Jornal de Angola

A doença que nunca deve ser esquecida

- Osvaldo Gonçalves

A maior parte das pessoas, sobretudo os jovens, menospreza ou até brinca com doenças provocadas pelo desgaste do cérebro. A saúde é vista apenas do lado muscular: bons braços, boas pernas, glúteos firmes e, de preferênci­a, avantajado­s. Mas, quando as reclamaçõe­s começam a ser feitas pela coluna vertebral, quando já se tem dificuldad­es para baixar e levantar, arranja-se toda uma série de argumentos para o facto. E se afectam o cérebro, ainda que seja uma ténue perda de memória, põe-se à frente só e apenas excessos no consumo de álcool ou de drogas, quando, na verdade, esses elementos aparecem como contribuin­tes graves para todo o tipo de doenças, incluindo as demências, com o Alzheimer.

Embora o envelhecim­ento seja o maior factor de risco para o surgimento da doença de Alzheimer, sendo que ela é diagnostic­ada a partir dos 65 anos de idade, esta doença, que se caracteriz­a pela morte de células cerebrais, pode manifestar-se em pessoas mais novas e até em indivíduos considerad­os jovens.

Os especialis­tas alertam que a perda da memória – entendida apenas como recordação de factos, sobretudo os mais imediatos – há que mencionar que outras faculdades físicas, e não apenas as mentais, entram em declínio. Os pacientes de Alzheimer em estado muito avançados, chegam a perder toda a autonomia. Esquecem-se até de se alimentar e de fazer as necessidad­es fisiológic­as, pelo que se tornam alvos de chacota.

A perda de memória preocupa muita gente e a frase muito usada pelos amantes na hora da largada – “vê se me esqueces!” – devia ser cada vez mais lembrada, até para as comunidade­s, os países e as sociedades prognostic­arem o seu futuro, pois não basta dizer que não há amanhã sem ontem, ainda que o ontem, de tão doloroso, se transforme amiúde num hoje e nos atrapalhe na hora de decidirmos o caminho a seguir.

Em países como Angola, em sociedades como as nossas, em que as lembranças se apresentam como elemento crucial para a reconstruç­ão da História, a perda da memória equivale ao suicídio. E vale aqui lembrar que os dados sobre o tal de Alzheimer no Mundo são os mesmos sinais de que nos defrontamo­s com uma perda colectiva em relação ao problema.

Fiquemo-nos, pois, pelo que diz a Organizaçã­o Mundial da Saúde. Segunda OMS, mais de 35,6 milhões de pessoas no Mundo vivem com Alzheimer e, em função do envelhecim­ento da população global, em 2030, serão 65,7 e em 2050, 115,4 milhões, dois terços dos quais em países em desenvolvi­mento.

Em geral, os episódios de perda de memória são associados ao consumo de bebidas alcoólicas, razão pela qual são objectos de anedotas. Até chegam a serem criadas piadas de muito mau gosto sobre o problema, como aquela em que alguém diz que fulano ou sicrana bebeu tanto que já nem se recordava de alguma vez se ter esquecido dele (a). “Esqueci-me de não me lembrar” – é jargão usado, para o qual o melhor medicament­o de que já ouvimos falar se resume a uma palavra: Amor.

Hoje, 21 de Setembro, Dia Mundial do Alzheimer, o que se pede é que a tal “doença do esquecimen­to”, essa doença neurodegen­erativa progressiv­a, que se manifesta através da deterioraç­ão cognitiva e da memória de curto prazo e uma variedade de sintomas neuropsiqu­iátricos e de alterações comportame­ntais, que se agravam ao longo do tempo, mas sempre lembrada pelos parentes e amigos, faça parte de cada um de nós. Sem Alzheimer, lembremo-nos, ao menos, que somos africanos e que em África os velhos são as verdadeira­s biblioteca­s.

Para fechar o texto, porque o editor se farta de lembrar da hora de fecho da edição: a doença de Alzheimer foi descrita pela primeira vez em 1906, pelo psiquiatra e patologist­a alemão Alois Alzheimer. Quando, há cerca de dois anos, fui internado com um Acidente Vascular Cerebral (AVC), um dos médicos fezme vários testes para ver se não era algum sinal da doença.

Obrigado, doutor. Mas, como vê, ainda me lembro de si e peço que, em vez de ser considerad­a apenas como a doença das pessoas que se esquecem, os pacientes de Alzheimer sejam sempre recordados.

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DR Alzheimer manifesta-se através da deterioraç­ão da memória

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