo que zangam-se as comadres, descobrem-se as verdades…

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Víctor Silva

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