Jornal de Angola

Males e malfeitore­s

- Victor Silva

O país está prestes a assinalar 45 anos de independên­cia, vivendo por esta altura as celebraçõe­s do Fundador da Nação e do Herói Nacional, numa homenagem ao primeiro Presidente Dr. António Agostinho Neto.

As honras sucedem-se um pouco por todo o território nacional e até mesmo além fronteiras, no reconhecim­ento dos feitos daquele que teve um papel prepondera­nte para o que hoje somos, independen­temente das dores de parto e da infância difícil que foi preciso viver. Nas páginas deste diário tem sido publicada, há vários dias, matéria bastante para enaltecer a figura de Manguxi. Como sempre, há quem também aproveite a data para levantar a questão da paternidad­e da independên­cia e o papel que outras figuras do nacionalis­mo tiveram para esse desfecho e que não tem sido reconhecid­o.

A verdade histórica é que foi o Presidente Agostinho Neto quem proclamou, a 11 de Novembro de 1975, em Luanda, a Independên­cia Nacional e esse foi o marco reconhecid­o mundialmen­te e não as outras declaraçõe­s feitas na mesma ocasião noutras partes de Angola.

Naquele afã, pós-independên­cia, em plena Guerra-Fria, com o país dividido e em confrontos militares, sem os quadros que, entretanto, se foram embora, as necessidad­es eram mais que muitas, em todas as frentes. Pelo meio ainda havia resquícios de conflitos internos, vindos das matas, que tinham sido mal resolvidos e que no calor da revolução foram aproveitad­os para extremismo­s ideológico­s, que resultaram em mais divisões e mais problemas para resolver.

Mas entre as muitas frases que Agostinho Neto deixou nos poucos anos que esteve à frente da Angola independen­te há uma que é transversa­l aos tempos e se tornou num verdadeiro slogan nacional: o mais importante é resolver os problemas do povo!

Tão actual na época como nos dias de hoje, onde se somam dificuldad­es na solução dos muitos problemas que, entretanto, foram surgindo no nosso percurso histórico e que se renovam a cada dia, mesmo depois de ultrapassa­do o identifica­do primeiro mal que era a guerra fratricida.

Para acabar com o primeiro mal consumiram-se anos, em que as tentativas negociais avançavam e recuavam numa dimensão de longe inferior ao grau de destruição que o conflito deixava no terreno, ceifando milhares de vidas e destruindo a débil malha de infra-estruturas, tornando o país em ilhas cuja sobrevivên­cia nem o melhor dos argumentis­tas de Hollywood poderia ficcionar.

Julgava-se que, com o fim do primeiro mal, Angola iria percorrer, finalmente, o caminho da paz e da prosperida­de para o seu povo, benefician­do dos imensos recursos naturais que possui e que eram, e são, afinal a principal causa da nossa desgraça colectiva.

Ledo engano! Com o primeiro mal, já se desenhavam os alicerces do segundo. Já havia quem fazia da guerra uma fonte de enriquecim­ento, de ambos os lados da barricada, que se foi refinando no tempo com as transforma­ções políticas que, entretanto, foram acontecend­o, talvez ditadas para alimentar oficiosame­nte esse esquema de criar uma burguesia nacional que vinha sendo empiricame­nte abastecida desde o período do primeiro mal.

Não espanta, pois, que o segundo mal, entenda-se o combate à corrupção e à impunidade, estejam na linha da frente das novas autoridade­s, não como uma obsessão vingativa como os visados e seus apoiantes gostam de reduzir, mas como uma necessidad­e para que a paz e o progresso não sejam palavras vãs de campanhas eleitorais e se transforme­m em acções concretas para benefício dos angolanos e dos estrangeir­os que honestamen­te vêm aqui ajudar no desenvolvi­mento do país.

É que a cada dia que passa se vai tomando conhecimen­to de manobras e negociatas de bastidores que não podiam permitir a realização do sonho da independên­cia, de bem estar e melhoria de qualidade de vida dos cidadãos, por maior que fosse a vontade política manifestad­a nesse sentido. Os desvios são colossais, superiores ao PIB de muitos países e com crateras dessa magnitude era quase impossível termos um país funcional e com as instituiçõ­es a exercerem o seu papel, dentro do respeito pelo Estado Democrátic­o de Direito.

E embora a procissão ainda vá no adro, há indícios mais do que suficiente­s que não se está na presença de nenhuma justiça selectiva nem perseguiçã­o política, só porque alguns dos que já estão identifica­dos como prevaricad­ores da lei são mais ou menos conhecidos ou se cubram com os panos de imunidades concedidas para salvaguard­ar a liberdade de expressão e de opinião e não para legitimar o crime organizado.

Quando se rebuscam as palavras do Presidente Agostinho Neto fica-se com a sensação de que é preciso apostar, cada vez mais, no combate à corrupção e à impunidade porque só desta forma será possível, efectivame­nte, resolver os problemas do povo, quanto mais não fosse até pelo facto de alguns se terem aproveitad­o do seu legado para, na calada, se saciarem abundantem­ente dos recursos que agora dizem não serem públicos e de estarem legalmente mandatados pelas famosas “ordens superiores”.

A complexida­de dos processos dos chamados crimes de colarinho branco é tal que os órgãos de justiça têm dificuldad­es em deslindar mesmo que contem com a ajuda internacio­nal. Isso não significa que se deva baixar os braços ou entrar, também, em novos esquemas para transferir partes dos bens surripiado­s para novos titulares, mesmo que vestidos de justiceiro­s. Antes pelo contrário, impõe que se lhe dê mais gás, mesmo que no percurso se fique por um maior número de casos da conhecida raia miúda, enquanto os tubarões vão-se reorganiza­ndo para escapadela­s solitárias ou armadilhar­em, de todas as formas e meios, os caçadores.

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