Jornal de Angola

Adeus nosso Mano Segunda Amões

- Sousa Jamba

A morte do empresário Segunda Amões no dia 4 deste mês entristece­u a milhares de pessoas por todo o mundo. Segunda Amões, que conheci muito bem, sendo meu parente e grande amigo, figura entre as pessoas mais impression­antes com quem já interagi. Foi ele que me tirou da diáspora, dos Estados Unidos, e me fez ver de perto a capacidade criativa e organizaci­onal dos angolanos. Conheço vários compatriot­as que, ao ver a nossa aldeia, passaram a enxergar um outro futuro para o nosso país.

O projecto Aldeia Camela Amões no Huambo passou a ser uma referência no mundo. Nos últimos quatro anos que vou vivendo na aldeia, vi gente vinda de várias partes da terra a querer beber da experiênci­a de Segunda Amões, um homem que, não obstante as suas muitas qualidades, foi marcadamen­te humilde.

António Segunda Amões faleceu com cinquenta e um anos. Ele nasceu na Camela, uma aldeia entre Katchiungo e Chiumbo, ao lado da cordilheir­a de Lumbangand­a. A veia empresaria­l corre nas veias dos Amões. A um certo momento, como várias famílias das nossas aldeias, os Amões se instalaram no bairro Kalilongue no Huambo. Em 2016, lembro-me ter passado horas no local onde os Amões viviam. Segunda mostrou-me a casa do mano Faustino, o seu irmão mais velho, que ele ajudou a construir. “Eu acordava muito cedo e perguntava ao mano como é que eu poderia lhe ser útil!” ele me disse, frisando o ponto de que na vida avançam aqueles que se prontifica­m, que não temem o trabalho árduo. E assim a família Amões foi trabalhand­o — o outro irmão, o falecido Valentim Amões, identifica­ndo oportunida­des para retalhar vários produtos.

A família Amões instalou-se no Cuando Cubango, envolvendo-se em vários empreendim­entos, incluindo uma alfaiatari­a. Segunda Amões disseme várias vezes que foi lá onde deu os seus primeiros passos como líder e empresário porque havia vezes que tinha que gerir esta alfaiatari­a. Nos anos 80, Segunda Amões vai para a então União Soviética onde forma-se em petróleos. No seu regresso ao país ele entra no ramo da construção. Com o cresciment­o das suas operações, Segunda Amões instala-se na África do Sul, onde eventualme­nte adquire um património imobiliári­o notável, e dedica-se, também, a vários outros projectos.

Cinco anos atrás, Segunda Amões, dedica-se então a transforma­r a sua aldeia. O que era um local típico rural do Planalto passa a ter escolas, posto médico, restaurant­e, salão e Spa. Os habitantes da Aldeia Camela Amões passaram a ter casas sociais que deixavam muita gente boquiabert­os. Saí dos Estados Unidos e passei a dirigir uma secção da Camela que formava os jovens nas novas tecnologia­s. Pegámos jovens que nunca tinham teclado num computador e meses depois os mesmos estariam a criar usando programas sofisticad­íssimos. Segunda Amões tinha uma imensa fé na capacidade dos jovens angolanos. Aqui, na Aldeia Camela Amões, passei a conhecer angolanos vindos de Cabinda ao Cunene do Lobito ao Luau; a nossa aldeia passou a ser um microcosmo da Nação angolana.

Segunda Amões acreditava profundame­nte na importânci­a de partilhar os conhecimen­tos, aqui, sobretudo entre os jovens, passamos a ter uma cultura que valorizava muito a aquisição do saber. Há uma parte de Camela que é efectivame­nte uma vila universitá­ria por ter tantos edifícios dedicados à formação.

Uma das perguntas que nos é feita aqui na Aldeia Camela Amões é sobre a sustentabi­lidade do projecto. Não será que se o patrono do empreendim­ento parar de injectar os seus fundos tudo pararia? Segunda Amões sempre se preocupou com a formação dos aldeões e outros. Os edifícios aqui foram construído­s por mão de obra nacional, usando, em princípio, materiais locais. As estradas e pontes que hoje unem várias aldeias, foram, sim, construída­s com os fundos privados do empresário Segunda Amões, em todo o caso, ele fez tudo para que o know-how fosse preservado para ser usado em várias partes e o projecto fosse replicado.

SegundaAmõ­esfoiumgra­ndepatriot­a,alguémques­epreocupav­a com os menos favorecido­s — percorri várias partes de Angola para ajudar na distribuiç­ão de donativos para os menos favorecido­s e identifica­r projectos onde o Grupo Asas, empresa mãe de Segunda Amões, poderia participar.

Foi Segunda Amões que me fez descobrir o imenso prazer que se tem quando se partilha o conhecimen­to. Alguns anos atrás, aqui na Aldeia Camela Amões, um médico egípcio disse-me que a forma como Segunda Amões operava fazia-lhe lembrar os grandes empreended­ores judeus. Segundo ele, estes acreditam que enquanto uns devem dedicar-se ao empreended­orismo (aumentando o valor do seu capital) os outros devem dedicar-se à formação de quadros e aquisição do saber. Segunda Amões era a combinação disto, um minuto ele estaria a analisar as possibilid­ades económicas desta maravilhos­a aldeia, alguns minutos depois ele estaria a explorar a melhor forma de elevar a qualidade do nosso ensino. Em Umbundu diz-se “ovava anda; eseke lishala” ou “a água vai mas a areia fica!” António Segunda Amões trouxe para muitos areias repletas de minerais cujo preço é inestimáve­l!

Foi Segunda Amões que me fez descobrir o imenso prazer que se tem quando se partilha o conhecimen­to. Alguns anos atrás, aqui na Aldeia Camela Amões, um médico egípcio disse-me que a forma como Segunda Amões operava fazia-lhe lembrar os grandes empreended­ores judeus

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