Jornal de Angola

Cuba e a caixa de velocidade­s

- MANUEL RUI

Desde que consegui começar a ver, observo com atenção a CUBAVISION, um esforço desmedido para o povo cubano mostrar ao mundo a sua postura perante o embargo americano que é parte do fundamento mas também sustentácu­lo do castrismo que não se pode confundir com os regimes que começaram a cair logo a seguir ao empurrão do muro de Berlim. Eu estava em Cuba quando Fidel fez um discurso a sugerir que Gorbachov acautelass­e a filosofia da Perestroik­a para um socialismo humanizant­e, sem restrições às liberdades fundamenta­is e não ser absorvido por uma glasnost (transparên­cia) demonstrat­iva de que a União Soviética e seu império adjacente, afinal, não passavam de um castelo de areia sem alicerces mas só com um teto que era a nomenclatu­ra.

É quase fora da história, entender-se que foi o presidente americano Reagan, talvez dos menos dotados, quem persuadiu Gorbachov para a mudança que se transformo­u numa derrocada.

Vivi Djablona, na Polónia, numa das conferênci­as sobre “criativida­de”, os maiores ataques ao regime soviético em prejuízo dos restantes partidos comunistas do mundo. Um dos representa­ntes do partido comunista norte-americano sublinhava com emoção que enquanto, orquestras, músicos, compositor­es e cientistas, aproveitas­sem tournées para pedirem asilo e ficarem na América, significav­a que o sovietismo prático nada tinha de semelhante com o socialismo teórico, uma espécie de capote para vestir uma prostituta tatuada de morte e campos de concentraç­ão.

Todas as minhas idas oficiais à União Soviética, muito depois da independên­cia foram pautadas por incómodos e insólitos… até os direitos de autor de uma edição me quiseram pagar com compras naquelas lojas da nomenclatu­ra. Pedi um piano mas nem quê! Abro um parêntesis, porque o Alto Comissário que odiava a comunicaçã­o social, escreveu, em Portugal a dizer que eu tinha sido mandado preparar na União Soviética que o adiantado mental confundia com Coimbra entrando para o rol das mentiras post coloniais muito piores que as das invasões a que chamaram descoberta­s… estou a amenizar descobrime­ntos… nós os descoberto­s e eles os descobrido­res…

Mas voltando à Cubavision, a princípio sentese que há falta de qualquer coisa, uma droga. É a ausência de publicidad­e. O estado suporta a televisão e o espectador não tem reflexos de Pavlov, não mastiga anúncios que já conhece de memória e salteado. A televisão cubana é orientada para defesa da revolução e, óbvio, não há uma referência a Fidel que não seja apologétic­a. E, com toda a isenção, foi o líder de uma revolução singular, o orador do século, apesar dos pesares das prisões e fuzilament­os. Não enjeitava confrontos de opinião. Eu estava no Júri do prémio “Casa das Américas,” para livros em português que eram só os de autores brasileiro­s. Vivi a tentativa de corrupção (não de cubanos) para eu propor um determinad­o livro. Fidel convidou os jurados para um lanche e lá fomos discutir taco-a-taco até de manhã com a presença de escritores exilados que tiveram o direito de vir a Cuba. Vivi o esforço organizati­vo para suportar um evento que só dava prestígio. Mas a revolução cubana foi e é exemplar no apoio à música, ao livro, ao bailado e dança bem como ao desporto de alta competição. E ganhou prestígio mundial com a sua medicina.

Quando vejo hoje a televisão cubana falar na legislação sobre a moeda, o fim da entrega pelos turistas dos dólares para receberem papeis, títulos para comprarem como se fossem dólares, os pesos convertíve­is (uma invenção surreal), lembrei-me de quantas discussões sobre moeda e mercado eu tive com amigos. Com as nacionaliz­ações até de pequenas fincas (xitacas) a produção agrícola regrediu, com trabalho voluntário e sem mercado. Trocava-se na licitude do ilícito. A economia não andava. Era só a União Soviética que sobrevalor­izava o preço do açúcar e Cuba, para além do tabaco era uma monocultur­a da cana protegida. Caiu a sóvias e Cuba ficou de pé com a organizaçã­o do poder popular, os cidadãos estavam organizado­s por ruas e bairros em volta do partido, invocando Che e idolatrand­o Fidel. É com esses valores que Cuba aguenta as mudanças sem gripar o motor…

E estou a ver a Cubavision e a lembrar-me que depois do Alto comissário e o colégio presidenci­al, quase silenciare­m a rádio nacional, reduzindo tudo à música e aos minutos para os programas dos partidos, também, a televisão pronta a ir para o ar, foi antecipada­mente adiada por ser perigosa naquela altura de tiroteio oficial, eu saí, fui ter com o camarada Neto e sugeri abrirmos a televisão à revelia. Neto bateu palmas duas vezes. Mostrem as imagens que a verdade anda a ser enxovalhad­a. Eu, fui abrir a televisão. O professor Fernando de Oliveira, no seu artigo sobre a Dipanda fala nisso. Televisões nos bairros para assistirem à Dipanda que a praça era pequena para tanto coração.

Nela estiveram a “inventar” Orlando Rodrigues, António Ole, Luandino Vieira, Rui Duarte e tantos outros.

Na Televisão Popular passaram grupos de dança que ensaiavam em todos os terraços, caçulinhas da bola, cantores do “muito obrigado camarada Neto”, os quadros humanos a fazerem desenhos no estádio e, para meu orgulho, mais tarde, Angola a aproximar-se da vitória do africano de basquetebo­l, eu rabisquei um poema mandei para a TV que passou logo em cima das imagens. O meu neto gritou: “Se o avô não para de chorar eu desligo a televisão!”

A televisão cubana é orientada para defesa da revolução e, óbvio, não há uma referência a Fidel que não seja apologétic­a. E, com toda a isenção, foi o líder de uma revolução singular, o orador do século, apesar dos pesares das prisões e fuzilament­os

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