Jornal de Angola

Mwenw Kanjika, activista cultural que fala inglês, francês, sueco e espanhol

Mwêne Kambandu Kanjika, pseudónimo de Matilde José, é uma artista plástica e activista cultural que luta pelo resgate e preservaçã­o dos valores culturais africanos. Kanjika é poliglota. Tem domínio de inglês, francês, sueco e espanhol

- Vasco Guiwho

Há quanto tempo é activista cultural?

Sou activista cultural há mais de 10 anos.

Por que escolheu esta área de actuação?

Por ser um legado que não consigo esquecer. É uma forma de perpetuar um sonho de criança, tal como a dedicação às artes e ofícios.

Qual deve ser o papel do activista cultural na sociedade? É uma pessoa adaptada aos valorescul­turais,quecompree­nde profundame­nte a cultura e a sua importânci­a. A cultura deve ser entendida e preservada. Alguns rituais, como comer com as mãos, favorecem a unidade e a irmandade.

O que é necessário para ser activista cultural?

Estar comprometi­da, ter paixão pela cultura, ter o sentido de auto-afirmação pelo que somos. Só assim não se perde a dignidade de um povo. Não há sociedade sem cultura.

Qual deve ser o papel da mulher na sociedade?

A mulher numa sociedade precisa de representa­r a sua comunidade. Ela é mãe e, portanto, tem de ajudar a potenciali­zar os filhos. A mulher desempenha actividade­s em todos os sectores e, inclusive, nas comunidade­s ela exerce o papel de médica tradiciona­l.

Como vê a educação na sociedade de hoje?

Falar de educação hoje é complicado, muito difícil. A maioria das pessoas passa pouco tempo com os filhos, por causa da dinâmica social. A ideologia cultural típica das mulheres africanas foi substituíd­a ao longo dos anos pelo modernismo. Hoje a influência de outras culturas cria uma pressão na educação dos filhos. Além do mais, nas escolas há falta de jangos para o aconselham­ento das crianças. Logo, há um fraco despertar da consciênci­a destas para aspectos como a própria identidade. O governo deveria criar uma área para informação cultural nas escolas. Isso ajudaria a preparar o jovem para o futuro. As palestras também são fundamenta­is.

Por que razão as línguas maternas são pouco valorizada­s?

A falta de aceitação cultural é a principal razão. Quando a pessoa aceita a própria cultura não sente vergonha de falar a língua materna. Mas também porque muitos pais deixaram de transmitir tal conhecimen­to aos filhos.

Que futuro perspectiv­a para a mulher na sociedade?

Na sociedade angolana, se centrarmos os olhos mais para as zonas urbanas, ficamos equivocado­s sobre o futuro. Mas se pararmos e reconhecer­mos os erros tudo pode mudar. O futuro está na cultura. A comunidade deve ter um papel mais activo.

E quanto à introdução de novas culturas?

A maioria não é ideal para as realidades africanas. São resultante­s da realidade europeia ou americana. Temos de velar mais pela preservaçã­o da africanida­de, desde a vestimenta aos aspectos antropológ­icos e culturais. É uma forma de ajudar na endocultur­ação, o processo de transmissã­o da educação desde o nascimento.

É difícil ser uma activista cultural em Angola?

Não é fácil. Primeiro porque sou da etnia ambundu, muito aculturada, com um pensamento mais europeu. Há pessoas que não suportam a minha forma de ser e pensar. Embora se fale muito sobre o resgate de valores, o apoio ao activismo cultural é praticamen­te inexistent­e. Mas a divulgação do assunto e o surgimento de jovens activistas já é uma realidade. Espero que tudo mude no futuro.

Quais os seus planos para o futuro?

Espero continuar a trabalhar neste sector. Tenho 20 crianças e adolescent­es sob os meus cuidados. Os ensino a pintar, tocar batuque, dançar, dizer provérbios, como fazer as comidas africanas e até mesmo o típico vestir das africanas. Também explico sobre cultura e tradição angolana. Estou a escrever um livro de contos e histórias de angolanos cujo trajecto de vida influencio­u gerações. O livro vai trazer também um pouco do meu percurso pessoal, como forma de incentivar os jovens. Tenho tido o apoio de Carlos Maneco e de Felipe Vidal.

 ?? | EDIÇÕES NOVEMBRO ??
| EDIÇÕES NOVEMBRO
 ?? VASCO GUIWHO | EDIÇÕES NOVEMB RO ??
VASCO GUIWHO | EDIÇÕES NOVEMB RO

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola