“Angola não está integrada em nenhum dos projectos de estradas regionais por culpa própria”
À frente da Comissão da Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC), desde 31 de Agosto, o angolano Gilberto Veríssimo, diz, em entrevista exclusiva ao Jornal de Angola, que o país, apesar de ser o único Estado-membro com as quotas em dia, não está integrado em nenhum dos projectos de estradas regionais, por culpa própria. O presidente da Comissão fala, ainda, das prioridades do seu mandato, baseado em cinco eixos, que têm como objectivo o aumento do índice de desenvolvimento humano na região Como é que encontrou a organização depois de assumir a presidência da Comissão?
Encontrei um quadro diferente daquele que eu e a vice-presidente, assim como os comissários, enquanto Comissão da CEEAC, não se revê. Neste sentido, estamos já a trabalhar para alterar a situação.
Não se revêem em que sentido?
Não nos revemos do ponto de vista organizativo e de funcionamento. Por exemplo, nós, quando abordamos algumas pessoas na organização, apercebemo-nos de que a mesma não tinha independência e liberdade de acção.
A maior parte dos projectos vinha de fora para dentro e a organização acompanhava e apoiava esses projectos. Essa não é a função da organização. A organização tem que gerar os seus próprios projectos, com base numa visão local e pedir o apoio de quem tem maior capacidade organizativa, funcional e financeira para desenvolver os projectos e não o contrário. Não pode ser uma agência de projectos dos outros. Isso também é que levou os Chefes de Estado a decidirem pela reforma, não foi algo inventado. Os Chefes de Estado chegaram a essa conclusão,
daí a ruptura.
Como é que estava a comunidade antes da implementação da reforma, que culminou com a criação da Comissão?
A reforma só existe, ainda, no papel. Os Estados ficaram cinco anos, de 2015 a 2020, a definir o quadro formal da reforma. Os Chefes de Estado aprovaram o novo Tratado e novos textos no dia 18 de Dezembro de 2019. Só no dia 31 de Agosto de 2020 é que a Comissão tomou posse.
Ou seja, só agora é que a reforma vai começar a ser implementada?
Sim. O único elemento da reforma, neste momento, é a Comissão. Essa reforma vai levar a que a região tenha um Parlamento comunitário, um Tribunal de Justiça, Tribunal de Contas, Banco de Desenvolvimento e um Banco Central, assim como o Comité de Embaixadores, algo que ainda não existe.
Faz parte do mandato que lhe foi conferido criar essas instituições?
Sim. Também é parte do nosso mandato instituir estas instituições. Nós é que iremos implementar a reforma. Ela ainda não existe. É parte do nosso mandato. Temos, ao mesmo tempo, que implementar o processo de integração regional. O peso é grande mas, também, temos grandes costas para fazê-lo bem, com o apoio dos Estados-membros.
Todos os países apoiaram, nenhum se opôs à candidatura de Angola, foi por unanimidade que os Chefes de Estado apoiaram a candidatura de Angola à presidência da Comissão. Isso dá-nos a ideia de que temos apoio e sentimo-nos reconfortados para trabalhar. É necessário esforço. São cinco anos de esforços e vamos descansar depois.
Quais são as principais ideias do Plano Estratégico da organização que a sua equipa está a elaborar?
Temos uma visão com cinco eixos. Para levar a que os Estados-membros se apresentem como um espaço e um futuro comum de paz, segurança, estabilidade e de desenvolvimento, é preciso trabalhar nesses cinco eixos.
Quais são?
1 - Desenvolvimento Humano, que é o eixo central; 2 - Cooperação Política, Paz e Segurança; 3 - Integração Económica e Financeira; 4 - Ambiente e Desenvolvimento Rural; 5 Ligação e Integração Física.
Pode explicar o objectivo de cada um desses eixos?
No eixo central de Desenvolvimento Humano, tudo que fizermos é para o desenvolvimento das pesspas. A nossa região tem um índice de desenvolvimento humano muito baixo. A ideia é que, no fim deste mandato, gostaríamos de ver o aumento deste índice de desenvolvimento humano. Os restantes quatro eixos são para fortalecer o eixo de desenvolvimento
humano e social.
E em relação ao eixo da Cooperação Política, Paz e Segurança?
Sem paz e segurança não podemos encontrar o desenvolvimento humano e social. É muito difícil a região desenvolver-se enquanto tiver o número de refugiados e deslocados que tem. Teremos menos deslocados e refugiados se tivermos paz nos países.
E quanto ao eixo da Integração Económica e Financeira?
É preciso que as pessoas vivam bem e tenham o que comer. Esses refugiados, alguns deles estão à procura de comida, porque nos seus países não há um quadro de desenvolvimento económico que lhes permite ter o que comer. Angola tem uma série de refugiados. As cantinas em Angola não são dos angolanos, são de imigrantes, que vieram buscar melhores condições económicas, pelo ambiente de tranquilidade e paz que o país oferece. Isto acontece em todos os Estados da região. Essa é a integração económica que temos que fazer. Temos 1,9 por cento, menos de dois por cento das nossas trocas internas. Há coisas que Angola compra de outros Estados de fora da região que podia comprar na região.
Neste sentido, Angola está a dar um exemplo, ao receber gado do Tchad, o que considero um exemplo de integração. Mas o que é que Angola está a vender ao Tchad? A integração tem que ter dois sentidos. Há angolanos a investir no Rwanda, mas será que o Rwanda está a investir em Angola? A integração económica compreende os dois sentidos.
No eixo do Ambiente e Desenvolvimento Rural?
Temos que garantir o desenvolvimento rural. A Covid19 veio mostrar uma realidade: as reservas alimentares da maior parte dos países dependem do exterior e não de dentro da região.
Temos que ultrapassar essa situação e isso só será possível com o desenvolvimento rural.
O que se pretende com o eixo Ligação e Integração Física?
Buscamos o desenvolvimento social, que por sua vez vai gerar a integração social. Há angolanos que vivem em Angola mas estudam na RDC, assim como cidadãos que vivem na RDC e fazem os seus negócios em Angola, com destaque para a província de Cabinda.
Ou seja, é preciso formalizar a integração que já existe entre as pessoas?
Sim. Há uma espécie de integração social de baixo para cima, que deve ser formali
Essa reforma vai levar a que a região tenha um Parlamento comunitário, um Tribunal de Justiça, Tribunal de Contas, Banco de Desenvolvimento e um Banco Central, assim como o Comité de Embaixadores
zada, para uma integração de cima para baixo, para termos os dois sentidos de integração. A de cima vem formalizar processos já existentes na integração de baixo e explorar processos que já existem lá em baixo. Com a formação destes processos, vamos ter dados estatísticos e processos normais que, até, podemos esquecer a fronteira. A fronteira está por cima da nossa cabeça.
Como é que isso pode ser materializado?
No encontro que mantive com a ministra da Juventude e Desportos, tivemos a oportunidade de abordar sobre os últimos Jogos da África Central, realizados em Luanda, em 1985. A ministra participou destes jogos, na época, como atleta, e desde então nunca mais foram realizados jogos da região. Não seria uma oportunidade de voltarmos a realizar esses jogos e ajudar na integração social?
Esse eixo requer, também, estradas em condições, que liguem os países da região…
Sim. Por exemplo, não conseguimos sair de Kinshasa para Luanda numa estrada boa. Kinshasa e Brazzaville estão separados por 100 metros de rio, mas não existe uma ponte ou estrada que ligue as duas cidades. Estamos a lutar, também, pela integração física e, neste sentido, Angola está a perder. É o único Estado da CEEAC que não tem dívida de contribuição e o único que pagou a quota de 2020. Mas, ainda assim, Angola não está integrada em nenhum dos projectos de estradas regionais e não é por culpa dos outros, mas por culpa própria. Angola está um bocadinho afastada, mas tem que ser Angola a se aproximar dos outros.