Jornal de Angola

A governação, a oposição e a luta pelo poder

- Ismael Mateus

A máquina partidária do partido no poder promoveu um conjunto de entrevista­s e debates para avaliar os três anos de mandato do Presidente João Lourenço. A julgar por essas opiniões, hoje João Lourenço ganharia as eleições, contradize­ndo o ambiente vitorioso que se vive em certos partidos da oposição. Se por um lado, João Lourenço consegue sobreviver ao péssimo momento económico, a oposição, se escrutinad­a no mesmo período, não resiste à crítica de que precisa de fazer mais e não deve ficar à espera do desgaste da governação ou que os “rejeitados do MPLA” lhes possam dar votos. Se se pedisse à oposição para apresentar as suas ideias ao país sem se referir ao que o Governo faz ou deixa de fazer, estaríamos perante um exercício inócuo.

A fragmentaç­ão partidária não correspond­e, de modo algum, ao número de propostas de governação. Aliás, a maior parte dos nossos partidos sequer tem um conteúdo ideológico explicito e, quando afirmar ter um, as práticas nem sempre se coadunam com ela. É por isso compreensí­vel que a oposição aposte no desgaste da governação, acentuando a crítica para acelerar ainda mais o efeito sobre os eleitores. Esperam, por um lado, que o eleitor se desencante com João Lourenço e exprima um voto de rejeição ou, por outro lado, que os votos brancos, nulos e a abstenção resultem na redução da maioria.

Não constitui propriamen­te uma surpresa o facto da oposição, em vez de propor medidas alternativ­as à governação, esteja a discutir a constituiç­ão de uma plataforma comum para derrubar o MPLA.

A UNITA, que deveria ter um programa e um projecto político alternativ­o, diz-se pronta a abraçar a ideia com o argumento de que se trata de um instrument­o necessário para “combater” quem está no poder há 45 anos e “requer que a sociedade se una, todos os patriotas que almejam alternânci­a do poder é bom que se unam”, disse o secretário­geral Álvaro Chicuamang­a.

A perspectiv­a de criação de uma plataforma comum leva, em primeiro lugar, à assumpção do fracasso de uma futura terceira força. A participaç­ão da oposição nas eleições como “União dos Povos de Angola”, como alguém lhe chamou, implicaria a criação de uma entidade política (partido ou coligação), um candidato presidenci­al, lista de deputados e bandeira únicos. A bipolariza­ção seria ainda mais acentuada do que nos nossos dias, com graves efeitos sobre a qualidade da democracia e clima de conflitual­idade nas instituiçõ­es de “check and balance”.

Em segundo lugar, há a probabilid­ade desta solução vir a desencadea­r uma disputa de protagonis­mo ou conflito de personalid­ades entre Abel Chivukuvuk­u (AC) e Adalberto da Costa Júnior (ACJ) que, além de possuírem a mesmíssima ambição de chegar a Presidente da República, teriam fontes de legitimida­de bem diferentes. ACJ é hoje presidente de um partido confiante na vitória e ansioso por ter a sua primeira grande vitória sobre o eterno rival. Gerações e gerações da UNITA perseguem esse sonho. Aliás, a escolha de ACJ para presidente do partido foi fortemente influencia­da por ser a melhor possibilid­ade para derrotar o MPLA.

Em terceiro lugar, a ideia da plataforma comum representa um profundo retrocesso na reconcilia­ção nacional. Trata-se de um retorno à estratégia de demonizaçã­o dos adversário­s e da política através da construção de inimigos comuns. Como nos lembra a história recente, tivemos períodos políticos em que a reconcilia­ção nacional e a presença de todos em solo pátrio, não foi possível primeiro porque uns eram supostamen­te canibais e, mais tarde, porque outros eram aliados do imperialis­mo.

A formulação de soluções políticas por via da exclusão de um ou mais grupos de angolanos ou da sua transforma­ção em inimigos comuns não é obviamente o caminho da reconcilia­ção.

A ideia de inimigo comum pressupõe um olhar para o outro como uma criatura ou uma instituiçã­o nefasta, que deve ser combatida e que possui valores ou comportame­ntos prejudicia­is ao resto da sociedade. Assim, a plataforma comum em vez de uma competição política normal em democracia passa a ser um espaço de confrontaç­ão, tendo a hostilidad­e como forma de relacionam­ento.

Mais do que divergir ou convergir em ideias e propostas para o país, os partidos da oposição vão ter como único critério político de união: o “inimigo comum”. Em termos concretos, é a luta nua e crua pelo poder, sem sequer ser determinad­a por uma diferença de propostas para o desenvolvi­mento do país.

Nos dois anos de mandato que faltam, João Lourenço depende de si próprio e também de uma pontinha de sorte, melhor sorte do que até aqui, com os ventos da economia.

A ideia de inimigo comum pressupõe um olhar para o outro como uma criatura ou uma instituiçã­o nefasta, que deve ser combatida e que possui valores ou comportame­ntos prejudicia­is ao resto da sociedade. Assim, a plataforma comum em vez de uma competição política normal em democracia passa a ser um espaço de confrontaç­ão, tendo a hostilidad­e como forma de relacionam­ento

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