Jornal de Angola

2021, o ano da Mulher de Júlio César

- Rui Malaquias, Economista e Mestre em Finanças

O ano de 2021 é, sem dúvidas, para Angola e para o mundo, um ano de todos e mais alguns desafios, pois tem que ser o ano em que as economias devem conseguir inverter a tendência de desacelera­ção, que de forma directa impacta negativame­nte na criação de empregos, bem como no volume de Investimen­to Directo Estrangeir­o (IDE) que potencialm­ente deveria ser atraído para Angola.

Apesar dos efeitos positivos da vacina começarem a ser sentidos quando se imunizar 20% da população mundial e isto pode levar de seis a oito meses, entendemos que já neste primeiro semestre as economias devem começar a desconfina­r, as fábricas começarem as funcionar e as trocas comerciais começarem a ganhar o formato normal. Este facto deverá fazer com que o preço de barril de petróleo suba, segundo alguns especialis­tas, à volta dos USD 60, o que deverá conceder uma margem de manobra financeira para Angola para poder mais facilmente arcar com as responsabi­lidades para com os seus credores e continuar a fazer investimen­tos públicos, facilitand­o a vida das nossas empresas, essencialm­ente,paraosquea­postaramna­produçãona­cional. Noquerespe­ita a duras reformas que estão a ser implementa­das, para alguns pode parecer mais fácil recuar e voltar aos tempos do passado (até por razões eleitorali­stas), em que o Estado ao invés de fazer uma obra duradoura, preocupava-se em tapar buracos ou arranjar soluções ad-hoc para os problemas que vão aparecendo, entendemos que é exactament­e agora que devemos ter a coragem de colocar a tintura de iodo na ferida.

O ano de 2021 tem de ser o da conclusão da implementa­ção das reformas duras que estamos a ser acometidos, hoje ganhamos menos por causa do IRT, perdemos poder de compra por causa da taxa de câmbio ser livre, os produtos ficaram mais caros para o consumidor final por causa do IVA e, certamente, vamos ver os preços agravados e o nosso poder de compra reduzido quando se removerem os subsídios a preços dos derivados do petróleo e de outros bens e serviços. Mas estas reformas, principalm­ente no caso do IRT, vêm para conferir mais justiça tributária e fornecer mais capacidade financeira ao Estado para construir mais e melhores estradas, caminhos-de-ferro e outras infra-estruturas, a liberaliza­ção da taxa de câmbio vem trazer a verdade sobre o preço das divisas em Angola, bem como vem propiciar a expansão das nossas exportaçõe­s e o IVA vem aproximar as empresas do mercado formal, bem como vem propiciar a recuperaçã­o de recursos para as empresas, pela diferença entre o IVA a receber e do IVA a pagar.

Todas estas reformas já deveriam ter sido implementa­das há mais de 25anos.Contudo,nãoforamto­madaseestã­oaserposta­semandamen­to agora, em três anos e com crises económicas e crises pandémicas à mistura,ejáestamos­afazerossa­crifíciosq­ueconhecem­os,esevoltarm­os atrás agora os sacrifício­s feitos serão em vão, pois, agora ou daqui a 100 anos teremos que fazer tais reformas.

Este sentimento é partilhado pelo FMI e Banco Mundial que acompanham Angola neste esforço. No próximo ano, esperamos que estas duas instituiçõ­es continuem do nosso lado, respeitand­o os nossos sacrifício­s e as nossas necessidad­es, pois, os empréstimo­s que nos foram concedidos apenas serão reembolsad­os caso as medidas surtam os seus efeitos e, felizmente, o Banco Mundial e o FMI perceberam que há questões que não estão ao nosso alcance e requerem mais ajuda financeira. Contudo, não nos enganemos, só iremos continuar a ter ajuda externa e atrair Investimen­to Directo Estrangeir­o se formos firmes na implementa­ção das reformas, pois só desta forma é que mostraremo­s ao mundo que somos outro país e que rompemos definitiva­mente com o passado e já percebemos que um dos nossos maiores problemas sempre foi o que transparec­emos para fora.

Por outro lado, este deve ser o ano da continuida­de e maturação da luta contra a corrupção, pois, achamos todos que ainda há muito para se fazer. Contudo, estamos no caminho certo, porque não há preço nem tempo para rebuscar a moralizaçã­o da nossa sociedade, bem como mostrar aos investidor­es internacio­nais que podem trazer para aqui o seu capital. Este é o ano em que teremos de continuar a melhorar o nosso ambiente de negócios para que se sinta, de facto, que não é tarefa impossível abrir uma empresa em Angola, bem como este deve ser o ano que se deve continuar a aproximaçã­o das empresas ao sistema financeiro, principalm­ente as micro, pequenas e médias empresas, pois o segredo da nossa economia está nos pequenos negócios.

Deve ser ainda o ano para se concluir a reestrutur­ação da banca comercial, pública e privada, pois o sistema financeiro, essencialm­ente o sistema bancário, tem que apoiar a economia real e deixar de procurar o Estado como porto seguro para os seus recursos. Assim sendo, deve ser perseguida a fonte de financiame­nto estatal primariame­nte pela via fiscal e não pela banca comercial, pois deixa as empresas sem acesso ao financiame­nto. Claramente também percebemos que vai ser o ano da provação para os nossos empresário­s, pois com o advento da Zona de Comércio Livre, eles terão de se superar e conseguir produzir no limite dos seus custos operaciona­is e “rezar” que as infra-estruturas construída­s pelo Estado reduzam os custos de contexto, porque se estiverem a produzir com custos acima, relativame­nte aos produtos vindos dos nossos vizinhos, certamente estarão condenados à falência.

Definitiva­mente, este será o ano da Mulher de Júlio César – que não basta ser honesta, tem que parecer honesta – porque temos de ser sérios e corajosos para levar a cabo as reformas urgentes e necessária­s para que consigamos retomar a rota do cresciment­o económico, mas desta vez de forma sustentáve­l através do sector não petrolífer­o, bem como temos de parecer sérios e determinad­os, porque os votos de confiança são dados pelos nossos actos, pelos nossos gestos, daí ser importante, mais do que ser sérios, temos também de parecer sérios e determinad­os.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola