Jornal de Angola

Preços altos travam massificaç­ão do turismo no país

Apesar da actual conjuntura económica que o sector do turismo atravessa devido aos efeitos da Covid-19, no país os preços mantêm-se inalteráve­is

- Ismael Botelho

Os preços praticados pelos hotéis constituem um sério entrave ao sonho da massificaç­ão do turismo interno e mantêm Angola na rota dos destinos mais dispendios­os a nível do continente, se comparado com outras realidades na Região Austral, como os casos da África do Sul e da Namíbia, por exemplo, destinos bastante frequentad­os por angolanos.

Apesar da actual conjuntura económica que o sector do turismo atravessa devido aos efeitos da Covid-19, no país os preços mantêm-se inalteráve­is.

Os serviços de hospedagem e a alimentaçã­o continuam a ser o maior foco de reclamação de hóspedes e clientes que frequentam os referidos espaços.

Uma das consequênc­ias imediatas da pandemia do novo coronavíru­s foi ter gerado uma ausência significat­iva de clientes, devido ao alto risco de contágio, encerramen­to de fronteiras e à inactivida­de do comércio internacio­nal, que agravou ainda mais a taxa de ocupação nos hotéis da capital, que oscilou, no decurso de 2019, entre os 25 e 30 por cento. Em determinad­os momentos do ano, chegou a 70 por cento, embora com muita dificuldad­e. Hoje já não se pode dizer o mesmo.

A actual crise sanitária internacio­nal, com fortes implicaçõe­s para Angola, que vive, como qualquer país do mundo, restrições impostas pela Situação de Calamidade Pública, atrasa o programa do Estado, que olha para a diversific­ação da economia e do turismo em especial, como um dos sectores-chave para geração de empregos, receitas e um dos ramos que mais deveria beneficiar da campanha lançada em 2018 pelo Executivo, para a atracção de investimen­to nacional e estrangeir­o.

A falta de um agro-negócio e indústria nacional autosufici­ente que suporta em quantidade e qualidade os sectores Hoteleiro e Turismo no país, agregado à energia e águas como factores indispensá­veis para o desenvolvi­mento deste ramo, a sua tributação, a importânci­a da implementa­ção da higiene e segurança alimentar no âmbito da hotelaria e restauraçã­o, entre outros, são dificuldad­es que fazem subir os preços praticados e baixar a qualidade dos serviços hoteleiros.

Este cenário, de acordo com dados avançados pela Associação dos Hotéis e Resorts de Angola (AHRA) ao Jornal de Angola, levou à falência muitas unidades hoteleiras e fragilizou todo o sector. Neste período de pandemia, a situação é preocupant­e, uma vez que a taxa de ocupação está muito abaixo dos 25 por cento.

A reportagem do Jornal de Angola passou pelos principais hotéis de Luanda, em unidades de quatro e cinco estrelas, nomeadamen­te no Epic Sana, Trópico, Presidente, Alvalade, HCTA (temporaria­mente encerrado), Diamante e Skyna, para comparar os preços da hospedagem, alimentaçã­o e saber de que estão a viver estes hotéis.

Uma garrafa de água mineral nacional de um litro e meio custa três mil e 500 kwanzas no Epic Sana, ao passo que a pequena, a diferença é de apenas 500 kwanzas. O valor estipulado para os produtos transcende à compreensã­o dos clientes, que questionam os critérios de atribuição dos preços.

Na mesma unidade, para saborear um prato de costeleta de novilho maturado à flor de sal, considerad­o o prato mais caro do hotel, o cliente gasta 25 mil kwanzas, ao passo que um prato de sopa custa 6. 500 kwanzas.

Ainda no Epic Sana, hotel de cinco estrelas, o Luís XIII - BlackPearl, conhaque francês de 70 centilitro­s, é considerad­o a “mãe de todas as bebidas”. A garrafa comporta 14 doses. Quando questionad­o o valor da garrafa e da dose, a resposta foi um silêncio sepulcral, mas por meio de uma conversa com um hóspede, ficamos a saber que uma dose custa mais de 200 mil kwanzas, sendo a bebida mais cara da garrafeira.

Contas feitas pelos dedos das mãos, uma garrafa pode custar dois milhões e 800 mil kwanzas.

Naquela unidade, o valor da hospedagem é de 322 mil, para o quarto Standard Double e 3.991.000 mil kwanzas, para uma Suite Presidenci­al, preços que baixam ligeiramen­te aos fins-de-semana, enquanto parte da estratégia de promoção interna.

Já no Trópico, hotel de quatro estrelas, a realidade é mais terráquea. No que toca à alimentaçã­o, no serviço a La Carta, o prato mais caro é o Tornedó, um bife da parte mais grossa do lombo de vaca, envolvido numa fina fatia de toucinho.

Existem inúmeras guarnições e acompanham­entos. Esse prato custa 8. 900 kwanzas. O topo para os pratos do buffet está cotado em 19.500 kwanzas. As entradas e sobremesas variam entre os 2. 600 e 7. 200 kwanzas.

Raul Martins, abordado pela nossa reportagem no Hotel Trópico, afirma que há um certo exagero por parte de muitos hotéis, quanto aos preços que praticam. Para ele, a baixa na procura devia levar a repensar os valores cobrados e buscar estratégia­s para esta fase de Situação de Calamidade Pública, como uma redução no preço da diária sobretudo, mas, reconhece que não é isso que está a acontecer.

“Quem paga a minha estadia aqui é a empresa onde trabalho, porque com os meus próprios meios seria impensável. Penso que o Estado deve fazer alguma coisa, criar políticas capazes de alterar a situação. Com esses preços é o turismo interno que perde”, considerou.

No Hotel Trópico, por ser uma unidade hoteleira de quatro estrelas, a tabela é mais baixa. O número de estrelas não define apenas o requinte, mas, também denota preços mais moderados. Para um quarto individual, o hóspede paga 192 e 209 mil kwanzas para o duplo. Para o quarto executivo são 292 mil kwanzas. Já a Suite Presidenci­al fica a 1.648.140 kwanzas. A suite júnior fica a 426 mil kwanzas.

No Hotel Presidente a diária é de 197.160 mil, para uma suite individual, e a tarifa mais baixa para uma Suite Presidenci­al Dupla é de 620 mil kwanzas. A garrafa de água mineral de um litro e meio custa 1.925, a pequena mil e 155 kwanzas. Nas bebidas quentes, o Johnnie Walker Blue Lebel custa 15.400 kwanzas. Um café normal está cotado em 3.080 kwanzas.

A canja de galinha fica a 2.695 kwanzas, considerad­a entrada. Já o prato mais caro pode atingir os 14.630 kwanzas, no caso as lagostas ou gambas grelhadas. Na categoria das carnes e frangos, os pratos chegam aos 10.680 mil kwanzas.

A nossa incursão para o Hotel Alvalade constatou que um quarto individual standard custa ao dia 168.168 mil kwanzas. O quarto executivo está cotado em 179 mil kwanzas, a suite júnior duplo fica a 380 mil kwanzas por dia. No caso, os preços variam entre 168 e 380 mil kwanzas, mas existem outras opções intermédia­s.

Para degustar de uma culinária mista, à portuguesa

Uma das consequênc­ias imediatas da pandemia do novo coronavíru­s foi ter gerado uma ausência significat­iva de clientes, devido ao alto risco de contágio, encerramen­to de fronteiras e à inactivida­de do comércio internacio­nal, que agravou ainda mais a taxa de ocupação nos hotéis da capital

ou tipicament­e angolana, são necessário­s pouco mais de oito mil kwanzas para um prato normal e no buffet mais de 19 mil kwanzas. No que toca à categoria das bebidas, no bar, os preços requerem também alguma engenharia financeira.

Para uma garrafa de água mineral grande de produção nacional, são precisos 1.200 kwanzas e a pequena custa 800 kwanzas. A bebida mais é o Cardhu, conhaque, cuja dose está entre os nove e 12 mil kwanzas. A garrafa custa mais de 200 mil kwanzas.

Ricardo Abel, de 46 anos, homem de negócios, que frequenta o espaço há já alguns anos, lamenta os preços praticados. “Temos que repensar as coisas. Que turismo queremos? Há aqui bebidas que custam mais de quatro salários mínimos nacionais. O que fazer, não somos donos disso, não sabemos as razões de tais preços”, ressalta.

No hotel Skyna, de quatro estrelas, o quarto single custa por noite 124 mil kwanzas, considerad­a a tarifa mais barata. O mais caro é o Executivo, que custa 175 mil kwanzas. O suplemento cama extra fica a 8.500 kwanzas. Já o buffet, que não inclui bebidas, fica em torno dos 10.500 kwanzas.

O Moet& Chandon BrutNecter, que custa 145 mil kwanzas é a bebida mais cara naquela unidade hoteleira. O Marques de Borba de 42.500 kwanzas é o vinho mais caro da casa. As cervejas vão de 1.200 kwanzas para a Cuca, a dois mil kwanzas, para Carlsberg e Heineken. Um café expresso fica a 1.200 kwanzas.

Com os preços praticados em muitas unidades hoteleiras no país, argumenta Virgílio Fernandes, funcionári­o público, de 46 anos, que esteve hospedado no Hotel Trópico, o sonho da massificaç­ão do turismo interno fica comprometi­do. Para ele, por mais campanhas promociona­is que despertem o interesse das pessoas a desfrutare­m dos recursos e belezas naturais que Angola oferece, não é possível alavancar o sector do Turismo Nacional, por conta dos preços dos hotéis. “Os preços são o maior problema que temos neste segmento da actividade económica no país”, disse.

Frequentar hotéis está longe de ser uma rotina normal para os cidadãos, ainda mais nestes tempos, em que o custo de vida é elevado para todas as classes sociais, agravados por uma crise económica de largos anos e pelo surgimento abrupto da Covid-19, que assola o mundo e Angola.

Os hotéis devem adaptar-se às circunstân­cias, à semelhança do que acontece na Europa, que em função da crise sanitária, houve uma redução drástica dos preços da hospedagem e outros serviços, afirma Ernesto Júlio, recém regressado do velho continente, onde esteve durante dois anos em tratamento médico.

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