A assunção de nós mesmo e a exclusão dos outros
Friedrich Scheleiermacher, um teólogo, filósofo e filólogo do século XVIII, na sua obra “Hermenêutica” (um ramo da filosofia que estuda a teoria da interpretação), dá-nos a conhecer que, a “arte de compreender” correctamente o discurso do Outro “está internamente conectada com a arte de falar e com a arte de pensar”. Depreende-se, então, que há uma relação indissociável entre o pensamento e a linguagem e, também, que não há uma linguagem universal. Schleiermacher observava, assim, já naquela época, “a inexistência ou impossibilidade de uma linguagem universal.” Entendia aquele filósofo e filólogo alemão, que ao pensar na “unificação do realismo com o idealismo” que dominava o seu tempo, se devia pensar juntos o universal e o particular, o ideal e o histórico.”
Mas, tal como não existe uma linguagem universal, também não existe uma educação universal. As sociedades encontram-se estruturadas em função de códigos sociais e interagem em função dos seus membros a partir de costumes, princípios, regras, formas de ser, que podem, ou não, estar fixadas em leis escritas. Os professores funcionam de acordo com o tipo de educação que é pensado, criado e posto a funcionar. Não para uma espécie de “educação universal” que, segundo o sociólogo Emile Durkheim, “não pode nem deve existir”. Mas, sim, para cada sociedade real e histórica que, em determinado momento do seu desenvolvimento, cria e impõe o tipo de educação que necessita.
Daí que, as principais razões para a introdução das línguas africanas no ensino, na opinião de Joseph Poth, especialista em Didáctica das línguas junto do Instituto Nacional de Educação da República Centro Africana, decorram, essencialmente:
- Do elevado índice de reprovações que se verificam na escola primária, por falta da necessária competência linguística nas línguas de escolarização de origem europeia;
- Dos avanços alcançados pela linguística, no que se refere aos sistemas de funcionamento das línguas, o que, no plano teórico, acabou por ultrapassar dificuldades consideradas, até bem pouco tempo, insuperáveis;
- Dos progressos alcançados pela psicologia, que realçou a importância primordial da língua materna no desenvolvimento psicomotor, afectivo, moral e cognitivo da criança;
- Do imperativo de, pedagogicamente, organizar os programas do ensino e da formação, de acordo com a realidade cultural, linguística e humana de África.
Sobre esta matéria há ainda a considerar, que o paradigma de aprendizagem em línguas africanas não levanta problemas relacionados com o discurso pedagógico. Falha, no entanto, ou apresenta sérias dificuldades na sua operacionalização, tal como já ocorreu em vários países africanos, nomeadamente, na actual República Democrática do Congo, se a Educação não for reconhecida como um sector de eleição. Este modelo de educação, criado para dar resposta às questões de diversidade cultural e linguística também falha, se houver falta de materiais didácticos adequados, falta de formação pedagógica apropriada e, principalmente, falta de vontade política, de apoio das populações e das diferentes elites existentes no país.
“Na grande maioria dos casos, a criança africana é marcada, desde o início da sua escolaridade, por uma situação de conflito grave, na medida em que a língua materna, na qual até então se exprimiu e se afirmou, corre o risco de ser brutamente rejeitada. Esta língua, embora rica em valores profundos e em meios de expressão, passa a ter, aos olhos da criança, um valor social inferior ao da língua de importação, pelo simples facto de só esta última ser julgada digna de ser ensinada e estudada. O conflito linguístico degenera, facilmente, em conflito cultural porque o estudo exclusivo de uma língua supõe uma referência permanente a uma escala de valores extralinguísticos de ordem cultural e moral”. Joseph Poth também nos informa, que o estatuto de “parente pobre” atribuído à sua língua materna, leva a criança africana a considerar pejorativo, tudo aquilo que se encontra ligado ao seu património cultural, nomeadamente, o seu próprio património linguístico.
A análise de experiências educativas em países africanos, leva-nos à necessidade de uma política educativa, pragmática e realista, em países multiculturais e plurilingues, como é o caso de Angola. A maior tendência dos sistemas educativos africanos analisados (e nesta análise Moçambique já se encontra incluído) dita-nos o uso de políticas linguísticas mixoglóticas, pela cooperação entre as línguas africanas e a língua europeia herdada da colonização, com especial ênfase para a língua materna nos três primeiros anos de escolaridade, quer em escolas públicas, quer em escolas subsidiadas pelo Estado.
É certo que em todas as línguas se aprende, mas em uma qualquer outra língua não materna que não se domine convenientemente, dificilmente se comunica, o que torna mais difícil a aprendizagem e a motivação para a mesma. Como referiu Paulo Freire, “a assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros.”
É certo que em todas as línguas se aprende, mas em uma qualquer outra língua não materna que não se domine convenientemente, dificilmente se comunica, o que torna mais difícil a aprendizagem e a motivação para a mesma. Como referiu Paulo Freire, “a assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros