Covid-19 interrompeu Muzonguê da Tradição
Há mais de uma década que o Centro Recreativo e Cultural Kilamba realiza o Muzonguê da Tradição, um projecto revivalista da Música Popular Urbana Angolana, com Estevão Costa como anfitrião. Mas em 2020 a pandemia da Covid-19 forçou à interrupção da programação cultural, com o Muzonguê da Tradição no topo
Autêntica catedral da música angolana, o Centro Cultural e Recreativo Kilamba é um santuário dos ritmos e ambientes tipicamente mwangolê, onde grandes passistas riscam o chão ao som dos conjuntos e artistas do antigamente, bem como de jovens que recriam “cassetes” antigas.
O recinto tem um histórico relacionado com a valorização dos ritmos e da cultura nacional. Antes da sua actual configuração, nos primeiros anos da nossa Independência, acolheu a Rebita Dr. António Agostinho Neto, grupo que durante uma época deu o nome ao centro que também acolhia os jovens do Rangel e arredores durante o período de apresentação ao serviço militar obrigatório.
Outro nome do espaço é Maria das Escrequenhas, em homenagem a uma antiga proprietária e entusiasta da Rebita, que reunia dançarinos. Conhecida por valorizar a cultura angolana, algo que é pouco explorado quando se fala de mecenato, Maria das Escrequenhas era uma dama de salão. O que foi explicado do seguinte modo por um dos moradores mais antigos das proximidades do Centro Cultural Kilamba: “era um local onde senhores brancos não se contentavam apenas em apreciar as umbigadas das bessanganas, sempre na base do respeito e do consenso”.
Ao longo do ano passado e neste Janeiro, mês em que, no oitavo dia, é celebrado o Dia da Cultura Nacional, foi e é notória a ausência de actividades no Centro Cultural e Recreativo Kilamba, que tem no Muzonguê da Tradição o “prato forte” da sua programação. É de recordar que no ano passado, precisamente no dia 25 de Janeiro, quando ainda não se falava da pandemia da Covid-19, foi inaugurada a Galeria do Semba, projecto gizado para complementar o Muzonguê.
A Galeria do Semba é um espaço situado no Centro Recreativo e Cultural Kilamba que tem como propósito conservar a memória da música popular angolana. Os pesquisadores, amantes e entusiastas da música e cultura angolana Jomo Fortunato (actual ministro da Cultura), Carlos Lamartine, Pitra Neto, Dj Mania e Estevão Costa empenharamse na materialização deste espaço de valorização da música angolana, com realce para o Semba.
A única actividade mediática que aconteceu no Centro Recreativo e Cultural Kilamba no ano passado foi uma iniciativa de Rosa Roque, a directora da Galeria do Semba. A actividade aconteceu em momento de apertado confinamento, em Setembro, numa homenagem aos saudosos Carlos Burity e Waldemar Bastos. No concerto transmitido pela televisão e por “livestream” participaram os artistas Carlos Lamartine, Bruno Netho, Gari Sinedima, Bela Chicola, Gersy Pegado, Mister King e uma banda liderada por Lito Graça.
O conceito de reunir, aos domingos de manhã, artistas e entusiastas ao som da música começou com a migração do projecto Caldo do Poeira do refeitório da RNA para o Centro Recreativo e Cultural Kilamba. As homenagens às principais referências da música e cultura angolanas levaram ao recinto figuras políticas nacionais, despertaram a curiosidade do corpo diplomático e da comunidade estrangeira residente. Aliás, o Jornal de Angola registou casos de estrangeiros que vieram propositadamente a Luanda para tomar o caldo e desfrutar de toda a envolvência do Muzonguê da Tradição. No Kilamba, não há partidarismo. Dirigentes dos diferentes partidos políticos partilham as mesmas baladas e farram esquecendo as diferenças. Jornalistas reformados e altas patentes militares e policiais à paisana riscam o chão como sabem e podem, sem kijila. Tudo muito angolanamente.
Que este 2021 volte a levar toda esta malta ao Kilamba e que o conceito Muzonguê da Tradição seja reproduzido. Isto, claro, augurando que a Covid-19 seja parte do passado.