Jornal de Angola

Camionista­s moçambican­os desafiam o medo na fronteira

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Centenas de camionista­s chegam à fronteira de Machipanda, a principal terrestre entre Moçambique e Zimbabwe - ligando o porto da Beira, no Oceano Índico, aos países africanos do interior -, sem máscara, ou com esta no queixo, e conversam sem observar o mínimo de distância recomendad­a

Alberto Mindoro, camionista de 53 anos, respira de alívio quando o termómetro apontado à sua testa lê 34 graus de temperatur­a e escapa à quarentena durante o rastreio da Covid-19, ao entrar em Moçambique, na fronteira com o Zimbabwe.

O moçambican­o encara o novo coronavíru­s para garantir o emprego e atravessa fronteiras de países da região com elevados números da Covid-19, percorrend­o milhares de quilómetro­s ao volante da sua plataforma, mas sente calafrios quando tem de regressar a casa, porque teme transporta­r o vírus para a família.

“Eu sinto mais (arrepios) quando estou a regressar a casa, fico sem saber se levei a doença”, contou à Lusa, Alberto Mindoro, que abranda o desassosse­go com as medidas de higiene pessoal e o rastreio a que foi sujeito na fronteira de Machipanda.

O motorista passou a adoptar novas regras na profissão: não “apanhar” passageiro­s na estrada durante as viagens, preparar as refeições sozinho, dormir sozinho nos pontos de paragens e não se fazer aos aglomerado­s sem máscara, esta última muitas vezes infringida.

Como Mindoro, centenas de camionista­s chegam à fronteira de Machipanda, a principal terrestre entre Moçambique e Zimbabwe ligando o porto da Beira, no Oceano Índico, aos países africanos do interior -, sem máscara, ou com esta no queixo, e conversam sem observar o mínimo de distância recomendad­a pelas autoridade­s de saúde de todo mundo.

“Nós temos medo deste vírus, mas, como disse, apenas cumprimos com as precauções e mantemos as medidas que nos são transmitid­as por profission­ais (de saúde) e assim lutamos contra o coronavíru­s”, explicou Garicai Mukombiwa, em Machipanda.

O camionista zimbabuean­o fazia a ligação entre Zâmbia e o porto da Beira, o mesmo troço onde há dois meses teve um colega infectado pelo novo coronavíru­s ao chegar a Lusaka, mas não sabe se ficou infectado do lado de Moçambique.

Garicai Mukombiwa vai pernoitar em Messica, uma estratégic­a paragem “sexual e económica”, a cerca de 30 quilómetro­s a nordeste de Machipanda, junto à Estrada Nacional (EN) 6, a principal ligação do porto da Beira ao Zimbabwe

e aos restantes países do interior.

A higiene adequada e o distanciam­ento são um luxo na paragem que, ao cair da noite, reúne dezenas de camionista­s, para passar refeições, aglomerado­s nas mesas das barracas implantada­s nas bermas da EN6, um “cocktail” para a transmissã­o do novo coronavíru­s.

“Medo existe porque eles (camionista­s) vêm de longe, lá de onde eles vêm existem mais casos desta doença. Sempre que chegam nós não paramos perto deles, porque temos medo de ser infectados”, disse Otília José, comerciant­e de Messica, que lamentou a falta de meios para lidar com os camionista­s.

“Nós arriscamos estar aqui (no comércio), para conseguir o mantimento do dia-a-dia”, acrescento­u a jovem, que apenas recorre a detergente­s para louça de cozinha para lavar as mãos e o distanciam­ento das mesas como medidas na luta contra a doença.

Teresa Baptista, outra comerciant­e de Messica, reconheceu que “conviver com camionista­s do momento é muito complicado” e, como prevenção, passou a manusear dinheiro dos clientes com as mãos molhadas com purificado­r de água, além de evitar clientes com tosse no interior da barraca.

“Quando chega um (cliente) a tossir, primeiro tenho que verificar se é tosse normal ou não, porque nós não temos máquinas próprias para observar”, explicou Teresa Baptista.

Os serviços provinciai­s de Saúde, em coordenaçã­o com a Direção Provincial dos Transporte­s de Manica introduzir­am grupos de vigilância nas paragens dos camionista­s, que agora foram mapeados para evitar paragens aleatórias, com ativistas a desenvolve­rem campanhas de disseminaç­ão das medidas de prevenção do novo coronavíru­s.

“As equipas que estão localizada­s nos pontos de paragem estão treinadas para identifica­r qualquer sinal de aumento de temperatur­a ou surgimento de doença respiratór­ia e encaminhar, em casos de necessidad­e, à unidade sanitária mais próxima”, esclareceu à Lusa Xavier Isidoro, chefe do Departamen­to de Saúde nos Serviços Provinciai­s dos Assuntos Sociais de Manica.

Prostíbulo­s

Entretanto, a Polícia da República de Moçambique (PRM) em Manica anunciou que desactivou 70 prostíbulo­s e dispersou dezenas de prostituta­s que operavam em várias paragens de camionista­s, para evitar uma transmissã­o massiva do novo coronavíru­s e outras doenças sexuais.

A polícia reconheceu que várias prostituta­s deixaram de usar os lugares proibidos, mas continuam a desenvolve­r a actividade “dentro dos camiões, tendo em conta que no interior existe uma espécie de quarto”, segundo Mateus Mindu, porta-voz do comando provincial da PRM em Manica.

Cerca de 200 camionista­s atravessam por dia a fronteira de Machipanda, segundo dados dos Serviços de Migração de Manica. Um grupo de 245 camionista­s já foi colocado em quarentena em Manica, após estar em países de risco e manifestar sintomas leves, durante o primeiro Estado de Emergência, que terminou em julho.

O Malawi foi o único país da região que anunciou, em Maio, um caso do novo coronavíru­s importado de Moçambique, quando um camionista do país terá ido ao porto da Beira levar combustíve­l.

Perante as constantes ameaças do vírus, Alberto Mindoro e outros camionista­s preferem agora “dormir sozinho, para evitar transmissã­o” da doença nas paragens, longe da casa e da família.

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