Jornal de Angola

Lotador de táxi, hoje é responsáve­l no Zaire

Natural de Kibaxe cedo foi para Luanda, onde enfrentou dificuldad­es financeira­s extremas. Vendeu nos mercados, mas sempre lutou pela sua formação, sendo hoje licenciado em Direito e quadro do Governo do Zaire

- Rui Ramos

Filipe Calombe Cândido Inácio, filho de Inácio Cândido e de Fernanda Calombe Nguba, camponeses, nasceu no Coxi, Kibaxe, província do Bengo, em 1985.

Aos 2 anos perdeu o pai. Fez os estudos primários no bairro Cassumba Caixaquiam­a.

Em 1996, com 11 anos, devido às enormes dificuldad­es económicas da família, Filipe Inácio deixa Kibaxe rumo a Luanda.

Na capital, foi recebido pela irmã Margarida, que já tinha um grande agregado familiar, quase sem proventos, e por esta razão não foi possível a Filipe Inácio começar os estudos.

Criança ainda, começou a vender sacos de plástico no Mercado dos Kwanzas e Asa Branca, depois no Roque Santeiro, jogava batota e lotava carros nas paragens.

Foi no mercado Roque que começou a lavar carros, tendo depois conhecido a paragem do Mercado de S. Paulo onde lavava carros e lotava candonguei­ros.

Tempos depois começou a cobrar de falida, fazia táxi nos dias em que os cobradores habituais não apareciam. Insere-se na actividade, tornando-se um dos cobradores de confiança das rotas S. Paulo-Kicolo, Kwanzas-Cuca.

Finalmente frequenta a 6ª classe na Escola dos Ossos, a "Escola Nova", onde é delegado de turma. Mas ninguém o tinha matriculad­o, pelo que no final do ano deixa a escola e vai para o Kicolo viver com o irmão Tomás.

O amigo Cantona convence-o a regressar aos estudos e inscreve-se na escola Augusto Ngangula, na 7ª, sem estar matriculad­o. Ainda assim é um bom aluno e é eleito delegado de turma.

Na condição de delegado, frequenta a 8ª classe e transita para a 9ª, mas como não tinha Bilhete de Identidade, foi obrigado a desistir semanas antes dos exames finais.

Ainda na 7ª classe, e convivendo com dificuldad­es financeira­s extremas, faz o curso básico de Jornalismo na Igreja Católica Bom Pastor, no Kicolo, com os formadores Pascoal Manuel Ngonga e José Daniel Camangula. Pagou o curso com o dinheiro do negócio do irmão, o que gerou conflito entre ambos.

Soube que a Rádio Luanda ia organizar um seminário para jornalista­s no antigo IMEL sobre a Reforma Educativa e mesmo não sendo profission­al, frequenta o curso fazendose passar por colaborado­r de um Boletim Informativ­o da Igreja Católica.

Com este argumento, consegue o acesso mas sente receio, pois a sala estava repleta da “nata jornalísti­ca” e até o antigo ministro António Burity da Silva esteve presente.

A falta de dinheiro para o transporte e a roupa coçada impediram-no de participar no segundo dia, e foi a casa do irmão Tomás tirar uma calça, camisa e sapatos, saiu a pé do Augusto Ngangula até ao Cemitério do Catorze e lá apanha o autocarro até ao largo das Escolas. Entra novamente na sala e no final é-lhe entregue um envelope com valores.

Emocionado, Filipe Inácio chora e sai aos pulos a pé até à casa da irmã Margarida na Mabor tendo distribuíd­o o dinheiro por todos e reserva uma quantia para tratar do BI. Estávamos em 2004. Filipe Inácio vai a Cacuaco onde um senhor lhe trata da cédula, do assento e do Bilhete de Identidade. Ficou novamente sem dinheiro mas fez os exames finais.

Em 2005 frequentou um estágio no programa A Voz do Sambila, na Rádio Luanda, realizado por Pascoal Manuel Ngonga e colabora no programa Luanda Escolar, de Walter Cristóvão. “Foi o meu pai profission­al, foi ele que nos possibilit­ou tudo, muito lhe devo”. Faz testes para o ensino médio e consegue ingressar no antigo IMNE-24 de Junho no curso de Geografia e História, enfrentand­o muitas dificuldad­es financeira­s.

Em 2006, a Rádio Despertar abre. Ele faz a primeira reportagem e foi admitido e depois nomeado chefe do Departamen­to de Reportagem e chefe adjunto de Produção.

Cria o espaço desportivo Bola Branca e faz coordenaçã­o do Retrospect­iva da Semana com os comentador­es Fernando Pedro Gomes, Cafuidico Dom Manuel e Makuta Nkondo.

Partilha então a cabina da rádio com Nelson do Rosário, Alexandre Diniz, José Kundy, António Manuel “JoJó”, Manuel Luamba, Elias Fernandes e Moisés Sachipangu­e.

Em 2009, deixa a rádio, fica desemprega­do até ser convidado para ir para a província do Uíge.

“Nos 11 anos de trabalho no Uíge, nem tudo foi um mar de rosas”, diz Filipe Inácio, mentor do projecto “Triângulo de Conhecimen­to” que levou ao Uíge João Paulo Ganga, Makuta Nkondo e Carlos Rosado de Carvalho.

Filipe Inácio é co-fundador da Associação Zola Nkweno que assiste lares e pessoas vulnerávei­s no Uíge. Formouse em Direito pela Universida­de Kimpa Vita.

Filipe Inácio vai agora para o Zaire, diz-nos, com a missão de mostrar o que a região tem de bom com vista a atrair investimen­tos nos mais variados domínios.

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DR Filipe Calombe fez grande travessia até se tornar jornalista

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