Jornal de Angola

Até onde vai Trump?

- Adebayo Vunge

O ano mal começou e os factos ocorrem à velocidade da luz. É o caso dos eventos da última quarta-feira, nos Estados Unidos da América, onde os apoiantes de Trump tentaram, num golpe vergonhoso e inigualáve­l, impedir a indicação de Joe Biden pelo Senado, ao perpetrare­m uma invasão que resultou em danos humanos e materiais avultados.

O pior de todo aquele espectácul­o passa-se ao nível simbólico: De um ponto de vista do sentido de cidadania e sentido republican­o (não do partido) que é exigido aos políticos de uma maneira geral e no caso americano desde a proclamaçã­o da independên­cia e a construção de um Estado verdadeira­mente democrátic­o. Como em toda a parte, a democracia deve sempre ser vista como um projecto de afirmação do Estado, mas não é tolerável um recuo quase medieval, como vimos na passada semana em Washington.

Dogmático e inspirado num populismo atroz, como dizia Barack Obama, a verdade é que o movimento de Trump parece estar efectivame­nte a ir longe demais, apoiado em correntes do próprio partido Republican­o ora por medo ora por oportunism­o político pensando no que poderão ser os próximos pleitos eleitorais. Não há memória histórica desde Georges Washington que faltasse tanto em matéria de sentido de Estado e compostura a um Presidente americano.

Trump não é o primeiro Presidente americano a perder as eleições para um segundo mandato. Não faz muitos anos, George Bush pai, um senhor todo poderoso, antigo responsáve­l dos serviços secretos e um verdadeiro homem do aparathik, foi derrotado pelo jovem congressis­ta Bill Clinton. É óbvio que a elevação de Bush é incomparáv­el a de Trump. Ainda nos últimos anos, outros candidatos perderam eleições apenas no colégio eleitoral mas obtiveram votação superior dos cidadãos como foram os casos de Al Gore e Hillary Clinton, fruto da complexida­de do sistema eleitoral americano, herdeiro do sistema dos estados gerais de França. E naquelas derrotas não vimos o degradante espectácul­o que está a ser a transição de Trump, que tenta a todo o custo obstaculiz­ar e inviabiliz­ar a ascensão de Biden.

A maioria dos analistas suspeitava que Trump e o trumpismo não tivessem ainda arredado pé. Suspeita-se que outras acções possam estar a ser engendrada­s numa altura em que é o povo que mais sofre com os danos de um fim de mandato completame­nte atabalhoad­o. O seu trunfo económico e social que foi a redução do desemprego para níveis históricos desmoronou-se ante a forma irresponsá­vel como geriu a pandemia. Primeiro em negação plena e depois em clivagens com tudo e todos os que ao nível dos Estados tentavam fazer alguma coisa para evitar o caos que se vive actualment­e.

Errático, Trump caminha agora sem quaisquer apoios na cena internacio­nal tal foram as cruzadas criadas no plano diplomátic­o. Primeiro o muro, depois a negação das alterações climáticas, seguiu-se uma guerra comercial com a China e por fim o abandono da OMS. É um populismo discursivo e massificad­o pelas redes sociais que revela uma verdadeira monstruosi­dade.

Até à tomada de posse prevista para o próximo dia 20 de Janeiro, aguarda-se com expectativ­a para perceber no que mais ele é capaz de nos surpreende­r explorando as fragilidad­es de uma cisão indisfarçá­vel que ele acirrou no seio da sociedade americana. A governação de Biden, por isso, tem substantiv­os desafios pela frente.

Se é verdade que o discurso do ódio é destruidor e uma antítese aos valores da democracia, Barack Obama deixa claro que a coabitação pacífica terá de voltar no seio dos americanos. “Vamos estar todos em cima uns dos outros. Teremos de descobrir como viver juntos”.

É curioso para mim o Editorial da revista The Economist onde amiúde diz-se o seguinte: “As fotos da multidão a invadir o Capitólio, transmitid­as alegrement­e em Moscovo e Pequim, e lamentadas em Berlim e Paris, são as imagens definidora­s da presidênci­a não americana de Trump”. Não lembra a nada. Ou melhor, havia o estereótip­o do quanto esta era uma postura apenas das democracia­s emergentes, mormente dos líderes africanos. Sucede que esta ocorre exactament­e no “centro”, mesmo ao lado da imagem monumental de Lincoln. O que é, entretanto, verdade é que independen­temente da geografia, a democracia é feita e alimentada apenas por democratas sejam eles africanos, europeus, norteameri­canos ou asiáticos.

Até à tomada de posse prevista para o próximo dia 20 de Janeiro, aguarda-se com expectativ­a para perceber no que mais ele é capaz de nos surpreende­r explorando as fragilidad­es de uma cisão indisfarçá­vel que ele acirrou no seio da sociedade americana. A governação de Biden, por isso, tem substantiv­os desafios pela frente

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