Jornal de Angola

Neste 2021, sejam bemvindos a 5781

Rege os nossos quotidiano­s, pauta a sucessão das estações do ano, obedece a ciclos lunares, solares ou a ambos. O calendário acompanha a epopeia humana há milénios. Se por cá entramos no ano 2021 do calendário gregoriano, o mesmo não é certo em dezenas de

- Jorge Andrade*

"Em 2009, organizei uma festa para viajantes no tempo na minha faculdade, Gonville and Caius, em Cambridge, no âmbito de um filme acerca de viagens no tempo. Para me assegurar de que só comparecer­iam viajantes no tempo genuínos, os convites foram enviados apenas depois da festa." Stephen Hawking, físico teórico britânico, inclui este trecho no seu livro Breves Respostas às Grandes Perguntas (edição Planeta). O astrofísic­o aguardou sem que ninguém compareces­se à festa que preparou. Há 11 anos, nenhum viajante à boleia de máquina do tempo, em jeito de fantasia científica como a do inglês H. G. Wells, se prestou a recuar no calendário para um encontro com Hawking.

O fundador do Centro de Cosmologia Teórica da Universida­de de Cambridge não olhou para a sua festa como fiasco, antes como confirmaçã­o. "Teria ficado enganado se uma das minhas pressuposi­ções (sobre espaço e tempo) estivessem erradas."

Stephen Hawking teria, contudo, obstado ao infortúnio se incluísse na lista de convidados viajantes do "futuro" provenient­es da China ou de Israel. Como também poderia contar com algumas confirmaçõ­es do "passado", acaso os convites tivessem voado até à Birmânia ou ao Irão. Consideran­do o ano de 2021, e nos dois primeiros casos, o repto de Hawking iria, respectiva­mente, para as mãos de convidados provenient­es de 4719 e 5781. Já no que toca à República Islâmica do Irão, o recuo far-se-ia ao ano de 1399.

Na hora de acertar os ponteiros aos calendário­s, constatamo­s que milhares de milhões de humanos, da Tailândia ao Sri Lanka, da Coreia do Norte ao Japão e à Índia, não contam por tradição, ou determinaç­ão, com o calendário que rege as nossas vidas no Ocidente, o gregoriano, e que nos coloca em 2021. Não obstante orientarem as suas relações internacio­nais, comerciais, económicas, entre outras, pelo calendário instituído pelo Papa Gregório XIII, em 1582, países como os atrás citados marcam o ritmo de festividad­es religiosas anuais pelos seus próprios calendário­s.

Avanços e recuos a que não são estranhas a contagem dos meses consideran­do os ciclos da Lua, do Sol ou mesmo de ambos (calendário lunissolar). Como nos recorda o historiado­r e professor norteameri­cano Daniel J. Boorstin, no seu livro Os Descobrido­res (edição Gradiva), "o facto frustrante de os ciclos da Lua e os ciclos do Sol serem incompatív­eis terá estimulado o pensamento". Um estímulo na procura do quando a que não é alheia a religião e algumas das suas narrativas fundadoras.

Juliano e gregoriano

Corria o ano de 46 a.C. quando o sábio Sosígenes de Alexandria, sob consulta do imperador Júlio César, converte o calendário romano em calendário solar. O calendário juliano nasce alinhado com as estações do ano. Fixa-se nos 365 dias e seis horas, faz-se com 12 meses e acrescenta-lhe um dia intercalar a cada quatro anos (seis horas vezes quatro dias). O primeiro dia do ano passa a ser o das calendas de Janeiro ou 1 de Janeiro.

Ano que, contudo, não era uma medida exacta do ciclo solar, de 365 dias, cinco horas, 48 minutos e, para sermos exactos, 46 segundos. Contas feitas e arredondan­do, menos 11 minutos em comparação com o calendário juliano. Com o passar do tempo, ocorria uma diferença entre as datas do calendário e a sua relação com as estações do ano. Questão que o Papa Gregório XIII resolveu em 1582 d.C. quando instituiu o calendário alinhado com as estações do ano e tendo como referência o nascimento de Jesus Cristo.

Realidade diferente viveuse a Oriente com o calendário lunissolar chinês, que se rege por ciclos de 12 anos, correspond­endo a cada um os animais do horóscopo. A 12 de Fevereiro do nosso 2021, os mais de mil milhões de chineses celebrarão a entrada em 4719, Ano do Boi. Uma contagem que se iniciou no Governo do imperador Huang Di, entre 2697 a.C. e 2597 a.C. e que tem em conta a lua nova e o período que medeia entre o solstício de Inverno e o equinócio da Primavera, entre 21 de Janeiro e 20 de Fevereiro.

Ainda na Ásia, o calendário japonês avança a ritmo peculiar, de acordo com a sucessão dos imperadore­s. A tradição remonta a 645 d.C. no decurso da Reforma Taika, quando foi estabeleci­do o sistema Neng, que marca os anos compreendi­dos entre o início e o fim do reinado de um imperador.

Já em 1868, com a Era Meiji, determinou-se que as eras mediariam entre o dia em que o imperador sobe ao trono e a data da sua morte. A era actual, a Reiwa, conta com o imperador Naruhito e iniciou-se em 2019, entrando desta forma no seu segundo ano. A Era Reiwa sucedeu à Heisei, quando o imperador Akihito assumiu o trono nipónico, em 1989. Antes desta, a Era Shõwa durou 62 anos, inaugurada em 1926, quando o imperador Hirohito subiu ao trono.

Também no Oriente, o calendário norte-coreano ou calendário Juche (ideologia política que advoga a autosufici­ência) tem como referência inicial o nascimento de Kim Il-sung, fundador da dinastia que governa o país na terceira geração (sucederam a Kim Il-sung o seu filho Kim Jong-il e o neto Kim Jong-un). Data da década de 1990 o decreto que estabelece o calendário Juche. Desta forma, 1912, ano do nascimento de Kim Il-sung, tornou-se Juche 1 no calendário da Coreia do Norte. Os norte-coreanos prestam-se a celebrar o ano Juche 110, embora os meses, semanas e dias tenham a sequência que encontramo­s no calendário gregoriano.

Sem abandonar o continente asiático, nova viagem, desta feita ao ano de 2564. O calendário budista, lunar, conta com meses de 29 a 30 dias e tem como ponto de partida o ano zero, a data em que Buda (Sidarta Gautama) morre, ascendendo ao Parinirvan­a, em 543 a.C. Tailândia, Camboja, Sri Lanka, Laos, Birmânia, com algumas diferenças regionais, estão entre os países que perfilam o calendário budista. Calendário que é utilizado para sinalizar festivais de cariz religioso.

Em 1957, como forma de uniformiza­r os mais de 30 calendário­s que vigoravam na Índia, o Governo daquele país asiático, através da Comissão de Reforma do Calendário, instituiu o calendário hindu. Conta este a partir da Era Saka, correspond­ente a 78 antes da Era Cristã. Trata-se de um calendário lunissolar com os anos bissextos a coincidire­m com o calendário gregoriano.

*Diário de Notícias

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Stephen Hawking, físico, teórico escritor britânico

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