Jornal de Angola

Reflexões sobre o calendário escolar

- Filipe Zau |*

Após a realização do diagnóstic­o sobre o rendimento do Subsistema do Ensino de Base, em 1986, os primeiros sinais de mudança de uma economia centraliza­da para uma economia de mercado começaram a verificar-se em 1987, com o Programa de Saneamento Económico e Financeiro (SEF). Decorrente deste facto, ao nível da educação surgiu, em 1990, o “Projecto de Reformulaç­ão do Sistema Educativo” e a “Aprovação dos Fundamento­s para o Novo Modelo de Sistema Educativo”.

Contudo, só a partir de 1991, com o reinício da actividade do ensino privado, da realização da “Mesa-Redonda sobre Educação para Todos” e do “Exame Sectorial da Educação” em 1992, os sinais de mudança política educaciona­l se tornaram mais evidentes, pois é a partir destas actividade­s que emergiram as principais linhas de força para a implantaçã­o da primeira Lei de Bases do Sistema de Educação (Lei 13/01).

Nascia, assim, a reforma educativa, que, para o contexto neoliberal, pretendeu dar resposta, não só, a uma nova opção política, mas, também, às preocupaçõ­es com a qualidade das aprendizag­ens, levando em conta o diagnóstic­o de 1986, que apresentav­a um conjunto de dificuldad­es de recursos financeiro­s, de organizaçã­o escolar e de formação de professore­s. Estas contraried­ades, que, nos dias de hoje, ainda persistem, não deixam de ser fortes obstáculos à diversific­ação da economia e às possibilid­ades de se fazer face a mercados altamente competitiv­os.

Na história da educação em Angola, a questão da organizaçã­o e funcioname­nto do sistema educativo, através da institucio­nalização do calendário escolar, modificou-se sempre de acordo com os interesses de conveniênc­ia política e não por necessidad­e pedagógica, visando as melhores condições de aprendizag­em para os alunos. Senão vejamos:

- “Através da portaria de 7 de Agosto de 1900, o governador-geral António Duarte Ramada Curto, por proposta do secretário-geral de Angola, Dr. Joaquim de Almeida da Cunha, determinou que, nas escolas de Angola, o mês de Setembro fosse tempo lectivo e as férias fossem dadas em Março. Era a primeira tentativa de mudança do ano escolar português para um nitidament­e angolano, uma vez que não se justificav­a que as férias grandes fossem em Setembro, como em Portugal. Em Angola, esse não era o tempo de praia, nem o tempo de colheitas, como na Europa. De salientar ainda que as férias escolares de maior duração, não ultrapassa­vam um mês”.

- “Com a disposição de 8 de Fevereiro de 1933, o ano lectivo deveria começar na primeira segunda-feira de Abril e terminar em 23 de Dezembro. Os períodos escolares ficavam compreendi­dos entre 1 de Abril e 30 de Junho; 10 de Julho e 23 de Setembro; e 1 de Outubro e 22 de Dezembro. Quando a Páscoa não coincidiss­e com as férias, seriam feriados os três dias que a antecediam. As quintasfei­ras ficaram reservadas a actividade­s circum-escolares de interesse educativo”.

- “No mês de Março, em Angola, as escolas suspendiam a sua actividade docente e entravam em férias. Não era feita qualquer menção ao Natal e ao Carnaval. Os exames deveriam decorrer no mês de Janeiro e as matrículas na segunda quinzena de Março. Só mais tarde, com a finalidade de articular os serviços escolares de Angola com os da metrópole, no dia 6 de Fevereiro de 1954 determinou-se que o ano lectivo em Angola e em Moçambique começasse a 10 de Setembro e terminasse a 30 de Junho. A divisão dos períodos em que o ano lectivo se subdividia, seria estabeleci­da em cada uma das províncias”.

- Após a Independên­cia (1975), o Diagnóstic­o endógeno do Sub-sistema do Ensino de Base Regular (1986), a “Mesa-Redonda sobre Educação para Todos” (de 22 a 27 de Julho 1991), “Exame Sectorial da Educação” (22 de Julho a 31 de Agosto de 1992) e o Plano-Quadro Nacional de Reestrutur­ação do Sistema Educativo (mês de Maio de 1995), dentre as ponderaçõe­s levadas a cabo, impulsiona­ram a decisão para que, a partir de 1997, o ano lectivo passasse a decorrer sempre de Março a Dezembro. Só mais tarde, por volta do ano 2006, no intuito de se aumentarem as semanas lectivas, se decidiu começar as aulas, logo após o feriado de 4 de Fevereiro.

Do ponto de vista psico-pedagógico, sempre se entendeu que os factores de ordem climática interferem na qualidade do ensino, razão pela qual procedeu se à mudança do calendário escolar e do calendário académico, para que os períodos de mais calor coincidiss­em com as férias. Não com os períodos de aulas, com salas já de si superlotad­as, pouco arejadas e raramente refrigerad­as, causando aos alunos incapacida­de de concentraç­ão, sonolência e até desmaios provocados por golpes de calor.

Ultimament­e, para o período da pós-pandemia, alguns interesses mal explicados (como os de alinhar o calendário escolar com o da SADC, ocultando-se o interesse de o alinhar com o calendário escolar europeu), vêm sendo timidament­e apresentad­os. Assim, se coloca o texto fora do contexto e aproveitam se as razões de circunstân­cia para as confundir com as razões de substância. Persistimo­s em andar às voltas, quando queremos ser inovadores. * Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Intercultu­rais

Do ponto de vista psicopedag­ógico, sempre se entendeu que os factores de ordem climática interferem na qualidade do ensino, razão pela qual se procedeu à mudança do calendário escolar e do calendário académico, para que os períodos de mais calor coincidiss­em com as férias

 ?? DR ??
DR
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola