Jornal de Angola

As livrarias e os escritores

- Adriano Mixinge

O calor e as chuvas começaram a empurrar o Cacimbo quando, sábado último, fui fazer uma visita secreta a www.livrariaKi­ela.com, uma iniciativa privada do escritor Ondjaki, que, no fim de semana, numa espécie de mini-feira ambulante, ele instalou algures na cidade de Luanda.

Não é que não interesse a livraria Kiela ter um endereço fixo, mas, neste momento tê-la online é prático, funcional e faz-lhe contribuir para o desenvolvi­mento da economia digital, que sempre é, simultanea­mente, no nosso país e no mundo: é como se a livraria quisesse sair de lugar em lugar ou de buraco em buraco como as pedrinhas ou as sementes do jogo que lhe dá nome, mantendo a sua matriz no mundo virtual.

Depois de ter postado, no Facebook, imagens do sítio em que ela esteve no fim de semana passado, as pessoas manifestar­am interesse em ter um lugar fixo ao que ir e ficar um momento vendo, lendo e comprando livros.

Assim que, esperemos pelo dia em que o escritor nos comunicará a abertura oficial da www.livrariaKi­ela.com e nos mostre, também, o seu interessan­te modelo de negócio: o seu bom catálogo de livros, inclui a presença de literatura infanto-juvenil e a venda de jogos didácticos para este segmento do público.

Mas, para já saiba que, de segunda à sexta-feira, pode comprar os livros consultand­o a página da livraria online e, se vive no centro da cidade de Luanda, solicitar a entrega ao domicílio. É, pois, visitando essa iniciativa do escritor que pus-me a pensar em quais são as livrarias que eu conhecia e que têm uma relação com um escritor, em particular? Ou, vendo a questão de outro modo: é possível fazer um mapa da cidade através das suas livrarias?

Conversand­o ao telefone com Isaquiel Cori, Luís Kandjimbo e Kandindi e António Fonseca – ele que foi uma figura central em todo este processo - deu para perceber que já estivemos bem melhor. Houve um tempo, nos anos 80 do século passado, em que por via da Empresa Nacional de Distribuiç­ão de Publicaçõe­s (ENDIPU) , - em cuja fábrica houve um quiosque de livros -, ou da Empresa Distribuid­ora e Livreira (EDIL), pertencent­e ao partido MPLA, tivemos uma rede de livrarias em Luanda e nas províncias.

No centro desta operação para além do escritor António Fonseca, - que, em 1981, substitui Carlos Pimentel na ENDIPU - e na EDIL, Ernesto Escórcio: um olhar ao percurso deles associado ao livro, a política do livro e da leitura ajudaria a revisitar a história do lugar das livrarias, desde a época de partido único até ao passado recente.

As livrarias “Mensagem”, “Miruim”, “4 de Fevereiro”, a “11 de Novembro”, - no Hotel Globo-, que mais tarde passou a chamar-se “Ler e Escrever”, a “São Luís”, - na Sagrada Família -, a “Kitanda das Letras”, a “Bonzão”,- frente ao Hotel Alameda- a “Som e Letras” e a rede de livrarias da ENDIPU que estava em, pelo menos, sete províncias, nomeadamen­te, na Huíla, Huambo, Bengo, CuanzaSul, Malanje, Cuando Cubango e Bié faziam parte da rede de livrarias que existiu antes da entrada da economia de mercado e a instauraçã­o do multiparti­darismo, em Angola, entre finais dos anos 80 e princípios dos anos 90 do século passado.

Entretanto, sem ser rigoroso, - segurament­e existiram outros que não citaremos aqui-, vários outros escritores angolanos já estiveram ou estão associados a livrarias: é o caso de Luandino Vieira com a livraria e editora “Ler e Escrever”, que estava situada no Hotel Globo (1989); Luís Kandjimbo e Kandindi esteve associado à livraria da União dos Escritores Angolanos, em Benguela (nos anos 80/90) e Jacques Arlindo dos Santos está associado à livraria e editora Chá de Caxinde (dos anos 90 em diante).

Curioso foi o que me narrou Luís Kandjimbo sobre a existência de livros proibidos, - que basicament­e eram os que faziam referência à arte e cultura dos países capitalist­as-, no fundo de uma das livrarias que existia em Luanda, no período de partido único. Imagino o sufoco!

Nos próximos dias, o calor e as chuvas empurrarão ainda mais o Cacimbo até fazê-lo desaparece­r e eu, sempre que for possível, voltarei a www.livrariaKi­ela.com, mas também, no Nova Vida, o bairro em que moro a www.komutu.com: já pedi a dona da livraria para instalar um sofá, em que possa sentar-me calmamente e ler sobre a vida e sobre o mundo.

Curioso foi o que me narrou Luís Kandjimbo sobre a existência de livros proibidos, - que basicament­e eram os que faziam referência à arte e cultura dos países capitalist­as-, no fundo de uma das livrarias que existia em Luanda, no período de partido único. Imagino o sufoco!

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