Fazendo contas à nossa História
Recordaremos sempre, os que então tínhamos 15 anitos - mais coisa menos coisa - o impacto que em nós causou 1975. Aquela nossa juventude foi vivida, por uns com a euforia da pátria independente que nascia; por outros com o medo da guerra, da desinformação e do colapso de todo um sistema, que fez deslocar e fugir famílias inteiras; e, por outros ainda com a fatalidade da morte por terem tido de lutar pela pátria. Mas o país foi sendo feito desde então e vai nos convidando a fazer contas... à História!
Já os que nasceram no ano da Independência andavam pelos 15 (1990) quando o país celebrava a sua primeira paz, a de Nova York. Os sul-africanos compreenderam que o apartheid tinha sido derrotado, os cubanos regressavam ao seu Caribe, orgulhosos, e enfim, Nelson Mandela saía da prisão. E mais uma vez perdemos a oportunidade de seguir por uma via democrática, após termos acreditado que a reconciliação e o desenvolvimento seriam possíveis. Mas as escolhas políticas - acompanhando o ruir do muro de Berlim - acabariam por levar-nos à delapidação da riqueza pública e à corrupção desenfreada que temos hoje.
Situação que tanto gostaríamos de ver revertida em 2025, quando completarmos 50 anos...
O que só de nós depende, pois uma visita à nossa História colectiva - desfiando as contas do tempo -oferece-nos uma oportunidade de olharmos para nós mesmos, numa perspectiva que - quiçá - nos ajude a melhor descortinar o futuro...
2020. Neste pandémico ano, os que andam nos 50 nasceram quando já findava a época colonial. A Independência chegou-lhes quando só tinham 5 anos. Cresceram na utopia da construção do socialismo e só mais tarde perceberiam que o país já doía desde a sua nascença, amputado pela guerra, mas ainda com esperança: na Namíbia, no Zimbabwe e na África do Sul estava a continuação da nossa luta.
2005. Os cinquentões desses anos guardam a preciosa memória da paz definitiva alcançada em 2002. Tinham tido 15 anos em 1970 no “auge” do Estado Novo português e do reforço do investimento nas colónias que justificava o Portugal “unido e multiracial”. Jovens que, muitos, não puderam escapar ao serviço militar colonial, e poucos adivinhavam que capitães de um Abril metropolitano abririam desde 1974 um novo espaço político em que os 3 movimentos de libertação dominariam a nossa vida política protagonizando uma dolorosa guerra civil.
1990. Exibiam os seus cinquenta os nascidos em 1940: eram jovens quando o estatuto colonial de “Província de Angola” acabava de ser legislado (1951) e se descobria o primeiro petróleo na Bacia do Cuanza. Entretanto, um punhado de nacionalistas planeava um movimento popular de libertação que resultou no partido político de quem haveriam de depender os nossos destinos.
1975. Agostinho Neto tinha completado 53 anos, dois meses antes de declarar, diante da África e do mundo, a criação da República Popular de Angola, em onzena e novembrina noite, na praça onde ainda ecoava o ribombar da batalha de Kifangondo. Dos nascidos em 1925, quando se promulga o 1.º “estatuto” do indígena, são já poucos os que ainda vivem. Aos 15 anos, a sua geração (1940) foi testemunha do despontar do movimento cultural “Vamos Descobrir Angola”.
1960. Já não nos devem restar (dos nascidos em 1910) os que, aos cinquenta se envolveram, ou viveram, o assalto às cadeias, os ataques à catanada a colonos e aos que os serviam, e a feroz onda de repressão colonial que se seguiu. Desde a escravatura, não se tinha voltado a ver imagens tão chocantes e dolorosas.
1945. Nascidos no findar do século anterior, os que chegavam aos 50 já viviam com Salazar no poder em Lisboa desde 1932, e o terminar da 2.ª Guerra Mundial não podia deixar de os marcar. Tinham 15 anos (1910) quando Portugal passou de monarquia a república e se desencadearam as famosas “guerras de ocupação militar”.
1930. Os cinquentões nascidos em 1880viram aparecer as missões evangélicas que muito contribuíram para o desenvolvimento humano das populações rurais. Desde a sua juventude, assistiram aos esforços do regime colonial por reforçar e legislar a condição dos angolanos negros e mestiços, entre indígenas e “destribalizados” (assimilados)...
1915. Enquanto se desenrolava a 1.ª Guerra Mundial, a heróica resistência dos Cuanhamas marcava a memória dos quinquagenários dessa época, nascidos em 1865. Mas as duras derrotas infligidas aos colonizadores nas suas “Campanhas do Sul de Angola”, não puderam impedir a ocupação colonial de facto do último território por conquistar do mapa angolano.
1900. Comoterão, os que então tinham cinquenta anos (nascidos em 1850) celebrado a “passagem para o novo século XX”...?, quando a “Voz de Angola Clamando no Deserto” se fazia ouvir pela primeira vez! Era a segunda metade do Século XIX, chegava ao fim alonga escravatura que, desde os últimos anos do século XV, deportou - com a cumplicidade do cristianismo e da evangelização - do território que hoje compomos, mais de 5 milhões de escravos, filhos destas nossas terras.
1885. Enfim. Os que andavam nos 50 foram contemporâneos da partilha do continente africano - em conferência realizada em Berlim (1884-1885);e em tratado assinado em Simulambuco (1885) - desenhando as fronteiras que dariam à luz o nosso quase geométrico mapa (só completado 4 décadas mais tarde), formatando o espaço geográfico e a unidade administrativa que se passou a chamar Angola e que, antes... não existia.
Contas bem feitas -do vivido ao longo destes últimos 135 anos (sobre como a angolanidade se foi moldando) - talvez nos ajudem a ponderar e a reconciliar, para compreender que a situação que nos aflige hoje pode não ser assim tão duradoira. E que nos encoraje a assumir quanto antes, a responsabilidade de tudo fazer para dela sairmos.