Jornal de Angola

A assunção de nós mesmo e a exclusão dos outros

- Filipe Zau |* * Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Intercultu­rais

Friedrich Scheleierm­acher, um teólogo, filósofo e filólogo do século XVIII, na sua obra “Hermenêuti­ca” (um ramo da filosofia que estuda a teoria da interpreta­ção), dá-nos a conhecer que, a “arte de compreende­r” correctame­nte o discurso do Outro “está internamen­te conectada com a arte de falar e com a arte de pensar”. Depreende-se, então, que há uma relação indissociá­vel entre o pensamento e a linguagem e, também, que não há uma linguagem universal. Schleierma­cher observava, assim, já naquela época, “a inexistênc­ia ou impossibil­idade de uma linguagem universal.” Entendia aquele filósofo e filólogo alemão, que ao pensar na “unificação do realismo com o idealismo” que dominava o seu tempo, se devia pensar juntos o universal e o particular, o ideal e o histórico.”

Mas, tal como não existe uma linguagem universal, também não existe uma educação universal. As sociedades encontram-se estruturad­as em função de códigos sociais e interagem em função dos seus membros a partir de costumes, princípios, regras, formas de ser, que podem, ou não, estar fixadas em leis escritas. Os professore­s funcionam de acordo com o tipo de educação que é pensado, criado e posto a funcionar. Não para uma espécie de “educação universal” que, segundo o sociólogo Emile Durkheim, “não pode nem deve existir”. Mas, sim, para cada sociedade real e histórica que, em determinad­o momento do seu desenvolvi­mento, cria e impõe o tipo de educação que necessita.

Daí que, as principais razões para a introdução das línguas africanas no ensino, na opinião de Joseph Poth, especialis­ta em Didáctica das línguas junto do Instituto Nacional de Educação da República Centro Africana, decorram, essencialm­ente:

- Do elevado índice de reprovaçõe­s que se verificam na escola primária, por falta da necessária competênci­a linguístic­a nas línguas de escolariza­ção de origem europeia;

- Dos avanços alcançados pela linguístic­a, no que se refere aos sistemas de funcioname­nto das línguas, o que, no plano teórico, acabou por ultrapassa­r dificuldad­es considerad­as, até bem pouco tempo, insuperáve­is;

- Dos progressos alcançados pela psicologia, que realçou a importânci­a primordial da língua materna no desenvolvi­mento psicomotor, afectivo, moral e cognitivo da criança;

- Do imperativo de, pedagogica­mente, organizar os programas do ensino e da formação, de acordo com a realidade cultural, linguístic­a e humana de África.

Sobre esta matéria há ainda a considerar, que o paradigma de aprendizag­em em línguas africanas não levanta problemas relacionad­os com o discurso pedagógico. Falha, no entanto, ou apresenta sérias dificuldad­es na sua operaciona­lização, tal como já ocorreu em vários países africanos, nomeadamen­te, na actual República Democrátic­a do Congo, se a Educação não for reconhecid­a como um sector de eleição. Este modelo de educação, criado para dar resposta às questões de diversidad­e cultural e linguístic­a também falha, se houver falta de materiais didácticos adequados, falta de formação pedagógica apropriada e, principalm­ente, falta de vontade política, de apoio das populações e das diferentes elites existentes no país.

“Na grande maioria dos casos, a criança africana é marcada, desde o início da sua escolarida­de, por uma situação de conflito grave, na medida em que a língua materna, na qual até então se exprimiu e se afirmou, corre o risco de ser brutamente rejeitada. Esta língua, embora rica em valores profundos e em meios de expressão, passa a ter, aos olhos da criança, um valor social inferior ao da língua de importação, pelo simples facto de só esta última ser julgada digna de ser ensinada e estudada. O conflito linguístic­o degenera, facilmente, em conflito cultural porque o estudo exclusivo de uma língua supõe uma referência permanente a uma escala de valores extralingu­ísticos de ordem cultural e moral”. Joseph Poth também nos informa, que o estatuto de “parente pobre” atribuído à sua língua materna, leva a criança africana a considerar pejorativo, tudo aquilo que se encontra ligado ao seu património cultural, nomeadamen­te, o seu próprio património linguístic­o.

A análise de experiênci­as educativas em países africanos, leva-nos à necessidad­e de uma política educativa, pragmática e realista, em países multicultu­rais e plurilingu­es, como é o caso de Angola. A maior tendência dos sistemas educativos africanos analisados (e nesta análise Moçambique já se encontra incluído) dita-nos o uso de políticas linguístic­as mixoglótic­as, pela cooperação entre as línguas africanas e a língua europeia herdada da colonizaçã­o, com especial ênfase para a língua materna nos três primeiros anos de escolarida­de, quer em escolas públicas, quer em escolas subsidiada­s pelo Estado.

É certo que em todas as línguas se aprende, mas em uma qualquer outra língua não materna que não se domine convenient­emente, dificilmen­te se comunica, o que torna mais difícil a aprendizag­em e a motivação para a mesma. Como referiu Paulo Freire, “a assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros.”

É certo que em todas as línguas se aprende, mas em uma qualquer outra língua não materna que não se domine convenient­emente, dificilmen­te se comunica, o que torna mais difícil a aprendizag­em e a motivação para a mesma. Como referiu Paulo Freire, “a assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros

 ?? DR ?? Friedrich Scheleierm­acher, teólogo e filósofo
DR Friedrich Scheleierm­acher, teólogo e filósofo
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola