As bolhinhas são a melhor recompensa
Napoleão Bonaparte e Winston Churchill continuam a disputar a frase histórica acerca da importância do champanhe: “Na vitória merece-se, na derrota precisa-se.” É quase certo que foi o primeiro o autor original, mas importante mesmo é que as bolhinhas são e serão sempre fonte de vida e alegria. Viva o espumante! Artigo do Diário de Notícias
Num documento precioso e de leitura histórica leiloado há pouco tempo, está lavrado o que, no tempo do exílio do imperador Napoleão, após a derrota na batalha de Waterloo, ele e o seu staff recebiam diariamente em Santa Helena. Nos líquidos, dez garrafas de Clarete (Bordéus), três de Graves, vinhos doces, destilados e... uma garrafa de champanhe. Bonaparte não podia ter assumido melhor a sua própria máxima de que as bolhinhas são merecidas nas vitórias e necessárias nas derrotas. Da copiosa lista de home delivery - é assim que se diz agora - citada depreende-se que o grande imperador deposto lhe fez total justiça, é mais do que óbvio que a única garrafa diária de champanhe era para ele; o champanhe que, após a pesada derrota, todos os dias mereceu.
A origem
O termo está um tanto aviltado, já que só devemos chamar champanhe ao espumante feito na região francesa de Champagne. A punição para os prevaricadores é forte e compreendese que assim seja, trata-se afinal de património. Esse é mesmo o aspecto crucial. Os caprichosos vinhedos nos cocurutos de França são os únicos no mundo inteiro onde se consegue boas maturações fenólicas cedo, em relação à média das companhias vitivinícolas no Velho Continente e isso quando o álcool potencial é relativamente baixo.
Em qualquer parte do mundo, isso significaria “colher verde”, mas no muito específico caso da região de Champagne apresentam equilíbrio perfeito entre açúcar e taninos. A sensação de engolir um champanhe que é tão fino e leve que nem o sentimos escorrer na garganta é única destas paragens e está aí a sua magia. Regenera, não pesa e dá muito prazer. Claro que, como acontece nas outras regiões do mundo, não há só casos fantásticos, há também maus e até francamente maus. Mas o peso da responsabilidade das grandes casas é tão grande, que não se corre sequer o risco de falhar: os champanhes de primeira linha são perfeitos.
O método dito champanhês é o mais relevante no cenário mundial dos espumantes e consiste, primeiro, na produção de um vinho de base que se engarrafa juntamente com leveduras, provocando uma segunda fermentação do néctar. O dióxido de carbono libertado como produto da reacção permanece dentro da garrafa, originando a natureza gasosa que reconhecemos à bebida. O trabalho das leveduras continua e o resultado da sua defecação é eliminado no momento do dégorgement, que acontece quando se substitui a carica provisória por uma rolha de cortiça definitiva.
O quadro clássico que conhecemos das fotos de adegas de estágio de espumantes, com as garrafas com os gargalos para baixo, corresponde a fases de estágio e visa a acumulação dos produtos da reacção junto à carica. Ao longo desse período de estágio, vai-se rodando cada garrafa para ir soltando o depósito e garantir que no instante da substituição da rolha o líquido fica cristalino. Claro que estamos a simplificar muito, a descrição é apenas para ter a noção da complexidade presente na produção de um bom espumante.
Há formas de aligeirar custos e trabalho, como por exemplo injectar artificialmente o dióxido de carbono, em vez de esperar pela reacção natural, mas o resultado está longe de ser tão bom. Salon, Boerl & Kroff, Louis Roederer, Armand de Brignac e Dom Pérignon são marcas míticas, e nos seus topos de gama apresentam garrafas de mais de cinco mil euros cada. São símbolos de luxo e elas próprias são também obras de arte, de colecção. Mas são bebidas perfeitas. Bolha muito fina, mousse perfeita e um rendimento de sabor para lá de exótico, promovendo a harmonização com iguarias igualmente exóticas. Caviar, trufas e foie gras são maridagens frequentes, sobretudo quando o dinheiro não é problema. E dinheiro a este nível raramente é problema, o champanhe traz consigo todo um manto de vaidade, ostentação e exibicionismo que pouco ou nada têm já que ver com o exercício da mesa e da prova. Mas isso é outra conversa.