Dimensão iconográfica da poesia de António Gonçalves
Poeta denotava uma clara evolução do processo criativo de construção do verso, privilegiando a dimensão iconográfica da palavra, sobretudo no livro, “Sobre asas e fios de rosa”, conjunto de poemas lançado no Huambo, em 2004
Se empreendermos uma leitura diacrónica da obra de António Gonçalves, revisitando do mais antigo aos dois últimos livros de poemas, “Sobre asas e fios de rosa”, 2014, e “Os livros dos ancestrais”, 2018,concluímos que houve uma evolução natural e vertiginosa do poeta, em relação à estética da sua versificação, prática literária que rebusca o efeito sonoro e iconográfico da palavra, num processo subtil de permanente construção e reconstrução do verso.
Preocupado com as vicissitudes e as conflitualidades sociais do seu povo, António Gonçalves publicou, “Cenas que o museke conhece”, 2003, seu primeiro livro no domínio da ficção narrativa, editado em Cuba, continuando um percurso que, de forma vertiginosa, levou o autor a amadurecer os contornos estéticos de construção textual, elegendo a poesia como território privilegiado da sua criação literária.
Sobre os primeiros anos de iniciação literária, aos treze anos de idade, António Gonçalves recordou o seguinte: “Comecei a escrever poesia de carácter religioso na Igreja da Santa Ana, no emblemático Bairro Popular. Era devoto da Igreja Católica, onde fui encaminhado pela minha Professora Primária, Fernanda, consequência de uma redacção que escrevi, na qual revelava a intenção de ser Padre”.
Sobre a génese da sua obra poética, António Gonçalves deixou-nos as seguintes palavras, “A minha poesia busca incessantemente o homem, suas transmutações e contradições, na sua relação com o tempo e a espiritualidade. É o que procuro, neste percurso de vinte anos de produção poética, rebusco uma estética de pendor humanista”. De facto, não será arriscado afirmarmos que o homem acaba por ser o epicentro das motivações narrativas e ficcionais da poesia de António Gonçalves. Um homem transfigurado pelo tempo, vítima dos seus insaciáveis caprichos, maculado pela sua própria experiência, filósofo dos seus erros, e autor evidente da sua destruição, enfim, amiúde, catastrófica.
Filho de Domingos Gonçalves Manuel e de Georgina Domingas de Carvalho, António Domingos Gonçalves nasceu em Luanda no dia 10 de Agosto de 1960. Concluiu a instrução primária na Escola 225, no Bairro Popular, em Luanda. Formado em Gestão de Hotelaria, pela extinta Escola de Hotelaria de Luanda, Ilha do Cabo, António Gonçalves frequentou o curso de linguística no Instituto Superior de Educação de Luanda, ISCED, opção língua portuguesa, foi membro e Secretário-geral da União dos Escritores Angolanos.
Obra
Parte substancial da obra de António Gonçalves foi editada em Cuba, numa época em que o autor exercia a função de Conselheiro Cultural da Embaixada de Angola. Do conjunto da sua obra poética destacam-se, “Gemido da pedra” (1994), “Versos libertinos” (1995), “Adobe vermelho da terra” (1996) , “Buscando o homem” (Primeira trilogia, 2000), “Transparência” (Cuba, 2004), “El linguage de los pasaros e de los soenos”, selecção de poemas de amor, bilingue, (2004, Cuba), “As vozes do caminho” (Cuba, 2005), “O sétimo caminho” (Cuba,2006), “La quinta estaciondeltiempo”, Selecção de poemas (Venezuela, 2007) “Umbral de transmutações”, (segunda trilogia, Cuba, 2010), “Renascer sem corpo” (Cuba, 2009), “Exercícios
oníricos” (Inédito, 2010), “Emosentidos” (edição espanhola, Costa Rica,2011), “Canto misterioso que me acena com os pés” (2011), “Emosentidos” (versão cubana, 2012), “Sobre asas e fios de rosa” (2014) e “Os livros dos ancestrais”, 2018, da Editora Acácias do Movimento Literário Lev’Arte, incluído na colecção “Tronco da Literatura Angolana”, livro que reúne poemas escritos entre 2015 e 2016.
Antologias
A poesia de António Gonçalves encontra-se dispersa em várias antologias, das quais destacamos, “Antologia do mar na poesia africana de língua portuguesa Século XX” (2000), coordenada pela professora brasileira, Carmen Lúcia Tindó Ribeiro Secco, “Todos os sonhos”, organizada pela União dos Escritores Angolanos, “Palavras do mundo”, União Nacional de Escritores e Artistas e Cubanos, (2009), “Antologia da poesia universal contemporânea”, poetas para o Século XXI, Espanha (2010), “IV antologia de poetas lusófonos”, Leiria, (2011), “Arco-Íris negro, yotambién canto a américa”, União Nacional de Escritores e Artistas de Cubano, (2011), “Revista prometeo”, Memórias do Festival Internacional de Poesia de Medellin (Colômbia), uma edição bilingue, espanhol e inglês, “Antologia de poesia erótica, amor no meio do teu mar” (2014), uma organização de António Panguila, pela União dos Escritores Angolanos. O seu verso, “Oxalá cresçam pitangas”, deu título a uma antologia de poesia e prosa, co-edição bilingue, português e alemão, do Goethe Institut e União dos Escritores Angolanos, editada na Alemanha, pela professora de literatura InekePhaf-Rheinberg. O mesmo verso deu título a um documentário sobre Luanda, do escritor Ondjaki, e do artista plástico Kiluanji Liberdade.
Cuba
Sobre a sua experiência em Cuba, onde o poeta permaneceu de 2001 a 2011, António Gonçalves lembrou o seguinte: “Em Cuba, onde se revelou de facto a minha fase de maturação poética, dialogava, em sonhos, com os nossos ancestrais africanos. Por mais estranho que possa parecer, acordava a noite para escrever, uma prática contida, sobretudo nos poemas dos livros “As vozes do caminho”, e “Sétimo caminho”, que fazem parte de um conjunto, designado “Umbral de transmutações”.
Penúltimo
Em “Sobre asas e fios de rosa”, penúltimo livro de poemas de António Gonçalves, lançado no dia 21 de Novembro de 2014, no ISCED do Huambo, o poeta dividiu ao meio vinte e dois poemas, cabendo a primeira metade ao capítulo designado “Antes do cerco”, e a outra, em “Depois do cerco”. Pela sua dimensão estética, e importância simbólica, transcrevemos o poema que dá título ao livro,
Apesar dos abutres/ e espinhos no sendeiro/ construirei um castelo arfante/ sobre o ar/ A ser observado por formigas algemadas/Sobre asas e fios de rosa/ Sobre lentes de ovos combinados/ Sobre cabos de mentes oblíquas/E../ Este não é o poema/falta-me pontaria!
Compilação
“A linguagem dos pássaros e dos sonhos”, editada em 2004, é uma compilação de poemas de amor escritos ao longo de vinte anos. A maior parte dos textos saíram à luz em livros, jornais e outros são inéditos. Sobre “A linguagem dos pássaros e dos sonhos” António Gonçalves escreveu a seguinte declaração de amor ao mundo, “Desde o surgimento da humanidade, o amor tem estado presente, alimentando física e espiritualmente o ser humano. Não obstante, este sentimento foi-se enriquecendo e aperfeiçoando à medida que as sociedades foram evoluindo. Hoje, alguns cépticos vaticinam o seu fim, como uma das possíveis consequências da irreversível evolução tecnológica, que está alterando o modo de vida das famílias, o aumento das liberdades individuais e a eliminação de tabus, que têm sido associados, do ponto de vista negativo, ao crescente comércio sexual. Creio e asseguro firmemente que enquanto existir a humanidade, o amor perdurará. Em geral, todas as artes têm abordado em maior oumenormedida,otemaamoroso, contudo a música e a poesia são as que têm abordado de forma mais plena sua dimensão plástica e espiritual. Quem ama renova-se. Este livro, portanto, constitui uma homenagem ao amor, o mais puro e transparente que pode existir entre os seres humanos, e também um convite para quem deseja percorrer os seus misteriosos caminhos”.