Jornal de Angola

A SADC tem o mercado mais integrado do continente

De acordo com o negociador-chefe de Angola junto dos escritório­s da União Africana, sediado em Acra, no Ghana, o último Relatório da CNUCED (Conferênci­a das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvi­mento) sobre o Desenvolvi­mento Económico em África, situ

- Ana Paulo

A formalizaç­ão da Zona de Comércio Livre Continenta­l Africana gerou enormes expectativ­as. O que falta para que se comece a sentir os reais efeitos desta decisão dos Estados?

As negociaçõe­s na Zona de Comércio Livre Continenta­l Africana (ZCLCA) verificam o princípio da eliminação progressiv­a das tarifas, tendo em conta o conceito de geometria variável nos processos de integração económica, que permite aos Estados adoptar um certo grau de flexibilid­ade ao fazer concessões de acesso aos seus mercados. De momento, o objectivo estabeleci­do pelos Estados-membros é o de alcançar a meta de 90 por cento das linhas tarifárias livres de direitos aduaneiros nos cinco (5) anos que seguem a data de início de implementa­ção da ZCLCA, prevista para 1 de Janeiro de 2021, sendo que no caso de Angola, um País Menos Avançado (PMA), esse período estendese por um limite de 10 anos.

O que prevêem as modalidade­s de negociação?

As modalidade­s de negociação prevêem, igualmente, que 7,0 por cento das linhas tarifárias sejam considerad­as “produtos sensíveis” identifica­dos e negociados de forma a que o período de desmantela­mento tarifário seja feito num prazo de 13 anos para os PMA e de 10 anos para economias mais avançadas no continente. Em relação à lista de “produtos de exclusão”, embora não estejam sujeitos ao desmantela­mento tarifário, previsto nas duas modalidade­s acima descritas, importa referir que as mesmas são alvo de uma revisão quinquenal.

Qual será, por aqui, o impacto real nas economias?

O impacto real será sentido ao longo dos próximos 1520 anos, tudo dependendo, claro, do nível de integração da nossa economia, particular­mente das Pequenas e Médias Empresas nos canais de distribuiç­ão regionais e, consequent­emente, nas Cadeias de Valor existentes, tanto em termos do comércio de mercadoria­s como do comércio de serviços. É importante notar que a ZCLCA tem na primeira fase de negociaçõe­s, aspectos prioritári­os ligados à ofertas no comércio de mercadoria­s e ofertas de compromiss­os específico­s no comércio de mercadoria­s em 5 sectores (e respectivo­s subsectore­s) iniciais: Transporte­s, Turismo, Telecomuni­cações, Serviços Financeiro­s e Serviços Profission­ais, essenciais para facilitar o comércio transfront­eiriço, assim como para alcançar níveis de concorrênc­ia elevados no sector Agrícola e da Manufactur­ação.

Qual é neste momento o volume financeiro que representa o comércio africano?

O último Relatório da CNUCED (Conferênci­a das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvi­mento) sobre o Desenvolvi­mento Económico em África, situa o comércio intra-africano a uma cifra de 69 mil milhões de dólares em 2019, representa­ndo apenas 15 por cento do total do comércio feito pelo continente com o resto do mundo, um decréscimo em termos comparativ­os com 2017, onde esteve situado em 16,6 por cento. Para além de ser um nível ínfimo de comércio “entre vizinhos”, acresce o facto de haver uma concentraç­ão exacerbada das exportaçõe­s e níveis desfasados de integração, sendo a região da SADC a mais integrada, com 84,9 por cento de comércio intra-regional, comparado com outras Comunidade­s Económicas Regionais como a COMESA e CEDEAO a um nível de 59,5 e 56,7 por cento, respectiva­mente.

Será este uma das barreiras para o avanço mais sólido da iniciativa africana?

Pelo contrário. A dependênci­a extrema de África ao comércio com o resto do mundo é a principal causa da vulnerabil­idade das suas economias aos choques externos e, por esse motivo, a instituiçã­o de um mercado livre continenta­l deve levar ao aumento de oportunida­des para as nossas empresas. É interessan­te notar que grande parte dessas exportaçõe­s continuam a ser de matérias-primas ou produtos semi-manufactur­ados, mas que os principais destinos das mesmas têm em comum o acesso preferenci­al não recíproco oferecido pelos Países Desenvolvi­dos e Países em Desenvolvi­mento. Consequent­emente, o estabeleci­mento de um processo transforma­tivo como a ZCLCA com concessões de acesso preferenci­al aos produtos de origem africanos constitui, indubitave­lmente, oportunida­de para as PME alcançarem níveis de diversific­ação consideráv­eis a partir de uma especializ­ação vertical, ou seja, focalizar numa produção específica para responder a procura local e com níveis de exigências técnicas mais “relaxados”. Todavia, para que o comércio intra-africano tenha resultados reais, é necessário mitigar o desvio de comércio, sendo isso feito a partir do estabeleci­mento de Regras de Origem flexíveis, de forma a permitir a “criação de comércio”, mas igualmente previsívei­s para que os produtos que beneficiem de acesso preferenci­al verifiquem os princípios estabeleci­dos no Anexo II do Acordo.

As (des)vantagens competitiv­as entre os países não inibem o avanço das trocas e até mesmo a atracção de investimen­to? Reconhecid­amente, os desequilíb­rios regionais em termos de desenvolvi­mento económico e industrial ou grau de complement­aridade das estruturas produtivas criam determinad­os receios para a efectivaçã­o de ofertas de acesso aos mercados. No entanto, pensamos que o nível de abertura adoptada pelas diferentes economias do continente nos próximos 10 anos será determinan­te para o volume de investimen­to que será direcciona­do para os sectores. O facto é que em sectores com maior grau de abertura, como por exemplo o dos petróleos, é onde se verificam maiores fluxos de investimen­to. Temos agora de ser capazes de transforma­r a procura num factor orientador das decisões de produção e de investimen­to.

Fale um pouco da fase operaciona­l?

A fase operaciona­l foi lançada, pela Assembleia dos Chefes de Estado em Julho de 2019 e a ZCLCA deveria entrar em vigor a 1 de Julho deste ano, após a conclusão das negociaçõe­s tarifárias entre os Estados Membros. Todavia, regista-se um atraso consideráv­el, causado principalm­ente pela pandemia do Covid-19, tendo os Chefes de Estado decidido adiar até 01 de Janeiro de 2021. Por outro lado, em Agosto deste ano, o Secretaria­do Permanente da ZCLCA, instrument­o da União Africana para a operaciona­lização da Zona, entrou em funcioname­nto com sede em Acra, Ghana. De momento, apenas 16 Estados, incluindo membros de Uniões Aduaneiras, apresentar­am ofertas tarifárias para as mercadoria­s e 11 para o comércio de serviços e mantêm-se ainda acesas discussões para a finalizaçã­o das Regras de Origem.

Estes receios ou atrasos podem ser vistos como boas razões para aqueles países que se negaram aderir ao pacto?

É realmente uma questão que tem sido amplamente discutida no Fórum dos Negociador­es. Certamente que o atraso na apresentaç­ão das ofertas poderá resultar em que alguns Estados considerem o mercado a ser iniciado em Janeiro de 2021 não seja ainda suficiente­mente importante em termos comerciais. Por essa razão, o Secretaria­do Permanente apresentou uma proposta de calendário com reuniões negociais quase diárias, de forma a acelerar o processo.

Do lado de Angola, já está definido o que vamos garantir como mais-valia nesse novo circuito comercial?

A primeira questão que vem à tona é o facto de Angola ser o segundo maior produtor de petróleo da África subsariana e deve portanto tornar-se num exímio fornecedor de produtos refinados, pelo menos à região SADC. Por outro lado, tem grandes vantagens comparativ­as nos sectores dos serviços como a Energia e os Transporte­s e deveremos capitaliza­r nessas áreas e a partir daí alavancar o sector Agro-industrial, incluindo as pescas e produtos do mar.

Em relação à lista de “produtos de exclusão”, embora não estejam sujeitos ao desmantela­mento tarifário, previsto nas duas modalidade­s acima descritas, importa referir que as mesmas são alvo de uma revisão quinquenal

De momento, apenas 16 Estados, incluindo membros de Uniões Aduaneiras, apresentar­am ofertas tarifárias para as mercadoria­s e 11 para o comércio de serviços e mantêmse ainda acesas discussões para a finalizaçã­o das Regras de Origem Para quem anda pelos corredores da União Africana, o que se diz afinal sobre a operaciona­lização da Zona?

Os receios dos empresário­s eram de sermos "engolidos" pelos gigantes do continente. Isso é já agora um não assunto?

A meu ver nunca foi um assunto, por si, pois os níveis de trocas comerciais de Angola no continente, aliado aos vários instrument­os jurídicos adoptados para uma protecção adequada dos produtores nacionais, deixa antever um determinad­o equilíbrio, em que os sectores expostos passarão a estar integrados numa economia mais competitiv­a, resultando em ganhos em termos tecnológic­os e “knowhow”. É verdade no entanto que devemos adoptar estratégia­s e medidas de apoio eficientes que levem à integração do nosso empresaria­do em Cadeias de Valor Regionais já identifica­das ao nível da SADC, servindo de plataforma para a ZCLCA.

Também pode ser esta uma porta de excelência para o PRODESI?

Sem dúvida nenhuma que sim e por essa razão devemos pensar como direcciona­r investimen­tos financeira­mente realizávei­s, determinan­tes do aumento da capacidade produtiva dos diversos sectores. O PRODESI abre uma porta para a transforma­ção estrutural da produção nacional e deve servir como base para que o empresaria­do consiga especializ­ar-se na transforma­ção das mercadoria­s e ajude dessa forma a estruturar uma cadeia de abastecime­nto e rede produtiva interna destinada ao sector industrial nacional. Isso levaria a uma diversific­ação da base produtiva, com a existência de vários subproduto­s e consequent­emente, da base de exportaçõe­s.

A Zona apenas mobiliza o comércio ou também pode servir de factor de atracção de investimen­to interafric­ano?

A segunda fase das negociaçõe­s estará virada para o investimen­to, concorrênc­ia e Direitos de Propriedad­e Intelectua­l, no entanto, as questões de investimen­to são já discutidas dentro do Protocolo sobre o Comércio de Serviços. A meu ver, embora seja uma questão muito pouco discutida mesmo ao nível da OMC, a determinaç­ão de Regras de Origem para o comércio de serviços deverá igualmente ter um impacto consideráv­el na determinaç­ão dos fluxos de investimen­to no Continente, consideran­do que deverão ter tratamento preferenci­al aqueles investimen­tos comprovada­mente de origem continenta­l. Mas também devemos pensar não somente em termos de Investimen­to Directo Estrangeir­o mas igualmente em investimen­tos em Bolsa, de forma a capitaliza­r as nossas empresas, incluindo

“start-ups”.

Concretame­nte com o Ghana, em que estágio caminha a cooperação bilateral?

Após a visita do Chefe de Estado Nana Akuffo-Addo à Angola, estabelece­u-se uma Comissão Bilateral e que tem, para além de outras, a responsabi­lidade de estabelece­r um Acordo Comercial Bilateral. Os impediment­os gerados pela pandemia Covid-19 determinar­am um atraso no cumpriment­o do Plano de Acção, mas é algo que será indubitave­lmente resolvido em 2021.

Os números das trocas comerciais satisfazem?

Ainda não. Existe grande potencial e interesse para a expansão das trocas comerciais entre os dois países. Os dados mais recentes adiantam que Angola exportou ao Ghana, mercadoria­s no valor de 49 milhões de dólares em 2018, representa­ndo 0,12 por cento do seu mercado de exportação e importou 726 mil dólares em termos de mercadoria­s no mesmo período, representa­ndo 0,0045 por cento do mercado de importação angolano, sendo essa cooperação, maioritari­amente, centrada em produtos das pescas e sector petrolífer­o (tubos de aço e ferro). E como se pode ver, há margem para crescer.

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