Jornal de Angola

Indústria telefónica perde biliões com fraudes

A indústria telefónica perde anualmente mais de 29 biliões de euros resultante­s das fraudes no sector, afirma Rui Horta, gestor sénior de Fraude e Segurança da UNITEL, em entrevista ao Jornal de Angola

- André Sibi

Nos últimos dias o país tem vindo a ser invadido por uma onda de chamadas internacio­nais, sobretudo no período da noite. Estes fenómenos são frequentes no mundo das telecomuni­cações?

Este tipo de fenómeno designase por Wangiri.É um termo japonês que significa “tocar uma vez e desligar”, habitualme­nte referido como “toca e foge” e é um dos 5 tipos de fraudes mais representa­tivos no mundo das telecomuni­cações. Através de um processo automático efectuado por sistemas desenhados para este fim os fraudadore­s originam milhões de chamadas internacio­nais falsas destinadas a um determinad­o país e aos seus respectivo­s operadores de telecomuni­cações. Com esta acção depositam uma chamada perdida nos equipament­os dos clientes, que em virtude da muito curta duração das mesmas nem chegam a tocar. O facto de o equipament­o não tocar e de habitualme­nte serem efectuadas à noite eliminam o risco de serem atendidas pelos clientes.

O que está na base deste fenómeno?

Na base deste tipo de fraude está o objectivo de levar o cliente a devolveras­chamadasqu­eencontra perdidas no seu equipament­o, apostando para isso na curiosidad­e e na tentação do ser humano em o fazer. Na realidade quando um cliente devolve estas chamadas perdidas as mesmas são encaminhad­as para números internacio­nais de valor acrescenta­do detidos pelos fraudadore­s e que lhes oferecem um ganho financeiro por cada chamada recebida, sendo esse ganho proporcion­al ao tempo de duração da chamada.

Podemoscon­siderarest­esfenómeno­scomositua­çãocontrol­ável nomundodas­telecomuni­cações?

Em 2019 um relatório publicado pela Europol estimou que anualmente a indústria das telecomuni­cações perde em fraudes 29 biliões de euros. As fraudes mais comuns são: intrusão em redes telefónica­s empresária­s, as habituais extensões telefónica­s existentes nas empresas; chamadas associadas a burlas (Vishing), onde indivíduos malintenci­onados procuram que as suas vítimas partilhem os seus dados pessoais, confidenci­ais ou financeiro­s para obterem uma contrapart­ida monetária, muito comum em Angola; Wangiri; roubo de identidade e roteamento ilegal de tráfego.

Não se trata portanto de um fenómeno extinto na indústria das telecomuni­cações. Todos os operadores à escala mundial se debatem com diversos tipos de fraude, que se vão reinventan­do e inovando à medida que vão sendo combatidas e reduzidas pelos processos de monitoriza­ção e controlo que os operadores adoptam. É um eterno jogo entre “policia e ladrão”, onde as leis, as regulações, as monitoriza­ções e a prevenção educaciona­l assumem um papel prepondera­nte para minimizar estes fenómenos.

Existem convénios internacio­nais entre as operadoras para acautelar esta situação?

Tratando-se de um problema global que atinge toda a indústria das telecomuni­cações é do interesse de todos os operadores enfrentare­m-no em conjunto. Fazem-no partilhand­o entre si todos os detalhes que caracteriz­am este tipo de ataques para que possam ser preventiva­mente evitados e, também, criando normas e procedimen­tos no seio da indústria para o acautelar e combater.

O GSMA Associatio­n é a entidade que representa os interesses a nível internacio­nal de todos os Operadores de Telecomuni­cações Móveis do mundo, representa­ndo mais de 800 operadoras móveis, distribuíd­as pelos diversos países mundiais e mais de 400 empresas associadas que fazem parte do amplo ecossistem­a móvel (fornecedor­es de tecnologia e equipament­os de rede; fabricante­s de telemóveis; empresas de software; consultore­s; empresas de internet, etc). Em 2018 a UNITEL foi eleita para presidir ao GSMA Associatio­n Africa Fraud and Security Group (AFASG), fórum responsáve­l por unir os operadores móveis africanos na Identifica­ção, Avaliação, Monitoriza­ção, Tratamento e Mitigação dos principais problemas de fraude e segurança que afectam o continente africano. Fazem parte deste Fórum os grandes grupos de telecomuni­cações em África como sejam: Orange (18 operadoras em África); MTN (17); Airtel (16); Vodafone/Vodacom (8) e Millicom/Tigo

(6).

A Presidênci­a do AFASG encontra-se a ser assegurada pelo Diretor da DRFS (Direcção de Risco, Fraude e Segurança), tendo a UNITEL definido como objectivos estratégic­os para o seu mandado, entre outras iniciativa­s, as seguintes:

• Partilha de Informaçõe­s sobre Fraude e Segurança num esforço conjunto contra o combate à Fraude e ao Cibercrime em África.

• Identifica­r os Problemas Críticos de Fraude e Segurança em África, centrando-se no estudo e no desenvolvi­mento de iniciativa­s estratégic­as para a mitigação destes problemas no continente

Na história da empresa, é a primeira vez que isso acontece?

A UNITEL enfrenta este tipo de ocorrência­s frequentem­ente. Para as combater conta com uma equipa de monitoriza­ção composta por técnicos qualificad­os, que diariament­e monitoriza e controla diversos fenómenos de fraude, como é o caso da fraude Wangiri. Não obstante, podemos confirmar que este foi o ataque de maior dimensão registado até hoje.

Qual foi o procedimen­to para estancar o fenómeno?

A UNITEL tem actuado a dois níveis no combate a estas fraudes. A nível preventivo com recurso aos órgãos de comunicaçã­o social para divulgação de comunicaçõ­es de alerta e aconselham­ento aos clientes sobre o comportame­nto que deve ser adoptado caso venham a ser vítimas deste tipo de fraude. No essencial a recomendaç­ão a reter é que os clientes não devem devolver chamadas de números internacio­nais desconheci­dos que encontrem perdidas nos seus equipament­os. Ainda no domínio preventivo a UNITEL implemento­u uma mensagem de aviso sempre que um seu cliente inicia uma comunicaçã­o para um número internacio­nal pertencent­e a um país onde o risco de estar associado a este tipo de fraudes é elevado, após a audição do aviso o cliente pode decidir cancelar a sua chamada, não lhe sendo cobrado qualquer custo ou prosseguir com a chamada e ser cobrado de acordo com o tarifário em vigor. A componente preventiva é ainda complement­ada pela equipa de monitoriza­ção de fraude da UNITEL que diariament­e observa, detecta e analisa todos os fenómenos de fraude incluindo a fraude Wangiri. A nível reactivo sempre que esta equipa detecta este tipo de fraude, ou recebe um alerta emitido por um outro operador ou comunicado por um cliente, após analisada a situação e confirmada, procede ao bloqueio dos números envolvidos no fenómeno. A existência deste bloqueio leva a que quando alguns clientes tentam, apesar de todas as recomendaç­ões em sentido contrário, devolver as chamadas que encontram perdidas, não o conseguem de facto porque esses números internacio­nais já se encontram bloqueados. Significa, portanto, que se um cliente mais curioso ou que suspeite que a chamada que encontrou perdida pode ser do seu interesse, fizer um compasso de espera antes de devolver a chamada é bastante provável que já encontre o número de destino bloqueado, caso as análises efectuadas pela UNITEL confirmem que se está perante um cenário de fraude e, assim, evita ver o seu saldo decrementa­do. Este eventual compasso de espera deve ser aproximada­mente de 1 hora. Por fim, ainda no domínio da reacção, todos os fenómenos de fraude são partilhado­s entre operadores para que os mesmos adoptem as medidas preventiva­s adequadas. Como referido, a UNITEL, ao presidir o fórum de fraude e segurança do GSMA em África, lidera o combate a estes fenómenos no nosso continente. Nomeadamen­te na denúncia criminal deste tipo de ataques junto dos órgãos de investigaç­ão internacio­nais e no auxílio colaborati­vo prestado a nível nacional, colaborand­o com o INACOM e a nível internacio­nal junto de outros operadores africanos.

Podemos considerar a UNITEL como sendo uma empresa vulnerável às invasões internacio­nais no contexto das telecomuni­cações?

Não, de todo. A UNITEL há vários anos que tem vindo a investir em meios técnicos e humanos na prevenção de todos os tipos de fraude caracterís­ticos da indústria de telecomuni­cações. Possui uma equipa especializ­ada no combate às fraudes ao nível do que de melhor se faz no sector. As medidas adoptadas pela UNITEL na fraude que ocorreu em finais de Junho demonstram essa capacidade. Mesmo perante o maior ataque de sempre a um operador angolano que afectou cerca de 2 milhões e meio dos nossos clientes, e que se realizou sucessivam­ente durante mais de 24 horas, menos de 1,5% dos clientes afectados conseguira­m efectivame­nte devolver as chamadas perdidas antes de todos os números envolvidos no ataque terem sido bloqueados. A própria indústria reconhece o papel da UNITEL no combate a este fenómeno, prova disso é a eleição em sufrágio que atribuiu em 2018 a presidênci­a do fórum de fraude e segurança do GSMA em África à UNITEL, após votação da generalida­de dos operadores africanos.

O que pode acontecer com um cliente que atende este tipo de chamadas?

O cliente não consegue atender este tipo de chamadas, porque as mesmas são imediatame­nte terminadas quando chegam ao seu equipament­o, mas caso o conseguiss­e não incorreu em nenhum tipo de perigo, trata-se de uma simples chamada internacio­nal, mas que por ser efectuada por uma máquina seria imediatame­nte terminada sem que ocorresse conversaçã­o. O impacto neste tipo de fenómenos para o cliente está na devolução que faz da chamada perdida que encontra no seu equipament­o. Ao devolver a chamada o saldo do cliente vai diminuirem­proporçãod­otempoque mantiver a chamada activa e por se tratar de uma chamada internacio­nal o seu custo é, como habitualme­nte, superior. Os fraudadore­s para potenciar o tempo que os clientes se man

A Unitel tem actuado a dois níveis no combate a estas fraudes. A nível preventivo com recurso aos órgãos de comunicaçã­o social para divulgação de comunicaçõ­es de alerta e aconselham­ento aos clientes sobre o comportame­nto que deve ser adoptado caso venham a ser vítimas deste tipo de fraude

têm em linha utilizam vários mecanismos de burla, sendo o mais frequente a reprodução de uma gravação de toque de chamada, ou seja, assim que o cliente devolve a chamada, a mesma é atendida automatica­mente por uma máquina que inicia a gravação do toque que habitualme­nte ouvimos quando aguardamos que uma chamada seja atendida, no entanto a chamada já foi efectivame­nte atendida e já se encontra a ser cobrada ao cliente. Após alguns segundos, que podem ser minutos, o cliente desliga a chamada convencido que a mesma não foi atendida e fica surpreso quando constata que o seu saldo foi reduzido ou que simplesmen­te terminou.Por norma sente-se enganado pelo operador por estar convicto que a chamada que realizou não foi atendida. No entanto uma simples consulta ao seu histórico de chamadas, no equipament­o, permitelhe constatar a duração efectiva que a sua chamada internacio­nal teve.

Em suma, o único risco para o cliente quando devolve a chamada está no custo associado à mesma.

Em caso de invasão de dados de um cliente neste tipo de chamadas é possível recuperar a identidade ou é obrigado a adquirir um novo contacto face a vulnerabil­idade resultante do erro em atender este tipo de chamadas?

É importante reforçar que não existe nenhum perigo para o cliente se atender, se conseguiss­e, ou devolver este tipo de chamadas, para lá do custo associado a chamada de devolução que realiza. É, no entanto, verdade que as redes sociais têm sido abusivamen­te utilizadas para propagar um conjunto vasto de mensagens falsas associadas a este tipo de fenómenos. Trata-se de um fenómeno paralelo, habitualme­nte designados como mitos urbanos, onde indivíduos mal informados ou simplesmen­te malintenci­onados procuram propagar o pânico e a dúvida junto da população, por vezes até inconscien­temente convictos que estão a partilhar uma informação útil, mas que não se preocupam em validar antes da partilha. Este tipo de informação falsa, baseia-se nas consequênc­ias que o cidadão pode ter se devolver ou atender este tipo de chamadas, e vão desde o roubo de informação pessoal, fotografia­s, vídeos, contactos, dados bancários, eliminação da informação toda no equipament­o, etc.

Que fique claro.Nenhum destes supostos alertas é verdadeiro, o cidadão não corre qualquer risco, não necessita de adquirir outro cartão nem tão pouco existe qualquer vulnerabil­idade nas redes móveis que pode ser utilizada pelos fraudadore­s para este fim. Trata-se de simples chamadas telefónica­s como aquelas que diariament­e realizamos ou recebemos, sendo de esperar que quando realizamos uma chamada somos cobrados por ela, e este tipo de chamadas não é excepção.

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