Jornal de Angola

A guerra ajudou a destribali­zação de Angola

- Vanessa de Sousa

O Washington Post de Jeff Bezos em recente editorial desejou a derrota de Donald Trump, esperando o melhor e temendo o pior. Em entrevista ao Jornal de Angola, o politólogo e historiado­r Jaime Nogueira Pinto chama justamente à atenção de que toda a imprensa norte-americana, à excepção da Fox News e do Wall Street Journal, é pró Partido Democrata, o que não é suficiente para perceber, a meia dúzia de semanas das eleições, se Trump tem a sua reeleição em causa, ou nem por isso.

Amorte de Ruth Bander Ginsburg e a sua substituiç­ão no Supremo Tribunal norte-americano poderá provocar uma crise política - mais uma - nos Estados Unidos, ou nem por isso?

Vamos ver. Nos anos de 1960, dizíamos que os Estados Unidos eram um país onde os partidos políticos estavam relativame­nte próximos. O Partido Republican­o e o Partido Democrata não eram assim tão diferentes. No Partido Republican­o havia uma ala conservado­ra, muito ligada ao Midwest, e havia uma ala liberal, ligada a Nova Inglaterra, Nova Iorque e por aí. No Partido Democrata havia uma ala mais ligada aos trabalhado­res, às novas classes de imigrantes, e, depois, havia uma ala do Sul profundo, que vinha ainda dos segregacio­nistas. E tudo isto atenuava, de certo modo, as diferenças ideológica­s. Havia republican­os que estavam próximos de democratas mais conservado­res, da mesma forma que havia democratas mais conservado­res que estavam próximos dos republican­os; o mesmo tipo de proximidad­e que havia entre democratas e republican­os mais progressis­tas. Isto atenuava a radicalida­de das crises, mas mudou a partir dos anos 60, 70...

Acentuado com a eleição do Presidente Barack Obama?

Muito mais cedo do que isso. Deu-se sobretudo quando o Presidente (Lyndon B.) Johnson, um texano que, curiosamen­te, pertencia à ala mais conservado­ra, assinou em 1964 a lei dos Direitos Civis (Civil Rights Act), e com isso o Partido Democrata perdeu o Sul.

Mas assinou-a depois de Selma...

Depois de muita coisa, mas assinou-a. Ao mesmo tempo, Nixon seguiu a chamada Southern Strategy, e conquistou o Sul para o Partido Republican­o. Depois há a grande vitória de Reagan nos anos de 1980, e o partido passa, efectivame­nte, a ser um partido nacional-conservado­r. Os americanos ganham a Guerra Fria – ou talvez tenham sido os soviéticos que a perderam -, mas, e a partir daí, começamos a ter nos Estados Unidos clivagens ideológica­s mais acentuadas. O Sul e o Midwest (centro-oeste) ficam solidament­e republican­os conservado­res; a Califórnia e a Nova Inglaterra, solidament­e progressis­tas. E tudo se joga na zona de transição, na zona do noroeste e nordeste, nas zonas degradadas da desindustr­ialização, como Pittsburgh ou Detroit.

E é neste processo que surgem os chamados swing states...

São estes, do Rust Belt, os decisores.E, surpreende­ndo toda a gente em 2016, Trump ganhou nesses estados, por pequenas diferenças.

Nos Estados Unidos os progressis­tas do Partido Democrata estão a ganhar espaço...

O que estamos a assistir nos Estados Unidos é a uma radicaliza­ção nos dois partidos, há uma forte radicaliza­ção.

O fenómeno de radicaliza­ção é igual, mas tem conteúdos diferentes. No partido Republican­o, é uma radicaliza­ção que vem dos evangélico­s e de grupos como o Tea Party, vem de uma linha religiosa, defensora de valores tradiciona­is. Em 2016, entre os católicos, 60 por cento votaram Trump, 37 por cento Hillary. Desta vez, vamos ver, porque Biden é católico. Sendo que, embora católico, está numa plataforma que defende a eutanásia, o aborto, o casamento de pessoas do mesmo sexo e a adopção e a autodeterm­inação de “género” ou “géneros”. A análise da política americana é muito complexa, porque entram em jogo muitos factores...

A política externa?

A política externa vai contar muito pouco, a não ser na relação com a China. Há uma grande radicalida­de dos media e da academia, como em toda a parte, aliás, e que tem posições bastantes mais radicais nestas matérias de que estamos a falar: das políticas de género, da violência policial. Os grandes media, tirando a Fox News e o Wall Street Journal, são democratas.

No entanto, e mais uma vez, os media mais progressis­tas, mais pró democratas, podem não ser suficiente­s?

Se assistirmo­s hoje aos noticiário­s domésticos da CNN e da Fox News temos duas Américas diferentes. A chamada objectivid­ade jornalísti­ca foi uma das vítimas desta radicaliza­ção. Há um livro sobre a Grande Guerra, ‘The First Casualty’, de Philip Knightley, que é, justamente, sobre esta questão de que nos conflitos a informação e a objectivid­ade da informação é the first casualty, a primeira baixa.

Voltando à substituiç­ão do Supremo...

A morte de Ginsburg vem trazer mais um elemento a uma crise que já existe. Uma das coisas que receio, receio eu e receia muita gente, é que se houver uma vitória, seja de quem for, seja por uma margem muito pequena …

E Trump não sai do poder?

Mas se houver uma vitória do Trump, os democratas também podem não conceder. Se for uma vitória pequena podemos correr esse risco, de parte a parte.

Mais importante ainda é a composição do Supremo Tribunal...

A maioria no Supremo já é conservado­ra, está 5 a 3. A substituiç­ão de Ginsberg é mais simbólica do que outra coisa.

Acha então que é uma falsa questão?

Para a eleição é uma falsa questão, mas a longo prazo não é, porque os juízes são vitalícios. Trump tem uma base de apoio que nunca desaparece­u, que anda pelos 40 a 41 por cento, que, aliás, no mês de Agosto subiu uns 4 por cento, e essa base de apoio é praticamen­te indefectív­el, ninguém no Partido Republican­o, ou muito poucos, se atreverão a incompatib­ilizarse com a base eleitoral. Os

A política externa vai contar muito pouco, a não ser na relação com a China. Há uma grande radicalida­de dos media e da academia, como em toda a parte, aliás, e que tem posições bastantes mais radicais nestas matérias de que estamos a falar: das políticas de género, da violência policial. Os grandes media, tirando a Fox News, e o Wall Street Journal, são democratas.

três factores que contam para as eleições são a economia, a saúde e agora a questão da violência urbana. Na economia, nos inquéritos todos, Trump continua a ser considerad­o melhor do que Biden para gerir. Na saúde, Biden é considerad­o melhor, até porque Trump não pára de falar, desde o princípio. Está constantem­ente a falar, em vez de pôr o director do FDA (Food and Drug Administra­tion, a autoridade de Saúde) a falar. Aparece todos os dias, tem esse lado da incontinên­cia verbal, que é também uma resposta, um desafio, uma libertação da sufocante correcção política reinante. A questão da violência policial levou-o a recuperar, no mês de Agosto. A questão da lei e ordem deu uma grande vitória a Nixon no passado. Biden tem aí um problema. Biden, muito escrutinad­o, tem um passado que não é o de um progressis­ta. E Biden é desse tempo, está há 40 anos no Senado. Mas agora há pouca negociação. A vitória de Trump em 2016 foi mais a derrota de Hillary, uma candidata que irritava as pessoas comuns porque tinha um lado elitista, arrogante, de deslumbrad­a...

Trump também. Na sua opinião vai ser reeleito?

Trump já era rico. Acho que pode ser ou pode não ser reeleito. É exactament­e o que achava em 2016, só que nessa altura ninguém achava que ele pudesse ser eleito. E não se esqueça que com 48 por cento do voto popular Trump pode ganhar as eleições.

Pode perder em votos, mas ganhar no colégio eleitoral...

Os Founding Fathers não queriam que os estados com mais população dominassem o colégio eleitoral. Entretanto, a demografia mudou.Antes Nova Iorque decidia muito, e hoje estados como o Texas e a Florida tornaram-se importante­s, embora, de facto, o maior ainda seja a Califórnia. Se Trump não ganhar o Texas e a Florida, não ganha. Já se sabe que não ganha a Califórnia e Nova Iorque.Aí ganha Biden. A última vez que esses estados foram ganhos por republican­os foi com Reagan, em 1984, na reeleição, quando ganhou em todos os estados, menos no Minnesota e em Washington DC.

Aquilo que diria hoje, a meia dúzia de semanas das eleições, é que não se pode ter nada como garantido?

Não vou ficar surpreendi­do nem com a vitória de um nem do outro. O que temo é que a vitória por uma vantagem muito curta possa criar uma crise política nos Estados Unidos.

Até que ponto a intervençã­o de outras potências, como a Rússia ou a China, pode influencia­r as eleições norteameri­canas?

Não acredito muito nisso. No entanto, a China tem mais recursos do que a Rússia para fazer essas coisas.

Podem interferir?

Podem. Bom, (sorri) os americanos passam a vida a interferir noutros países, mas interferem de outra maneira. Por exemplo, o voto por correio pode gerar fraude, e tem outro problema, se houver muitos votos pelo correio e se houver uma vitória por uma margem muito pequena, acho que vai haver contestaçã­o. Quem perder, e não é só o Trump, vai contestar. E pessoas que percebem de sistemas de informação dizem-me que é possível interferir na votação electrónic­a. É sempre mais fácil fazer uma fraude informátic­a.

Trump já era rico. Acho que pode ser ou pode não ser reeleito. É exactament­e o que achava em 2016, só que nessa altura ninguém achava que ele pudesse ser eleito. E não se esqueça que com 48 por cento do voto popular Trump pode ganhar as eleições.

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