E se falássemos sobre o amor
Desde há um tempo a esta parte, para mim, é mais do que evidente que, uma das grandes mudanças a que o mundo assistiu nos últimos cinquenta anos é, de certeza, a do amor, a dos relacionamentos sentimentais, a das relações sexuais e a dos afectos. A sociedade angolana não está à margem destas alterações que, em última instância, resultam também da revolução tecnológica e das transformações económicas e sociais, em todo o mundo.
Se for possível escrever uma história sobre a guerra, em Angola, então, certamente, também, deve ser possível escrever uma história sobre o amor, tenha ele as formas e as manifestações que tiver. Uma história sobre essa “emoção ou sentimento que leva uma pessoa a desejar o bem a outra pessoa, coisa, lugar, animal ou ao que bem lhe apetecer”, em Angola, nos ajudaría a conhecer-nos melhor, a olharmos no espelho das nossas frustrações, das nossas debilidades e das nossas glórias, também.
Penso na possibilidade de escrever (ou que alguém escreva) uma história sobre o amor porque, também, desde já há algum tempo estou ansioso por ler o livro “Por que as mulheres têm um sexo melhor no socialismo: e outros argumentos para a independência económica” (Nation books, 2018) da etnógrafa norte-americana Kristen Ghodsee. As resenhas do livro que vocês poderão encontrar online vão, certamente, aguçar a vossa curiosidade. Porém, atento a complexidade do assunto, faz já um par de meses que li “Niketche. Uma história de poligamia” (Nzila, 2002), o romance da moçambicana Paulina Chiziane.
Muitas coisas mudaram entre nós, no que às relações sexuais, os relacionamentos sentimentais e outros afectos, se referem. O livro de Kristen Ghodsee fala sobre as mulheres na Europa oriental, em tempos do socialismo, enquanto o livro de Paulina Chiziane é uma reflexão ácida e brutal sobre a poligamia.
Desde as práticas culturais, com os seus modelos de relacionamento afectivo e de família à forma como a Religião, a Filosofia, a Literatura e a Arte – das artes visuais e plásticas ao cinema, passando pela música e o teatro, por exemplotrata o tema, uma história sobre o amor, em Angola e a sua relação com o Género, a Política e a Economia, a meu ver, contribuiria também para entender como, em que circunstâncias, quem e o que, realmente, mudou no entendimento, na resiliência, na tolerância e na flexibilidade que a sociedade demonstra no que as relações sentimentais e amorosas se referem.
O amor tem as suas formas mais banais, as manifestações mais eróticas e brutais e, também, as suas formas mais sublimes: passa por vários estágios, hábitos e lugares. Vendo a maneira tão rápida como, actualmente, as pessoas se envolvem umas com as outras e como os telemóveis aceleraram a frequência e a intensidade das mesmas: com as suas histórias triviais, com muita devassidão e ímpeto, mas, também, com as histórias lindas, genuínas e sólidas, isso só pode ser por força do instinto e do amor.
Desejando que venham a existir tantas livrarias e bibliotecas como hospedarias existem, nas cidades de Angola e nas suas periferias: onde as histórias animais e de impulsos se unem com as histórias de segredos e de compromisso; consciente da existência de relações sentimentais fragéis, mas, também, de muitas histórias longas e consistentes de amor, de dependência e de exploração sexual: com as suas relações fervorosas, a prostituição sexual, os seus actos interesseiros e os seus pagamentos obscenos ou subtis, não temos dúvidas de que, neste sentido, tão saudavéis não somos.
É tanta a riqueza e a diversidade de modelos de relações sexuais e afectivas nos centros rurais e urbanos de Angola, que, oxalá nós possamos ler algum dia, uma história bem documentada sobre o amor e as relações sexuais, em Angola, as suas relações com a Política, com a Cultura e com a Economia: com ela, nos daremos conta de que somos mais resilientes, abertos e inovadores do que acostumamos admitir quando temos uma postura conservadora, situando-nos somente entre a “educação bantu” e a “educação católica e cristã” ou outra, em vez de optar por uma perspectiva mais humanista, democrática e tolerante: seria uma contribuição para uma melhor educação afectiva, sentimental, amorosa e sexual das gerações futuras.
O amor tem as suas formas mais banais, as manifestações mais eróticas e brutais e, também, as suas formas mais sublimes: passa por vários estágios, hábitos e lugares. Vendo a maneira tão rápida como, actualmente, as pessoas se envolvem umas com as outras e como os telemóveis aceleraram a frequência e a intensidade das mesmas