Tratamento que Trump chamou de “cura” foi desenvolvido com células de fetos abortados
O tratamento baseado num cocktail experimental de anticorpos que Donald Trump recebeu, e que chamou de “cura” para a Covid-19, foi desenvolvido por células originalmente derivadas de tecido fetal, uma prática que o seu próprio Governo decidiu restringir, revelou o The New York Times.
Em Junho de 2019, a administração Trump suspendeu o financiamento para a maioria das novas investigações científicas envolvendo tecido fetal derivado de abortos.
“Promover a dignidade da vida humana desde a concepção até à morte natural é uma das principais prioridades da administração do presidente Trump”, disse o Departamento de Saúde e Serviços Humanos, num comunicado publicado, na altura.
“A investigação que requer uma nova aquisição de tecido fetal de abortos eletivos (não espontâneos) não será autorizada”, acrescentou o comunicado.
Donald Trump recebeu, na semana passada, o cocktail de anticorpos monoclonais da Regeneron. Essencialmente, trata-se de anticorpos sintetizados em células vivas e administrados para ajudar o corpo a combater a infecção.
Para desenvolver os anticorpos, a Regeneron confiou na 293T, uma linha celular derivada originalmente do tecido renal de um feto abortado na década de 1970. Pelo menos duas empresas que competem para produzir vacinas contra o coronavírus, Moderna e AstraZeneca, também estão a utilizar essa linha celular.
O Remdesivir, um medicamento antiviral que Trump recebeu, também foi testado com essas células.
“Os 293Ts foram utilizados para testar a capacidade dos anticorpos em neutralizar o vírus”, disse Alexandra Bowie, porta-voz da Regeneron: “Não foram usados de nenhuma outra forma e o tecido fetal não foi usado directamente na investigação.”
Essas células do feto foram “cultivadas” em laboratório e dividiram-se, formando novas células. Estas novas células foram usadas pela Regeneron para “testar a capacidade dos anticorpos em neutralizar o vírus”, explicou Bowie.
Num vídeo lançado na quarta-feira, Trump elogiou o tratamento da Regeneron, chamando-o de “cura” para a Covid-19. Prometeu fornecê-lo gratuitamente a qualquer paciente que precisasse. A empresa disse na quartafeira que solicitou à Food and Drug Administration uma autorização para utilização de emergência.
Os cientistas notaram que os testes com o cocktail de anticorpos estão longe de estar finalizados e que Trump está a tomar uma variedade de medicamentos que podem ter explicado as melhoras.
Anthony S. Fauci, o maior especialista do país em doenças infecciosas, disse que Trump pode estar certo ao dizer que o tratamento que recebeu o ajudou na luta contra a Covid-19, porém, alerta que o caso do Presidente por si só não prova isso.
“Acho que há uma hipótese razoavelmente boa de que o anticorpo que ele recebeu, o anticorpo Regeneron, tenha feito uma diferença significativa de forma positiva”, disse Fauci, que não está envolvido nos cuidados do Presidente, durante uma entrevista no MSNBC.
Em Julho, a International Society for Stem Cell Research enviou uma carta ao Conselho Consultivo de Ética em Investigação de Tecido Fetal Humano do National Institutes of Health, instando o conselho a permitir que o tecido fetal seja usado para desenvolver tratamentos para Covid-19 e outras doenças.
“O tecido fetal tem propriedades únicas e valiosas que muitas vezes não podem ser substituídas por outros tipos de células”, referia a carta.
Em Agosto, o conselho rejeitou 13 das 14 propostas que envolviam tecido fetal. A proposta aprovada contava com tecido já adquirido.