A hora do bom cidadão
Em tempos, um conhecido crítico musical angolano defendeu a necessidade do Estado definir que tipo de cidadão pretende, em termos de estratégia, para a construção de uma sociedade livre, justa, democrática, solidária, de paz, de igualdade e progresso social. Defendia o mesmo que através da educação, o concurso de outros sectores e um conjunto de outras ferramentas, podia-se definir metas relativamente à construção do bom cidadão, independentemente da falibilidade humana.
Vale recordar que, pouco depois da Independência Nacional, embora num contexto completamente diferente, pretendeu-se, na altura, construir o chamado “homem novo” que, volvidos mais de quatro décadas, seguramente, é parte da geração actual que começa a tomar as rédeas da definição do futuro do país, em várias instituições.
Hoje, num ambiente de paz, de estabilidade, com uma massa demográfica distinta das décadas anteriores e desafios económicos e sociais monumentais, confrontamo-nos com o renovado desafio da construção do bom cidadão.
Trata-se de um processo contínuo, mas, que em determinadas etapas precisam-se de estratégias claras, com algumas das ferramentas já mencionadas, no sentido do alcance de metas a que nos propusemos todos. Provavelmente não será uma questão geracional em si, mas seguramente o de mentalidade para que não sejamos “forçados” a pensar que o bom cidadão tenha de ser necessariamente jovem. Na verdade, as más práticas com as quais nos confrontamos hoje não envolvem apenas uma determinada geração, mas são transversais, razão pela qual somos obrigados a encarar a construção do bom cidadão como um desafio de todos.
Fruto da abertura que temos vindo a assistir, desde há algum tempo, a sociedade parece estar a ser escrutinada a todos os níveis, realidade que leva ao conhecimento público, numa velocidade nunca antes vista, de casos que envolvem corrupção, nepotismo, tráfico de influência e práticas relacionadas.
Às vezes, fruto de várias situações que nos envergonham a todos, chegamos a um ponto em que parece lícito questionar se tudo quanto esteja a acontecer será tudo quanto vimos ou se é essa a condição irremediável do homem e mulher angolanos.
É verdade que a natureza humana, ao longo de milénios, tem sido marcada por alguma irracionalidade no que a acumulação de bens diz respeito, sendo verídico o alerta do Livro Sagrado segundo o qual “o amante da prata não se fartará”.
Mas, independentemente do lado irrefutável da natureza humana descrita acima, não há dúvidas de que é possível, ao menos, minimizar parte desta herança falível dos seres humanos com recurso à educação, à família, às leis, à autoridade do Estado, ao papel das igrejas, à sensibilização e regras de conduta.
Está na hora do bom cidadão, cujo desempenho a todos os níveis deve ter como substrato a busca permanente do bem comum em oposição aos gestos de individualismo, ganância, ostentação e, não raras vezes, de passos conscientes ou inconscientes na direcção da autodestruição.
Está na hora do bom cidadão na família, na comunidade, nas instituições públicas e privadas, na estrada, no campo, na cidade, em todo o lado e toda a hora.