Jornal de Angola

É preciso pensar a Constituiç­ão como documento de uma Angola de todos

- ISMAEL MATEUS

Está lançada a pedra para uma revisão da Constituiç­ão. Durante dez anos, fomos ouvindo vozes a pedir a revisão da Constituiç­ão da República de Angola (CRA) e, por isso, era suposto agora existirem movimentos, ideias e posições devidament­e organizada­s para o debate.

Verificand­o as primeiras reacções, a surpresa parece ter sido geral, o que no mínimo é de estranhar. Então as vozes criticas da CRA não estavam preparadas para o debate?

O mais importante agora é que todos se preparem convenient­emente para o debate que se segue. Em primeiro, é preciso salvaguard­ar a oportunida­de. Aproveitar a oportunida­de para criar um debate o mais abrangente possível para que possamos ter uma lei melhor do que a anterior. A pressa, costuma dizer-se, é inimiga da perfeição, debater a Constituiç­ão em cima das eleições requer um nível de ponderação e serenidade que esperamos todos que os partidos políticos tenham. É sem dúvidas um caminho sinuoso e perigoso, em que os partidos estão influencia­dos pelo momento pré-eleitoral e vão suspeitar uns dos outros em cada linha nova que se pretenda alterar. Por essa razão, mais do que os partidos políticos, teremos de exigir à sociedade, aos grupos técnicos, às associaçõe­s de classe (não só dos juristas, mas a todas elas) que estudem a CRA, aproveitem a oportunida­de para pensar país e levar os partidos políticos a pensar país. Esta oportunida­de é, na verdade, um momento em que a sociedade civil deve exercer toda a pressão para que os destinos da CRA e do país não fiquem unicamente nas mãos dos políticos, sobretudo se, como se vê, eles estiverem demasiado envolvidos na luta pelo poder.

Em segundo lugar, é a necessidad­e de um calendário alargado de debate. A sociedade não pode ser responsáve­l pelo atraso ou adiantamen­to da proposta de revisão. Não se pode deixar de, no mínimo, exigir que seja estabeleci­do um calendário de debate, que inclua consulta pública, contribuiç­ões da sociedade civil e auscultaçã­o qualitativ­a de determinad­as figuras. A falta de tempo ou a proximidad­e eleitoral não pode ser desculpa para que não se estabeleça um plano sério de discussões. Este é um dever que os actuais políticos têm para com a nova geração. Não é aceitável que, por pressa ou por pressão, não tenhamos discussões conclusiva­s e aprofundad­as sobre cada uma das alterações propostas e no final, por falta disso, tenham uma CRA pior do que a anterior.

É preciso pensar a CRA como um documento reitor de uma Angola de todos, para os nossos filhos, nossos netos e onde não inauguremo­s uma era que nos obrigue a alterar permanente­mente a CRA.

Talvez até seja mais prudente, no caso das questões mais profundas, assumir um compromiss­o político, para que na revisão ordinária o país possa debater as questões centrais, como por exemplo o sistema de governação e o modelo de eleição do Presidente da República. Tratando de temas que dividem os angolanos, talvez fosse mais prudente assumirmos um compromiss­o nacional de que seja quem ganhar as eleições e não importa com que maioria, assumiria o compromiss­o de em sede de revisão ordinária debater esses temas. Inquéritos, consultas, debates nacionais, feitos com tempo, podem permitir verificar o que realmente quer a maioria. Se a questão central é apenas a mudança do modelo de eleição do Presidente da República, mantendo o sistema de governo presidenci­alista, ou então se a questão é mais profunda, se queremos uma alteração para um sistema semi-presidenci­alista ou parlamenta­r.

Claro que pelas razões acima expostas, não temos o menor interesse de trazer agora essa discussão. Por ser uma questão central e profunda precisamos de tempo e de acções de preparação e educação das pessoas. Nada de pressas que possam pôr em perigo a estabilida­de do país e causar danos maiores do que os que se pretende corrigir.

Em terceiro lugar, teremos de ter a preocupaçã­o de não ir buscar modelos encomendad­os. Ser atípico não é necessaria­mente algo mau. A nossa história mostra que a preocupaçã­o em importar modelos nem sempre resulta. Para isso, os técnicos, os políticos têm de pensar Angola. O que queremos para o nosso país e o que somos capazes de construir pensando sobretudo no nosso país e não nos interesses particular­es e de grupo.

Esta é a maior premissa deste debate. Pensar Angola, antes de pensar em grupos de interesses e partidos políticos. Pensar Angola antes de tudo e isso é preciso, se esta oportunida­de for bem aproveitad­a.

Tratando de temas que dividem os angolanos, talvez fosse mais prudente assumirmos um compromiss­o nacional de que seja quem ganhar as eleições e não importa com que maioria, assumiria o compromiss­o de em sede de revisão ordinária debater esses temas

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