Sobre o (des)amor ou talvez coisa nenhuma
Quantos desertos bastariam para este bicho homem sorver, pelo menos uma vez, a fragrância do amor?
Dando voz às vozes da curiosidade que ainda fazem burburinhos, não tive outro jeito senão evadir-me do sacrossanto casulo para viver como a multidão vive, sob os desígnios do idílio amoroso, quando no coração de quem deliberadamente decidiu construir narrativas e outras efabulações romanescas, há somente restos mortais, fluídos corporais do prazer da carne.
No recanto do meu coração, fazem morada fragmentos de tudo um pouco, menos deste pharmakon - que muitos cinicamente chamam de amor.
Parece paradoxo, mas descobri-me mergulhado nos arcanos das conturbações engendradas pelo eros. A promíscua, a ocasional e a suada sexualidade do tempo não pode ser o paladino do amor.
É aqui onde os covardes encontram restos de consolo, armados em carapaus de corrida, ufanamse das suas conquistas enfadonhas. Há muito mais se soçobrarmos nas profundidades deste rio Kwanza.
Teria o bicho homem poderes plenipotenciários de revogar a ordem natural das coisas?
Ninguém é obrigado a acreditar em nada, para tudo há um reverso, no momento que menos esperamos a certeza, esta fiel depositária, revelar-se-á um engodo.
Tudo é uma prisão, até o pequeno céu que buscas incessantemente. Somos todos presos e carcereiros de circunstância, como alguém um dia asseverou.
Há amores que matam, se não acreditas em mim, vá até à floresta do suicídio e verás tragédias não gregas a medrar cada vez mais, quais ovos de serpente.
Penso que o sentimento de orfandade não é só quando perdemos os nossos progenitores, categoricamente. Nos sentimos órfãos. Sentimos um buraco negro no trajecto sofrido da nossa (in)existência, quando só somos nós a soçobrar na imensidão do Kalunga amoroso.
Sabes que uma muralha medieval é intransponível? Perguntou para mim uma voz interior. Tentei responder, mas a voz disse-me em seguida, não te apresses em responder, a pressa pode soar quadrada ou cúbica, o tempo precisa(rá) de tempo para responder a todas as questões justapostas. Mas saibas que todas essas incorrespondências são barreiras, muralhas de castelos intransponíveis.
Entendo o teu posicionamento à Sartre, quando dizes que vives para concretização da grande necessidade que tens de ti mesmo, quando, sem evasivas, afirmas que és um Goebbels refinado, ministro da propaganda do regime ditatorial da auto-satisfação.
Meu amigo, interrompeu a voz interna, o amor, este viveiro, não se compadece com auto-realizações, com egos famélicos que buscam em lugares-comuns alimentos de que precisam, e por vezes, também de que não precisam.
O amor tem maior serventia quando sem dependência, sem apego nos doamos aos outros.
Não confundas servidão, estado de dependência total, de sujeição, e acções psicológicas para capitulação da outra parte, como amor.
“Eu te amo, sem você não vivo, és a primeira maravilha do mundo”. Toda essa teia, todo esse emaranhado de palavras vãs, agridoces, com defeitos na forma e no conteúdo, sussurradas nos ouvidos dos “incautos”, palavras que hipocritamente gostamos de ouvir, as mentiras que homens e mulheres contam, revelam uma dependência assaz atávica.
Amas o amor ou a sensação de autoridade, de controlo sobre o outro, qual é o burro de carga que cinicamente pretendes domar?
Qual é o histórico que trazes desses campos de concentração, minados, do amor? A propalar para todos os ventos santos, que fulanas, sicranas e beltranas foram bem comidas até te fartares?
Esse amor com sentido gastronómico e desportivo é de uma tragicomédia nunca antes vista.
Veterano com medalhas e troféus, se este é o teu histórico por percorreres caminhos carcomidos, por calcorreares para o mesmo lugar, então vou preferir ser um eterno diletante e exonerarme de todas as funções de aprendiz de amor.
Não há bússolas, pontos cardeais que orientem o homem perdido no idílio amoroso, fechado em si, que carrega uma mala cheia de frustrações e de acções escusas.
Sobras inflamáveis de alcatrões emocionais, um incêndio de proporções amazónicas está à vista, mas no teatro as avenidas que se erguem têm fundações em palmas e gargalhadas sonoras...