Um desafio para os kotas
Quanto mais se aponta o dedo aos miúdos, “arruaceiros, comodistas e revús”, mais a culpa reside nos mais velhos, que criaram nesses pobres jovens a ilusão de que o bem-estar é algo que se oferece da noite para o dia, sem suor e trabalho honesto.
Temos nós toda a culpa que estes miúdos, que não enfrentaram a guerra, não sabem o que é fila do pão, nem talho do povo, não percebam que, apesar de todas as suas dificuldades, nasceram com mais direitos do que nós, mas também com deveres.
O desprezo aos mais velhos, a linguagem excessiva com que se referem às autoridades e a expectativa de que a boa vida lhes cai do céu, é um produto da geração adulta, que lhes deu péssimos exemplos de egoísmo. A corrupção, o saque ao país, o exibicionismo do luxo na miséria e o descaso com a vida dos outros são “pecados” da velha geração, que agora não pode reclamar que os jovens tenham uma visão interesseira da sociedade, nem da ausência de uma liberdade responsável que não ensinaram.
Ainda assim, o encontro entre os jovens e o Presidente da República foi uma surpresa, por não ter revelado uma juventude heterogénea e uniforme na frustração e na atitude egoísta. Provou que há jovens que acreditam na sua própria capacidade transformadora e querem apoio para desenvolverem as suas vidas, tomarem as rédeas do país. Mas há também os que se colocam na cómoda posição de espera que alguém lhes providencie um país bom para viver, como se estivéssemos em dívida para com eles. Também há os que nada têm para dizer, os perdidos em questões menores e, ainda, os amarrados ao partidarismo e à desconfiança herdada dos mais velhos.
No final do dia, compete aos mais velhos desmatar o caminho, criar as bases para um diálogo novo. Cabe-lhes, apoiados pelo Estado, pensar numa Agenda para a Juventude, que permita que estes encontrem desafios, perspectivas de futuro, assentes na formação, alicerçadas no amor ao País. É dever e missão dos kotas apresentar aos jovens um modo de relacionamento moderno, inovador, dinâmico e, sobretudo, diferente dos anteriores, capaz de inspirar uma nova esperança.
No imediato, cabe aos mais velhos demonstrar, com a sua prática, serem capazes de definir um conjunto de valores éticos (como a dignidade do trabalho honesto, a luta contra a corrupção, a despartidarização da sociedade e a igualdade de oportunidades para todos), como compromissos sociais estratégicos da Nação e auto-estradas para o nosso desenvolvimento. Por outro lado, é importante que as associações de jovens entendam que, até para colocar problemas, é preciso aprender e isso passa também pela formação. Não saber colocar problemas denota insuficiente interpretação dos problemas existentes.
No “novo diálogo”, mais do que justificar ou argumentar, é preciso prestar contas aos jovens, no quadro do compromisso de construção de um bem-estar comum. A qualidade do novo diálogo depende dessa transformação e, também, da manutenção da chama da esperança acesa, enfrentando os constrangimentos, com novas metas, prazos e desafios. Tome-se o exemplo das autarquias: na sua tripla acção presidencial (Presidente da República, Titular do Poder Executivo e Presidente do MPLA), exige-se ao próprio Presidente João Lourenço que ouse agir fora da caixa; dê a volta por cima, não permitindo que o tema das autarquias se transforme num nó górdio da nossa democracia. Se não existe capacidade para fazer eleições em 164, então apresente-se para quantos municípios podem ocorrer. Não sendo possível em 2020, então indique-se um cronograma para novas datas, dando o Governo o exemplo de que é cumpridor escrupuloso das suas tarefas ou que o MPLA assuma o ónus de ser maioritário, acabar com o impasse parlamentar e “corrigir o que está mal”.
Um novo diálogo também é ter novas formas de relacionamento com o cidadão, através da absoluta transparência dos actos governativos, cuja lisura os jovens possam testemunhar; abrir os processos de decisão política ao escrutínio popular; promover uma ampla divulgação das regras de participação dos jovens nas políticas públicas e, principalmente, no acesso fácil à informação sobre oportunidades disponíveis, como o microcrédito; criação de auto-emprego; formalização da economia informal e apoios específicos à micro e pequena empresa.
A criação de canais de comunicação para denúncias de irregularidades e escrutínio público é um passo determinante do “novo diálogo”, o que, de todo, não se compadece com práticas como o mais recente exemplo das listas e bilhetinhos das “casas do CNJ”. Implica também mais pluralidade nos órgãos públicos de Comunicação Social, com espaço para as diferentes tendências e correntes de opinião e sensibilidade entre os nossos jovens e de toda a sociedade.
O novo diálogo é sobretudo um desafio dos kotas.