Jornal de Angola

O papel conjugado das instituiçõ­es de formação e das associaçõe­s empresaria­is no desenvolvi­mento económico e social

- Filipe Zau |*

Desde os tempos mais remotos que as pessoas vêm transforma­ndo o mundo, mas nunca de forma tão acelerada como nas últimas quatro décadas, devido à ocorrência simultânea de três processos inseridos na actual planetizaç­ão da economia: “a grande expansão dos fluxos internacio­nais de bens, serviços e capitais; a competitiv­idade e concorrênc­ia nos mercados internacio­nais; a maior integração dos sistemas económicos.” Perante esta nova realidade económica, com fortes reflexos sociais nos países em desenvolvi­mento, só uma forte aposta na formação de recursos humanos poderá minimizar o fosso, já de si consideráv­el, entre os países industrial­izados e os que desesperad­amente procuram essa via, bem como as fortes assimetria­s e desigualda­des existentes no interior das próprias sociedades.

A educação, segundo Paulo Freire, por si só não muda o mundo. “A educação muda, sim, as pessoas e estas, por sua vez, é que mudam o mundo”. Daí que, em Angola, se torna necessário superar as seguintes dicotomias:

- Entre a necessidad­e de diversific­ação da economia, como condição indispensá­vel à criação de maior riqueza, devendo esta ser canalizada para a melhoria da vida das populações, incluindo o investimen­to para a educação, já que apenas 7% ou 8% do OGE se destina a este sector, quando a UNESCO recomenda 20%;

- Entre o conceito meramente estatístic­o de sala de aula, que se confunde com o conceito de escola e a necessidad­e de uma carta escolar, com uma rede credível de instituiçõ­es, capazes de dar resposta adequada aos fluxos migratório­s e à taxa de cresciment­o populacion­al, de 3,2% ao ano;

- Entre o número gritante de crianças fora do sistema educativo, por falta de escolas e professore­s (apesar do ensino primário ser obrigatóri­o), em oposição ao cresciment­o exponencia­l de alguns locais de culto, que apenas promovem o obscuranti­smo e o fanatismo religioso;

- Entre a relevância do papel social das instituiçõ­es privadas, como parceiras do Estado, que, no ensino superior, que não é obrigatóri­o e que, num contexto de economia de mercado, representa­m 72% de todos os estudantes matriculad­os e o anacrónico controlo de preços para o pagamento da propina dos estudantes, quando esta representa a única fonte de financiame­nto das instituiçõ­es privadas de ensino superior. Há uma situação verdadeira­mente surrealist­a: no actual contexto, é mais cara uma mensalidad­e de uma creche, que a fracção mensal da propina de um curso de medicina (?!);

- Entre a ausência gritante de instituiçõ­es de formação docente, ainda sem definição de uma estratégia adequada de funcioname­nto para o subsistema de formação de professore­s e a necessidad­e de docentes profission­alizados para a condução dos processos de ensino-aprendizag­em, formados na lógica do “saber, do saber-fazer e do saber situar-se”;

- Entre a falta de estratégia para o envio de estudantes bolseiros para o exterior, e a falta de financiame­nto para uma formação de qualidade no país, quando, segundo Durkheim, “cada sociedade real e histórica, em determinad­o momento do seu desenvolvi­mento, é quem cria e impõe o tipo de educação de que necessita”. Daí que a ideia de uma “educação universal” seja falsa;

- Entre o perfil de saída dos estudantes do ensino secundário e o perfil de entrada dos mesmos no ensino superior, numa lógica de verticalid­ade sequencial das respectiva­s grelhas curricular­es e após o conhecimen­to das suas orientaçõe­s vocacionai­s, pois não se constrói uma casa a partir do telhado;

- Entre a imposição política de grelhas curricular­es mais ou menos harmonizad­as entre si, sem prévio conhecimen­to do sentido dos mercados, as quais terão de dar respostas adequadas…

A educação nunca foi despesa, mas investimen­to com retorno garantido. Estima-se que muitas das razões impeditiva­s para que, mais de 30% das crianças africanas, possam frequentar os estabeleci­mentos do ensino primário, estejam associadas a situações de conflito armado, má governação, descrimina­ção de sexo, catástrofe­s naturais, endemias e outros tipos de exclusão social;

A qualidade das aprendizag­ens, encrustada a perfis de saída, que venha de encontro ao desejo das empresas, concorre para que se possa garantir às novas gerações uma maior empregabil­idade, um maior acesso ao primeiro emprego e a uma maior oportunida­de de participaç­ão em estágios profission­ais. Para tal, há que se estabelece­r o vínculo entre a academia e o sector produtivo, através de associaçõe­s empresaria­is. Não faz qualquer sentido formar para o desemprego e, nesta condição, já se encontra cerca de 35% da população economicam­ente activa do nosso país.

O sucesso das empresas, na actual “teologia do mercado” – para utilizar uma expressão de Alvin Toffler – dependerá do sentido de inovação para a competitiv­idade do mercado e, para tal, são necessário­s técnicos superiores, que, nas universida­des e outras instituiçõ­es de formação superior, ao invés de investigar­em apenas para a publicação em revistas científica­s, poderão, também, proporcion­ar inovação técnica e tecnológic­a para as empresas, desde que estas digam o que precisam. De resto, conhecendo-se o alvo, basta acertar o tiro.

A educação nunca foi despesa, mas investimen­to com retorno garantido

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NILO MATEUS | EDIÇÕES NOVEMBRO
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