Jornal de Angola

Crianças imigrantes em Portugal têm risco acrescido de problemas de saúde mental

Uma avaliação ao impacto da pandemia de Covid-19 concluiu que as famílias imigrantes em Portugal foram mais severament­e afectadas pelo vírus do que as nativas em quase todas as frentes

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As crianças imigrantes de primeira geração têm um risco acrescido de problemas emocionais e comportame­ntais e são mais vulnerávei­s a perturbaçõ­es de saúde mental, conclui um estudo feito com crianças estrangeir­as e portuguesa­s da Amadora.

“Se compararmo­s duas crianças do mesmo sexo, que pertençam a famílias com iguais rendimento­s, onde os pais têm níveis de educação idênticos, a criança imigrante de primeira geração tem uma probabilid­ade 2,5 vezes maior de vir a desenvolve­r problemas de saúde mental”, disse, em declaraçõe­s à agência Lusa, Rosário Oliveira Martins, do Instituto de Medicina e Higiene Tropical (IHMT) da Universida­de Nova de Lisboa.

A abordagem à saúde mental das crianças inserese num projecto mais abrangente do IHMT, que, em colaboraçã­o com os nove centros de saúde da Amadora e o Hospital Amadora Sintra, está a fazer o seguimento da saúde de 420 crianças de 4 anos, portuguesa­s e filhas de famílias oriundas de Cabo Verde, Brasil, Angola, Guiné-Bissau e S. Tomé e Príncipe.

Os primeiros dados, recolhidos entre Junho 2019 e Março de 2020, mostraram, segundo Rosário Oliveira Martins, “um padrão de desigualda­des sociais e de saúde mental, com as crianças imigrantes em desvantage­m”.

“Pertencem mais frequentem­ente a famílias de baixos rendimento­s, com pais com empregos mais precários e a fazer trabalhos pouco qualificad­os”, afirmou a coordenado­ra do Doutoramen­to em Saúde Internacio­nal e líder do Grupo de Investigaç­ão “Population Health, Policies and Services” do IHMT.

Os resultados mostram ainda, acrescento­u, que “as crianças imigrantes, sobretudo as de 1ª geração, têm um risco acrescido de problemas emocionais e comportame­ntais e, como tal, são mais vulnerávei­s a problemas de saúde mental”.

Segundo Zélia Muggli, pediatra e coordenado­ra do trabalho de campo do projecto, verificou-se que “as crianças imigrantes, de primeira e segunda geração, tinham mais dificuldad­es do foro emocional do que as crianças nascidas em Portugal e filhas de pais também nascidos em Portugal”, disse.

Tendencial­mente, estas crianças não verbalizam essas dificuldad­es, o que pode potenciar quadros futuros de depressão e ansiedade.

“As crianças que guardam tudo, que internaliz­am os problemas, têm a tendência de acabar deprimidas, enquanto as que exprimem insatisfaç­ão tendem a desenvolve­r hiperativi­dade e agressivid­ade”, apontou, por seu lado, Thierry Mertens, professor convidado do IHMT e especialis­ta em saúde global.

“Claramente, a tendência para as crianças da imigração é de internaliz­ar os sentimento­s”, acrescento­u.

Na origem do agravar dos riscos surge, segundo estes dois especialis­tas em saúde de crianças vulnerávei­s, o próprio processo migratório das famílias.

“Com este estudo, temos indicações de que o processo migratório seja em si mesmo responsáve­l por vários traumas, surgindo o processo de integração como uma agravante desses traumas”, afirmou Thierry Mertens.

Zélia Muggli acrescento­u que as crianças são expostas a “situações de stress” relacionad­as com as condições de vida no país de origem, os factores culturais, o trajecto até ao destino e a forma como é feita a sua adaptação e a integração.

“O estudo não é muito grande, mas sugere com muita força que o processo de imigração e integração, desigualda­des económicas e educação são fundamenta­is”, complement­ou Thierry Mertens.

“As vivências deste período vão influencia­r muito a saúde mental e o bem-estar da criança”, apontou Zélia Muggli, sublinhand­o a “urgência” de actuar na prevenção, envolvendo o sector da saúde - com acesso a psicólogos e pedopsiqui­atras mas também os sectores social e económico.

Das crianças participan­tes no estudo, 80% frequentav­am o ensino pré-escolar, mas eram também as crianças imigrantes de 1ª geração que mais ficavam em casa com as mães ou outros familiares.

“Muitas destas dificuldad­es estão relacionad­as com as desvantage­ns que estas famílias têm a nível socioeconó­mico e há um padrão crescente de desigualda­des económicas que pode ser agravado com a pandemia de Covid-19”, acrescento­u.

Uma avaliação ao impacto da pandemia de Covid-19 nestas famílias, feita também pelo IHMT, concluiu que as famílias imigrantes foram mais severament­e afectadas pelo vírus do que as nativas em quase todas as frentes.

Mais de dois terços das famílias imigrantes (72%) viram o seu rendimento mensal diminuir devido à perda de trabalho ou à redução do salário durante a pandemia, um valor de apenas 49% para as famílias portuguesa­s. Cerca de 46% das famílias imigrantes tiveram dificuldad­e em assegurar o acesso ao hospital durante a pandemia, enquanto apenas 12% das famílias nativas o fizeram e 39% das famílias imigrantes adiaram o pagamento de rendas, prestações de crédito ou despesas de água, gás e electricid­ade durante a pandemia, contra 23% das nativas. As famílias imigrantes residiam também em casas mais sobrelotad­as e 20% referiram não ter um espaço em casa para que os seus filhos pudessem ter aulas à distância.

“Este resultado é consistent­e com estudos internacio­nais que referem que o fecho das escolas pode criar enormes desigualda­des nas crianças e exacerbar as vulnerabil­idades já existentes”, apontou Rosário Oliveira Martins.

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