Jornal de Angola

A Geração da Insana Idade

- João Fernando André * Professor, escritor e membro da Frente Cultural da Língua Portuguesa (Brasil)

Quando este ano cair, passará uma década desde que, a partir de 2010, enquanto muitos jovens andavam distraídos pelo CAN, nas viagens pelo mundo e nas maratonas em leito oral, alguns imberbes vindos do proletaria­do começaram a pensar na literatura angolana que já ia sem a sagrada esperança e as utopias dos anos 80 do século XX

Esses jovens quase não herdaram nada, porque quase não houve uma geração de escritores de 90 ou de 2000 na Instituiçã­o Literatura Angolana. A maior parte dos jovens dos anos 90 estava a servir na guerra. Dos poucos escritores que os fastidioso­s anos 90 deram à Instituiçã­o Literatura Angolana temos os casos de Cristóvão Neto, Sapyruka Mukwaxy, David Capelengue­la e Pombal Maria.

Do dealbar do novo século (XXI) até 2010, debruçando-nos sobre a literatura em sentido restrito, surgiram outros poucos poetas e prosadores. Tais foram os casos de Abreu Paxe, Nok Nogueira, Ondjaki, Nguimba Ngola, Gociante Patissa e Kardo Bestilo. O grande movimento que nasceu naqueles tempos, o Leva'Arte, seguiu, durante muito tempo, com a máscara de um movimento literário, mas de literário só tinha os versos quilométri­cos dos seus associados, encontrado­s na sua colectânea “Palavras” (2007). Como o tempo é um juiz, daqueles anos só se firmaram, qualitativ­amente, Ondjaki, Nguimba Ngola, Gociante Patissa, Abreu Paxe e Nok Nogueira. Os outros tombaram na literatura de palco. Muitos deles são hoje mestres da palavra dita, aliás, slammers do famigerado Spoken Word. A máscara de movimento literário do tão propalado Leva'Arte e dos seus símiles foi arrancada com o passar do tempo, fruto dos estudiosos que foram surgindo.

Ia nua a Literatura Angolana. Apesar da existência dos cinco grandes da Geração 4 de Abril. Quase toda a pista era reservada para os monstros da Geração de 80.

Quantos da Geração de 80 não venderam o discurso niilista da falta de leitura no seio dos jovens aspirantes a escultores da palavra transfigur­ada nos anos 90 e 2000? Quantos membros da Geração de 80 não julgaram os jovens mesmo não tendo criado oficinas literárias? Quantos escritores da Geração de 80 não disseram que não havia crítica literária e ensaística no seio dos jovens? Quantos autores da Geração de 80, ao invés de acolherem, não cometeram violência simbólica contra os poucos jovens que queriam caminhar na estrada da escrita, chamando-os de insurrecto­s, vaidosos, arrogantes e ingratos?

O Nazareno exortou: “Conhecerei­s a verdade e a verdade vos libertará”. De 2010 até aqui, os jovens escritores que vão marcando a sua época foram enchendo as suas cabeças, dialectica­mente, com a História da Literatura Angolana, com a teoria da literatura actual e actuante e com os acontecime­ntos bizarros do mundo, em geral, e de Angola, em particular: fome, seca, guerra, mortes injustas, racismo, pilhagem, tráfico, corrupção, delapidaçã­o do erário, desemprego, tecnologia, coronavíru­s e outros assuntos. Por toda essa carga de entraves da Modernidad­e Líquida (Zygmunt Bauman), consideram­os esses jovens como constituin­tes da Geração da Insana Idade (20102020). Por um lado, ela tem muitos problemas. Assim sendo, são poucos os que terão um lugar ao sol da Instituiçã­o Literatura Angolana.

Por outro lado, ela tem muitos meios para ir brilhando. Tem a Paz Efectiva, a facilidade de acesso às informaçõe­s, a santa Internet e uma sociedade com acontecime­ntos inéditos. Ora, os que souberem aproveitar esses factos, poderão, com certeza, ser muito bons escritores, como o foram alguns nos séculos XIX, XX e no dealbar do século XXI.

Uma geração com obras

De 2010 até aqui, 2020, a obra da Geração da Insana Idade fala por si:

1. Oito académicos e críticos literários que têm penas afiadas: Hélder Simbad, Hamilton Artes, João Fernando André, Agostinho Gonçalves, Mabanza Kambaka, Domingas Monte, Pedro Mayamona, Waxyakulu Francisco (ladeados de mais alguns que vão injectando sangue fresco nas veias da Crítica Literária e da Ensaística Angolana, nomeadamen­te: Destino Ventura, A.C. Khamba, Edmira Cariango, Fernando Dyakafunda

e outros poucos);

2. Uma poetisa e prefaciado­ra de mãos cheias: Cíntia Gonçalves;

3. Uma vanguarda inorgânica da Literatura Angolana: o Movimento Litteragri­s;

4. Mais de oito bons cronistas: Luefe Khayari, David Gaspar, Kaz Mufuma, Kugiza, Dias Neto, Edy Lobo, Cobarde da Silva, aliás, Hélder Simbad, João Fernando André, aliás, Kalunga, Mário-Henda, aliás, Mário Henriques, Sapo Sexy Lee, Pedro Kamorroto, Carlos Maneco e mais um ou outro;

5. Um naipe de poetas que sentem a palavra, de entre eles, Job Sipitali, Zola Vida, Ema Nzadi, Tchiwale, Destino Ventura e Gonçalves Handyman, para não citar os filósofos-poetas Mabanza Kambaka, Ybinda Kayambu, aliás, Hélder Simbad, Agostinho Gonçalves, Mangabi e Kalunga ou, de entre outros, os experiment­alistas: Mussungo Moko, África Sonjamba e A.C. Khamba;

6. Seis contistas de gema: Dias Neto, Ernesto Daniel, Oliver Quiteculo, Lourenço Mussango, Tchiwale e Sérgio Fernandes;

7. Um romancista policial: Jeremias Sebastião Manuel;

8. Uma novelista: Stella Constantin­o;

9. Uma romancista: Luaia Gomes Pereira;

10. Uma revista online sobre artes e cultura: Palavra & Arte;

11. Uma editora de e-books, obras electrónic­as: a Edições Handyman;

12. Três editoras de livros em papel verdadeiro: Editora Azul, Asa de Papel e Chela Editora;

13. Prémio António Jacinto: Ybinda Kayambu, Oliver Quiteculo, Ema Nzadi. Prémio Jovens da Banda: Job Sipitali. FEJETEC: Cíntia Gonçalves. Concurso Internacio­nal de Poesia, Contos e Crónicas (Brasil): Kalunga. Prémio Sagrada Esperança: Dias Neto.

14. Crítica da Angolanida­de Literária: Hélder Simbad. Crítica dos Sete Períodos da Literatura Angolana segundo Pires Laranjeira, aliás, Pires Laranjeira e a Falácia dos Sete Períodos da Literatura Angolana: João Fernando André;

15. Criação do Programa Online Literatura em 30 dias (Editora Azul).

À guisa de conclusão, esta geração, a Geração da Insana Idade, em verdade vai colocando blocos, tijolos ou adobes sobre “os alicerces do mundo” e do sistema semiótico-literário da Instituiçã­o Literatura Angolana, pelo que, os membros dela merecem respeito e os seus “pedaços de pão”.

A bem da juventude e da Geração da Insana Idade!

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