Tipo de patologia visto como algo sobrenatural
Para o director do Museu de Antropologia, Álvaro Jorge, esse tipo de patologia é visto, no contexto tradicional angolano, como algo sobrenatural, uma punição dos ancestrais por algum delito que os antepassados da família tenham cometido.
O historiador, especializado em Antropologia, diz já ter ouvido falar em sacrifícios feitos a essas crianças, embora não tenha desenvolvido um estudo sobre a situação.
“São rituais que existem, mas não tenho essa verdade aprofundada. O que sei é que, nas comunidades, existem sempre mitos e crenças. As pessoas já estão formatadas, foram educadas assim. A sereia é um corpo espiritual não associado à vida normal”, disse.
De acordo com Álvaro Jorge, no contexto tradicional, quando nasce uma criança “sereia” têm de ser feitos rituais, geralmente à beira de um rio, invocando ancestrais para que não volte a acontecer algo do género, na família.
“Se, depois desse ritual, não voltar a nascer outra ‘sereia’, as famílias acreditam que os ancestrais perdoaram o delito da família e o ritual teve o efeito desejado”, disse.
Embora tal ritual não garanta que a criança seja curada, o antropólogo ressalta a importância do mesmo para as famílias rurais.
“Trata-se de uma comunicação que têm com os antepassados, que depois comunicam com um ou mais membros da família, através de sonhos. As famílias rurais acreditam nisso, sobretudo se não se repetir, se não nascer mais uma criança com essa patologia, depois disso.
O antropólogo realça que tais práticas entram em contradição com os procedimentos religiosos.
“Desde a primeira relação do pacto Cristão, estabelecido entre Portugal e o Reino do Congo, marcado pelo baptismo de Mani Kongo, rei do Soyo, seguido do baptismo de Nzinga Nkuvo, rei do Kongo, baptizado com o nome de D. Afonso II, esse baptismo obrigava a abdicar das crenças, dos feitiços e de algumas práticas culturais que chocavam com a religião Cristã”, lembra.
Questionado sobre a existência do feitiço, o historiador e antropólogo apontou para vários estudos que confirmam essa realidade.
“Muitos estudos apontam para a existência do feitiço. Se falar da cultura espiritual, da religião, intrinsecamente, estaremos a falar do feitiço, que é um dos elementos da religião africana”, disse.
Álvaro Jorge, que já surpreendeu pessoas dentro do Museu de Antropologia à procura de objectos como máscaras, para realizar feitiços, divide essa prática em, pelo menos, duas categorias: o feitiço defensivo e o feitiço ofensivo.
“O primeiro serve para o indivíduo se proteger de possíveis ataques espirituais. O ofensivo serve mesmo para atacar outrem, mesmo sem motivo. Pode ser simplesmente porque não vai com a ‘cara’ de alguém, por inveja, porque essa pessoa está a sobressair na vida, então manda um ‘mau vento’ que pode, inclusive, acabar com a vida do lesado. Já recebi no museu pessoas provenientes de outras províncias, orientadas por quimbandeiros a vir buscar máscaras Tchokwe, para terminar um ritual de feitiçaria. Geralmente saem do museu frustrados, porque as peças estão completamente protegidas”, revelou o antropólogo.