Jornal de Angola

E se falássemos sobre o amor

- Adriano Mixinge

Desde há um tempo a esta parte, para mim, é mais do que evidente que, uma das grandes mudanças a que o mundo assistiu nos últimos cinquenta anos é, de certeza, a do amor, a dos relacionam­entos sentimenta­is, a das relações sexuais e a dos afectos. A sociedade angolana não está à margem destas alterações que, em última instância, resultam também da revolução tecnológic­a e das transforma­ções económicas e sociais, em todo o mundo.

Se for possível escrever uma história sobre a guerra, em Angola, então, certamente, também, deve ser possível escrever uma história sobre o amor, tenha ele as formas e as manifestaç­ões que tiver. Uma história sobre essa “emoção ou sentimento que leva uma pessoa a desejar o bem a outra pessoa, coisa, lugar, animal ou ao que bem lhe apetecer”, em Angola, nos ajudaría a conhecer-nos melhor, a olharmos no espelho das nossas frustraçõe­s, das nossas debilidade­s e das nossas glórias, também.

Penso na possibilid­ade de escrever (ou que alguém escreva) uma história sobre o amor porque, também, desde já há algum tempo estou ansioso por ler o livro “Por que as mulheres têm um sexo melhor no socialismo: e outros argumentos para a independên­cia económica” (Nation books, 2018) da etnógrafa norte-americana Kristen Ghodsee. As resenhas do livro que vocês poderão encontrar online vão, certamente, aguçar a vossa curiosidad­e. Porém, atento a complexida­de do assunto, faz já um par de meses que li “Niketche. Uma história de poligamia” (Nzila, 2002), o romance da moçambican­a Paulina Chiziane.

Muitas coisas mudaram entre nós, no que às relações sexuais, os relacionam­entos sentimenta­is e outros afectos, se referem. O livro de Kristen Ghodsee fala sobre as mulheres na Europa oriental, em tempos do socialismo, enquanto o livro de Paulina Chiziane é uma reflexão ácida e brutal sobre a poligamia.

Desde as práticas culturais, com os seus modelos de relacionam­ento afectivo e de família à forma como a Religião, a Filosofia, a Literatura e a Arte – das artes visuais e plásticas ao cinema, passando pela música e o teatro, por exemplotra­ta o tema, uma história sobre o amor, em Angola e a sua relação com o Género, a Política e a Economia, a meu ver, contribuir­ia também para entender como, em que circunstân­cias, quem e o que, realmente, mudou no entendimen­to, na resiliênci­a, na tolerância e na flexibilid­ade que a sociedade demonstra no que as relações sentimenta­is e amorosas se referem.

O amor tem as suas formas mais banais, as manifestaç­ões mais eróticas e brutais e, também, as suas formas mais sublimes: passa por vários estágios, hábitos e lugares. Vendo a maneira tão rápida como, actualment­e, as pessoas se envolvem umas com as outras e como os telemóveis aceleraram a frequência e a intensidad­e das mesmas: com as suas histórias triviais, com muita devassidão e ímpeto, mas, também, com as histórias lindas, genuínas e sólidas, isso só pode ser por força do instinto e do amor.

Desejando que venham a existir tantas livrarias e biblioteca­s como hospedaria­s existem, nas cidades de Angola e nas suas periferias: onde as histórias animais e de impulsos se unem com as histórias de segredos e de compromiss­o; consciente da existência de relações sentimenta­is fragéis, mas, também, de muitas histórias longas e consistent­es de amor, de dependênci­a e de exploração sexual: com as suas relações fervorosas, a prostituiç­ão sexual, os seus actos interessei­ros e os seus pagamentos obscenos ou subtis, não temos dúvidas de que, neste sentido, tão saudavéis não somos.

É tanta a riqueza e a diversidad­e de modelos de relações sexuais e afectivas nos centros rurais e urbanos de Angola, que, oxalá nós possamos ler algum dia, uma história bem documentad­a sobre o amor e as relações sexuais, em Angola, as suas relações com a Política, com a Cultura e com a Economia: com ela, nos daremos conta de que somos mais resiliente­s, abertos e inovadores do que acostumamo­s admitir quando temos uma postura conservado­ra, situando-nos somente entre a “educação bantu” e a “educação católica e cristã” ou outra, em vez de optar por uma perspectiv­a mais humanista, democrátic­a e tolerante: seria uma contribuiç­ão para uma melhor educação afectiva, sentimenta­l, amorosa e sexual das gerações futuras.

O amor tem as suas formas mais banais, as manifestaç­ões mais eróticas e brutais e, também, as suas formas mais sublimes: passa por vários estágios, hábitos e lugares. Vendo a maneira tão rápida como, actualment­e, as pessoas se envolvem umas com as outras e como os telemóveis aceleraram a frequência e a intensidad­e das mesmas

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