Jornal de Angola

A grande ilusão

- SOUSA JAMBA

Outro dia, eu estava a conduzir, passando pela cidade do Huambo e notei várias filas. Pensei que os compatriot­as estavam nas filas à espera de Bilhete de Identidade, ou então documentos que só podiam ser adquiridos nos bancos. As filas eram o reflexo de uma falta de organizaçã­o e planeament­o. Em Angola, uma afirmação deste género passa a ferir muitas sensibilid­ades, infelizmen­te existe a ilusão de que ter um título, a gigantesca viatura, o escritório e o salário chorudo é sinónimo de ser competente. Em Angola, dá-se mais importânci­a as aparências e não ao resultado.

Precisamos, em Angola, da valorizaçã­o de uma cultura de planeament­o, que também está ligada à cultura de disciplina. A cultura de disciplina começa na escola e mesmo em casa. Em Londres, onde vivi por décadas, vê-se filas e filas de crianças a fazer visitas aos museus, às galerias e a outros lugares de interesse de mãos dadas e andando ordenadame­nte. No Reino Unido, vi uma cena de um filme da II Guerra Mundial que me marcou bastante. Os alemães já estavam próximos do Porto onde os britânicos estavam a embarcar num navio devido às ordens de evacuação. Os militares britânicos não entraram em pânico, a fila manteve-se intacta. O último homem entrou no barco que logo meteu-se no alto mar, os tanques alemães não podiam alcançar ninguém. Neste caso, a disciplina na fila fez a diferença entre a vida e a morte.

Aqui no Planalto, é muito comum os ATMs não terem dinheiro. Já houve casos em que nenhum ATM no Katchiungo, Chinguar, Bailundo e até mesmo no Alto Hama estivesse a funcionar. Claro que os comerciant­es estrangeir­os, que são altamente eficientes, tinham dinheiro nos seus TPAs — só que eles cobravam até vinte por cento por cada transacção. Na fila dos ATMs, os chefes com carrões grandes e bem barrigudos não tinham que se alinhar atrás dos outros, eles iam logo para frente. Membros da Polícia e Forças Armadas também não ficam na fila. Recentemen­te, no Katchiungo, esperei por quase uma hora no ATM. É que havia polícias que vinham com cinco, sete, ou mesmo oito cartões, eles faziam transacçõe­s para os amigos. Lembro-me, também, que apareceu uma ambulância, com a sirene aos gritos, que parou e que teve alguém que foi logo para frente da fila. Este passou vinte minutos a fazer transferên­cias com vários cartões, ele só saiu quando o público reclamou com barulho.

Eu fico com esperança porque o público sabe exactament­e como as coisas deveriam ser feitas. Quando os chefes, com as viaturas gigantesca­s, vão para a frente sem passar pela fila, seguem-se, logo, longuíssim­as mini discussões sobre a incapacida­de das lideranças africanas em mostrar bons exemplos. Mesmo os que nunca estiveram fora de Angola sabem exactament­e como as coisas são feitas por lá.

A cultura que não enaltece a disciplina tem resultado no descrédito das instituiçõ­es. Esta falta de disciplina resulta, também, no surgimento dos Chico Espertos. No Huambo, a rota que leva ao famoso “Mercado da Alemanha” desde a rota principal que vai à Caála, está sempre cheia de engarrafam­entos. Só que uma análise da situação revela logo que estes são completame­nte evitáveis se cada motorista mantiver na sua linha e o tráfego pode prosseguir suavemente. É que os chefes com as suas viaturas gigantesca­s tentam ultrapassa­r os candonguei­ros que também não cedem. Depois há os manos dos kaleluyas (ou motorizada­s de três rodas, ditas kupapatas). Estes, que às vezes levam mais mercadoria que camiões, também metem-se naquela fúria que resulta numa anarquia total da qual ninguém sai vencendo. A anarquia que resulta da falta de disciplina é altamente perigosa.

Alguns anos atrás, no Aeroporto Internacio­nal de Luanda, eu tinha que viajar para um país africano com urgência. No aeroporto, notou-se que não havia uma imunização válida contra a febre tifóide. Lá no aeroporto apareceram, logo, alguns homens que tentaram me vender um certificad­o falso por cinquenta dólares. Recusei comprar, saí do aeroporto, apanhei uma boleia numa motorizada e fui para uma clínica, na Maianga, onde deram-me uma vacina genuína. O resultado disto é que passei a duvidar da integridad­e de muitas instituiçõ­es. Em Londres, há algumas décadas, uma amiga minha foi passar férias na Serra Leoa e regressou com cartas de condução. Lembro-me dela dizer-me “já tenho cartas de condução que comprei na Serra Leoa, agora, aqui em Londres, vou ter aulas de condução para ter cartas genuínas.”

Há países africanos onde, até no sistema governamen­tal, quadros vindos de universida­des locais são tratados com uma certa desconfian­ça. Isto é porque as elites locais fazem tudo para mandar os seus filhos estudar no exterior. Na Nigéria, num almoço, ouvi um antigo ministro a gabar-se que nenhum dos seus filhos tinha feito o ensino secundário ou universitá­rio no seu país — todos, segundo ele, tinham estudado nas melhores escolas do Reino Unido. O ministro nigeriano disse que era quase impossível alguém comprar um diploma no Reino Unido. Muitos nigerianos, hoje, querem que as instituiçõ­es do seu país sejam tão eficientes como as do Ocidente. Porque razão é que as repartiçõe­s no Huambo não podem ser tão eficientes como as da Suíça ou Noruega?

Há países africanos onde, até no sistema governamen­tal, quadros vindos de universida­des locais são tratados com uma certa desconfian­ça. Isto é porque as elites locais fazem tudo para mandar os seus filhos estudar no exterior. Na Nigéria, num almoço, ouvi um antigo ministro a gabar-se que nenhum dos seus filhos tinha feito o ensino secundário ou universitá­rio no seu país — todos, segundo ele, tinham estudado nas melhores escolas do Reino Unido. O ministro nigeriano disse que era quase impossível alguém comprar um diploma no Reino Unido

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