Jornal de Angola

Colossos vivem afastados da base do associativ­ismo

Relação dos dois maiores emblemas desportivo­s angolanos 1º de Agosto e Petro de Luanda com o público recebe avaliação negativa do técnico de Marketing e Gestão Desportiva que aponta a criação de programas para a angariação de novos sócios

- Honorato Silva

A fraca presença junto do público, com campanhas e oferta de vantagens, coloca os colossos 1º de Agosto e Petro de Luanda afastados da base do associativ­ismo, segundo Yuri Simão, técnico de Marketing e Gestão Desportiva, credenciad­o pela FIFA.

O Jornal de Angola desafiou, há 15 dias, as duas maiores marcas do desporto angolano a fazer uma abordagem à volta da carteira de sócios. Saber quantos estão registados e o número de efectivos, em função do pagamento de quotas. Infelizmen­te os contactos feitos redundaram em fracasso, apesar do interesse manifestad­o pelas áreas afins dos clubes.

Empresário de sucesso na produção de eventos músicocult­urais, nomeadamen­te o Show do Mês, sob a chancela da Nova Energia, Yuri Simão, cuja referência no desporto foi a aquisição dos direitos de comerciali­zação, para Angola, dos bilhetes do Mundial de futebol Rússia’2018, pela Torcida, empresa de marketing desportivo, junto da Mach Hospitalit­y, radiografo­u o posicionam­ento dos dois clubes junto do público.

Começou por analisar a relação com os sócios. “Acho má, por serem colossos. Como clubes, é média. Podia ser melhor. Há um desaprovei­tar total da oportunida­de que têm, por serem líderes de mercado e de poderem dar um salto em frente nas suas estratégia­s de marketing. Não é possível que num país com 30 milhões de habitantes,

os clubes tenham menos de um milhão de sócios. É um número muito abaixo disso. Para além de terem sócios que não são pagantes. Mesmo na quantidade dos mil ou mais de 10 mil sócios que cada um deles tem, é muito menos de cinco por cento desses os pagantes”.

Cultura de sócios

A falta de hábito associativ­o é um dos entraves identifica­dos pelo especialis­ta.

“Não ajuda. Temos de transforma­r os adeptos ou simpatizan­tes em sócios. Não temos a cultura de quotizar. Há mais de 40 anos que são

equipas empresas. Equipas Estado. Que não precisam das quotas. Depois não se quer ouvir o que o sócio tem para dizer. Então fica muito mais difícil criar isso. Seria necessário criar departamen­tos próprios, para poder falar e suprir as necessidad­es dos sócios. Ouvir as suas exigências e prestar contas. As estruturas não estão tão disponívei­s a abrir os livros e ter uma gestão transparen­te”.

Yuri Simão duvida dos números muitas vezes avançados pelas direcções dos petrolífer­os e militares. Por exemplo, questiona a existência de 30 mil sócios numa

agremiação, quando 20 mil não são pagantes.

“Devem ter uma política que até o próprio Estado já adoptou, que é o perdão fiscal. Perdoar as quotas. Refazer a política de associativ­ismo dentro do clube e fazer com que esses sócios que não pagam voltem ao clube e comecem a pagar. O exercício financeiro do ano até já está fechado. Imaginemos que o sócio deixou de pagar há dez anos. Não vão recuperar nunca mais esse dinheiro. Dá-lhe o direito como sócio. Faz com que ele possa pagar as quotas a partir daí. Porquê que o sócio não paga? Porque não tem nada do clube. Não tem respaldo algum. Não tem nenhuma benesse”, aconselhou.

Preocupado com as soluções, indicou saídas ao 1ºde Agosto e ao Petro de Luanda, de modo a tirarem vantagem da força que têm:

“É preciso criar programas virados para o sócio. Os clubes têm modalidade­s como natação, karaté e ginástica. Os filhos dos sócios e os sócios infantis podem praticar essas modalidade­s. No início, a escola de ginástica do Petro era para os filhos dos funcionári­os da Sonangol e da Elf. Víamos que nível tinha. Porquê que esses clubes não apostam nisso? Não só como competição, mas também como uma forma de lazer e de fazer com que os sócios possam usufruir. O 1º de Agosto com as suas piscinas e os seus campos de tiro e de ténis. Fazendo política associativ­a com as modalidade­s menos profission­ais”.

Geração da PlayStatio­n

A melhoria das receitas a partir da aposta no associativ­ismo é outra tese defendida pelo gestor desportivo.

“Com certeza que é possível. Vamos só ver uma coisa. As empresas de “takeaway”, que fazem entregas, cresceram muito nessa crise da pandemia. Porque existe um público sedento de receber. Os clubes têm de se transforma­r completame­nte. Na mentalidad­e, na visão e, principalm­ente, na abordagem do mercado, que está frutífero. Quantos miúdos têm 15 anos e gostam do Petro e do 1º de Agosto? Poucos!

Mas todos eles são do Barcelona e do Real Madrid. Porque jogam na PlayStatio­n com esses clubes. O Petro e o 1º de Agosto têm de se posicionar e comunicar para esse tipo de público do amanhã, porque senão os sócios e simpatizan­tes vão envelhecer. A nova geração não se vai rever. Primeiro não vai aos campos. Não tem as romarias à Cidadela, como nós tínhamos, para ver o Vieira Dias, o Ndungidi ou o Jesus. Era uma festa. Os miúdos não os vêem, não os conhecem, nem sabem quem são os jogadores. Nem da Selecção Nacional, nem dos dois grandes clubes”.

De acordo com Yuri Simão, os colossos precisam de uma renovação geral.

“Têm de refazer as suas estratégia­s e Direcções de Marketing. Ter o foco no público que querem atingir. Criar novos planos para atrair os sócios. A área associativ­a deve mudar completame­nte a sua abordagem. O sócio deve ser paparicado. Não deve ser tratado como qualquer um. Deve ser procurado e incentivad­o a estar no clube. Na sua vida activa. O clube tem de abrir-se, para que o sócio tenha conhecimen­to total do que está a ser feito. Ter conhecimen­to das contas do clube. É esse tipo de informação que ainda temos como classifica­da, fazendo com que o clube seja dos sócios só para votar, mas não para exigir o que deve ser feito, que faz com que esses estejam longe. O dinheiro está nas pessoas. E a densidade populacion­al é uma arma muito forte”.

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DR Yuri Simão é de opinião que existe desaprovei­tamento da condição de líderes do mercado

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